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terça-feira, 10 de maio de 2011

porque saudade mata e ela não queria morrer tão cedo

Eu nunca me esqueci daquele final de 2004. Eu, Lilla, Odila e Andreia estávamos fazendo as últimas provas do vestibular e, ao mesmo tempo que felizes em cumprir uma etapa importante das nossas vidas, sentíamos também uma preocupação grande por conta da futura distância. Se não tinha mais escola, não tinha mais obrigação da gente se ver de segunda à sexta. Das 8 às 17 hs. Prometemos ficar juntos, prometemos que os futuros novos amigos não seriam melhores que os velhos, prometemos que nos veríamos pelo menos 1 vez por semana. Prometemos também não ficar só na promessa.

As provas do vestibular acabaram. Janeiro chegou com aquele calor insuportável e nosso programa preferido era ir à praia. Eu já não tinha mais hidrofobia pois as aulas de natação com a Lilla tinham cumprido com a sua função. Íamos todos à praia e víamos o pôr-do-sol. A Cecília era quem sempre dizia que em vez de gastar dinheiro com analista, era muito melhor se tratar diretamente com o mar. Acho que é por isso que até hoje nunca fiz análise. Prefiro as consultas gratuitas regadas a sal e sol.

Lembro que naquele ano as aulas na faculdade começaram no comecinho de fevereiro. Cada um foi por um caminho, num curso e numa Universidade diferente. Tivemos umas 3 semanas de aula e logo chegou o carnaval. Naquele ano, o carnaval serviu também para a gente matar a saudade um do outro pois já tínhamos iniciado nossos estudos e, involuntariamente, estávamos sem nos ver. O carnaval seria então a data oportuna para todos os beijos e abraços. Lembro da Lilla com uma fantasia de borboleta feita por uma amiga que ela tinha acabado de conhecer na faculdade. A Lilla falou durante o carnaval inteiro nesta menina.. eu me adiantei logo e lembrei à ela da promessa que fizemos poucos meses antes em não arranjarmos ‘novos melhores amigos’. A lilla riu. O Odila me deu um tapa nas costas e mandou eu parar de ser tão ciumento. A Cecília perguntou porque a tão adorada nova amiga não estava ali com a gente. E a Lilla, ainda rindo, explicou que a tal da Rita estava passando o carnaval com o namorado em Vassouras. Acabado o carnaval, o ano de fato começou para todos nós.

Depois que o colégio terminou, eu comecei a frequentar menos a casa da Lilla. Não por falta de convites mas é que minha mãe ficou doente e eu quis estar mais perto. Comecei a achar que já tinha perdido muito tempo sem ela e fiz questão de passar mais tempo junto. Agora, ela não morava mais no quartinho dos fundos do colégio pois com o dinheiro da venda da nossa casa em Villar dos Telles e com o dinheirinho que ela recebia da Tia Anita (sim, agora eu já sabia que o ‘agrado’ que eu entregava naquele envelope pardo toda semana era, de fato, dinheiro) nós conseguimos comprar um apartamentozinho em Copacabana. Durante todo o ano de 2005, eu me vi sem a Lilla. Ela lá no Leblon e eu aqui, em Copacabana. Ela estudando de manhã e eu, à tarde. Ela amando uma amiga nova que costurava e eu, com saudade da minha insubstituível amiga antiga.

Até que um dia ela manda um e-mail para todos nós falando da tal festa de Design de Interiores. Dizendo que a gente TINHA que ir porque saudade mata e ela não queria morrer tão cedo. O Odila foi o que mais fez charminho dizendo que não poderia confirmar a presença porque tinha pendências afetivas a resolver naquele sábado à noite. Na verdade, ele queria era mostrar para a Andreia que ele estava vivendo a vida dele depois do pé-na-bunda e estava sendo feliz e estava pegando todo mundo e estava muito melhor sem ela e blá blá blá. O Odilon sempre gostou de dar uma de gostoso e fazer charme. Acabou indo.

A festa seria na casa de um tal de Oscar, que nem a Lilla sabia quem era. Ia todo mundo da faculdade dela, inclusive a costureira especializada em carnaval. Eu não poderia perder a oportunidade de conhecer a menina.. vá que um dia eu precise fazer bainha numa calça jeans ? Combinamos de rachar uma Kombi e irmos todos juntos. Deu R$ 13 para cada um e a única que não pagou foi a Andreia, porque ela só tinha uma nota de 100. O coitado do motorista não tinha troco para ela e acabou que o pobre do Odilon quis impressionar e pagou os R$ 13 da ex-affair. Pobre Odilon mesmo porque quis dar uma de cavalheiro e acabou passando a noite toda sem ter dinheiro para comprar bebida. A kombi pegou a Lilla no Leblon, depois veio para Copa me buscar, seguiu para a casa da Cecília, Andreia e depois Odilon. A cada integrante novo que entrava na Kombi, a gente ia sentido que o coração ficava mais preenchido também. Depois dos 6 juntos, eu crente que esta seria a lotação máxima, me lembro que ainda faltava a costureira. Madureira. Ela não morava lá mas estava na casa de uma tia do namorado enquanto o apartamento deles ficava pronto em Botafogo. Enquanto íamos para Madureira, me lembrei do caminho que me levava para a casa aonde nasci. Deu vontade de saber se a Rua Montevidéu e a Rua Cuba continuavam lá. Me deu vontade de mergulhar na piscina do Pavunense e mostrar para a água que ela não me venceu e que hoje eu não preciso mais de bóias.

