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terça-feira, 17 de maio de 2011

Caminhada

Um susto desse parece abrir na vida um buraco sem cura. Nada que chegue para tampá-lo é capaz de suprir. O muito é sempre pouco. O pouco é medida inexistente. Por isso a desmedida passa a operar a sorte de alguém que assim venha a ficar doente.

Eu havia adoecido. Assim, nada supria. Nada resolvia nada. Tudo em estado aberto permanecia. A dor, os olhos (mesmo quando fechados). As pernas vagavam sobre a cama. O suor seguia escorrendo, mesmo no inverno, mesmo em ventania. A fome era sempre voraz. A sede constante. Eu havia adoecido e meu corpo clamava por conserto.

Então num dia qualquer, num dia desses em que nada funciona. Num dia desses eu me percebi andando numa calçada em frente a uma igreja. Igreja Universal do Reino de Deus. E eu pensei, meu deus, que foi que eu fiz pra merecer tudo isso? O tudo isso não era nada demais. Era de novo e mais uma vez aquele buraco imenso e desproporcional. Eu me perguntava (em silêncio) como pode haver dentro de mim um buraco maior do que eu mesmo?

Eu fui tragado pela poesia. Dentro de mim vivia a metáfora mor que a minha vida em mim detinha. Foi estranho. Foi desmedido. Eu então pensei, o que fazer? Talvez fosse o caso de deixar meu corpo ser tragado por um poema, por um verso ou aliteração. Eu passando frente aquela igreja, estava um dia frio, era início-meio de tarde e eu indo rumo à universidade, pensando, meu deus, eu preciso sair do lugar. Eu preciso resolver isso que me mata. Selar o encontro com este horror e andar, de fato, como quem move as pernas e nisso move também todo o mundo.

Então eu decidi. Quer poesia maior do que aceitar amar o mundo? Amar as pontas os riscos amar os sustos? Eu decidi naquele dia que quanto mais amasse maior minha dor seria, mas ao mesmo tempo, quanta mais doesse maior também seria este amor de mim saindo rumo à inércia das coisas. Eu decidi me perder. Eu decidi amar incondicionalmente mal surgisse a manhã de cada dia.

Parece clichê. Eu me condenei. Eu me achei poeta demais. Mas continuou. Virou rima tenaz. Virou pele e não esconderijo, virou fachada. Eu amando as coisas ao redor virou minha forma de permanecer às coisas ligado. Virou forma minha e pessoal de permanecer vivo. Ora, eu havia sido convidado por uma amiga a ir junto no seu abismo. Mas não quis. Quis ficar. Com a imagem colada à retina daquele abismo imenso que a engolira. Eu quis ficar. E só se fica mesmo amando bastante.

Este relato é poesia. Este relato é sinceridade em concentração. É uma forma minha de dizer a vocês como foi que eu resisti ao que veio antes e depois. É luta vã. Mas é nobre. Lutar para garantir a si próprio o direito de perder. Eu perdi uma amiga. Mas assino embaixo do meu direito em perdê-la. Assino embaixo – e em negrito – a dor minha convertida em poesia, em clichê, em potência, de volta à vida.

Foi assim, de um dia para o outro, no cruzar de uma rua nesta cidade do Rio de Janeiro. Foi ali, meio lacrimejante, que eu decidi viver para além do permitido. Talvez por isso eu esteja hoje tocando nesse assunto tão improfícuo. Dele, creio eu, brotará a necessidade do seguir.

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Diogo Liberano