Toda esta minha divagação terminou quando chegamos em Madureira e, na esquina combinada, lá estava a costureira. Para uma costureira, esperava que ela se vestisse um pouco melhor. Ela entrou na Kombi e a Lilla foi logo nos apresentando. Não demorou muito para todos logo nos identificarmos com ela. Tirando o fato que de cada 10 frases, 9 continham o nome Caco, ela parecia uma pessoa igual a gente.

Chegamos poucos minutos depois na casa do Oscar e, de imediato, pegamos bebidas. Ninguém entendeu porque o Odilon não brindou com a gente mas eu tinha sacado que ele não tinha dinheiro para a caipirinha. Eu, que tenho boas lembranças de momentos em que o Odila excedeu na bebida, fiz questão de deixar ele confortável e paguei algumas doses. Sem contar que ele tantas vezes já pagou o lanche para mim no recreio, agora seria a minha vez de retribuir a generosidade. Brindamos então todos os 6. Quer dizer, 7. A Rita falou que iria ficar só naquele brinde pois não costumava beber e o tal do Caco não gostava que ela bebesse sem ele por perto. A gente fez questão de não ouvir esta frase da Rita e fomos correndo para a sala dançar. Era incrível, bastava tocar Britney Spears para a gente se permitir ir além. A Cecília tirou o lenço que protegia o pescoço dela do frio e começou a jogar pro alto. A gente jogava o lenço de um pro outro e se jogava no chão. A gente ria porque aos poucos todo mundo foi entrando na brincadeira e em pouco tempo a festa toda jogava aquele lenço verde pro alto. A Britney já devia estar cansada do próprio playback e a gente continuava sem se cansar. A gente só parava para beber mais. A esta altura eu e Odilon já bebíamos no mesmo copo e nossos abraços eram mais demorados. A Lilla já começava misturar português com inglês e tudo para ela se resolvia gritando: “suck my dick, man !!”. A Cecília estava fazendo bico porque achava um absurdo festa brasileira sem música brasileira. Eu só ouvia ela no meio da sala clamando por Tim Maia e Jorge Benjor.. lembro da cena clássica dela subindo na bancada de vidro, pausando a música que tocava e cantando em alto e bom som: “Não. Não me abandone. Não me desespere. Porque eu não posso ficar sem você.”

Ela ia cantando e todós nós, respondendo em uníssono. A voz gravada de antes não fez falta alguma. Agora a festa inteira cantava tendo nossa Cecília como cantora-mór. O Odila, que foi correndo atrás da amiga achando que ela ia ser linchada por tamanha ousadia, já estava lá em cima da bancada, também fazendo peso sob o vidro. Eu peguei a Lilla pelo braço e fui correndo fazer parte daquele momento. Em seguida chegaram Andréia e Rita, com uma garrafa de vodka na mão. Estávamos todos ali. Dançando e cantando enlouquecidamente. A música ia acabando e um outro já iniciava uma outra canção. A garrafa da Rita ia passando de boca em boca. Dava para sentir a saliva dos 7 misturada naquele gargalo. Além de cantar, a gente criava as coreografias mais toscas também. Fomos de Araketu a Cazuza. Nossos corpos faziam pressão sob o chão de vidro. Vivíamos o presente sem nos importarmos com a queda. Se caíssemos, cairíamos felizes um em cima do outro. O corpo do outro amorteceria a queda. Lembro que a Lilla gritava: “até quando será que o vidro aguenta ? até quando é possível resistir ? até quando eu vou ter chão abaixo dos meus pés ? se eu não tenho chão eu caio. tudo acaba no chão. o chão é a última moradia do corpo. Vamos cair !! Não vamos ter medo de cair !! o chão é a moradia merecida pro corpo que viveu a vida toda plainando !”

A Rita calou a Lilla dizendo que estava bêbada, que tinha vontade de tirar a roupa, ficar pelada e ser chupada como ela nunca foi pelo Caco. O Odilon calou a Andréia com um beijo roubado. O Inácio calou a Cecília dizendo que Justin era muito melhor que Caetano. E todos foram calados pela buzina nervosa da Kombi, parada em frente a casa do Oscar. Saímos dali direto pro hospital. A Rita precisou de glicose no sangue.