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sábado, 14 de maio de 2011

Receita para preencher os vazios

          Dia 11 de setembro de 2010. Logo assim, no inicio do mês, que é quando a gente ainda tem dinheiro para alguma coisa além do separado para pagar as contas. Eu tinha me mudado há uma semana e combinei esse jantar com antecedência. Antes mesmo de me instalar por inteiro lá, já havia combinado com a galera que no segundo sábado do mês, e o primeiro depois da minha mudança, faria um jantar para abrir as portas para meus lindos amigos. Só para eles mesmo porque não curto muito tumulto dentro da minha casa. Então, todo mundo já estava com esse evento anotado na agenda.
Eu tinha me mudado para o mesmo Bairro, Bairro de Fátima.  Mas agora estava saindo de uma Kitinete para um apartamento com cozinha (grande e essencial), sala, um quarto e um banheiro. Então, como quem sai de um lugar micro e vai para um maior, o apartamento parecia grande demais para a quantidade de moveis. O Odilon tinha me ajudado a fazer a mudança durante a semana, disse que estava em uma semana tranqüila no trabalho, alias eu sempre acho que o Odi tem semanas tranqüilas no trabalho, mas confesso que deva ser uma implicância minha, por que ele sempre está carregando muitos papeis consigo.  A cozinha era a única coisa preenchida naquele apartamento, tinha tudo que eu necessitava. Comprei muitas coisas à prestação, mas não podia não ter uma cozinha completa. Na sala, só um tapete branco, uma pilha de livros de gastronomia e meu Laptop com duas pequenas, porém potentes, caixas de som. No quarto, minha cama e um armário de duas portas pequeno.  Hoje já está tudo mais preenchido. Tem um sofá na sala e duas prateleiras para os livros. No quarto já mudei o guarda roupa ,tudo à prestação, a coloquei cortinas, porque por um tempo foi impossível conseguir acordar depois das seis e meia da manhã, devido ao Sol.
  Havíamos marcado às 19h, mas como era de costume, ninguém chegava na hora marcada. Eu tinha decidido fazer  tagliolini negro com tomate seco, rúcula e vieiras grelhadas. Os meninos ficaram de trazer as bebidas, mas já tinha duas garrafas de vinho na geladeira por precaução, e a Rita de trazer a sobremesa (eu adoro o bolo de fubá da Rita). Obvio que, como sabia que a Cecília ia implicar com as vieiras, fiz uma segunda opção de molho para o tagliolini, mais básica e com cara de receita de mãe: molho branco. Estava tudo quase pronto, faltava só a parte final de ir com as vieiras à frigideira e montar os pratos.  Eu fiquei cerca de 45 minutos esperando a primeira pessoa chegar. Fiquei ali, perdida na imensidão da minha pequena sala sem móveis sendo tortura pelo excesso de branco que nela existia, ou seja, parede, piso e tapete. A campanhia tocou dei um pulo do tapete, e fui correndo abrir a porta. Era o Inácio e a Rita. Ele vestido com uma blusa branca social, combinando com o branco dos dentes e da parede e do tapete. Enfim...  Ele trazia três garrafas de vinho e já entrou entrando, sorrindo e dizendo “cadê os moveis dessa casa, Andréia?”, por trás de um sorriso debochado. Obviamente eu já esperava esse tipo de brincadeira do Inácio. A Rita, com um vestido todo verde musgo, entrou mais tímida, com um pote que continha a sobremesa nas mãos, entrou olhando tudo, o tudo era muito pouco, ficou na sala dizendo “Nossa, que bonito isso... que bonito aquilo”, não consegui entender muito bem, acho que ele ficou admirada com os espaços vazios, é coisa pouca na casa dela. Os levei para conhecer o meu grande apartamento. Claro que a cozinha era último lugar da casa que eu mostrava. Quando a Rita entrou na cozinha, ela deu um grito. Eu fiquei orgulhosa. Era linda mesmo. E o Inácio foi entrando, abrindo a geladeira, guardando os vinhos e já abrindo as tampas das panelas e fazendo aquela carinha de criança quando sente cheiro de Mc Donald. Rita e eu ficamos falando sobre cada detalhe, ela falando porque o Caco escolheu tais e tais coisas para cozinha deles e eu dizendo da importância do balcão para cortar e separar os alimentos antes de ir ao fogo.
     A campanhia tocou novamente. A gente fez uma aposta para ver quem adivinhava o próximo à chegar. A gente não conseguia definir em quem cada um ia apostar e o que quem ganhasse ia levar. Essa mania de quase tudo ser motivo de adivinhação nossa! A companhia tocou de novo, e o Inácio disse: Cecília! Eu discordei e disse “pelo peso do dedo deve ser o Odilon”, e Rita olhou com uma cara de “ só sobrou a lilla para mim né?”. Fomos unidos e ansiosos, abrimos juntos a porta. E pela surpresa era um vizinho. Bem bonito. Os três ficamos parados olhando sem conseguir esboçar qualquer tipo de ruído. Não sei o que os meninos pensaram, mas eu pensei: CASA COMIGO! Ele, o vizinho, falou: Oi! Boa noite, desculpa incomodar, mas estou precisando de sal, teria como arrumar. E os três respondemos que sim com a cabeça. Ele continuou olhando esperando que alguém se mexesse. E eu não sei como a Rita não percebeu o olhar do Inácio para o vizinho. Ela, de repente começou a falar descontroladamente, dizendo que sim, que claro, que ia pegar, que mil coisas, e foi entrando puxando o rapaz pelos braços e o levando até a cozinha. Assim, que ele cruzou por nós dois, Inácio e eu, tivemos uma crise de riso, dessas que parece que não vão acabar nunca, que você sabe que só vai acabar quando você já estiver no chão, doendo, e sabendo que trabalhou o abdômen pela semana inteira. Eles voltaram e a gente rindo, ainda em pé, querendo controlar o som. E controlamos por uns segundos. O rapaz bonito vizinho disse: obrigada. É você que mora aqui, né? Eu disse que sim. Que a casa tava aberta. Bastou para o Inácio soltar o que tava preso na garganta e cair no chão de tanto rir. Eu querendo me tacar junto ao Inácio naquele piso gelado, dei boa noite e sorri. Depois de um tempo fui descobrir que o nome dele era Pedro. Ai Pedro! Assim que o Pedro deu as costas, me juntei ao Inácio e pude ver a Lilla saindo do elevador cruzando com ele e nos olhando aterrorizada , olhando aquela imagem de duas pessoas no chão, morrendo de tanto rir. A Rita, que ficou ali em pé o tempo inteiro, como se não tivesse sido desestabilizada, tentou esboçar alguma explicação da situação para Lilla que já entrou dizendo “Nossa! PELAMORDEDEUS! Alguém me explica esse homem?”. Acho que estávamos mais rindo dessa cena clichê de filme americano do que de todo mais.  Enfim... entramos e nos jogamos no tapete. Sem sapatos, claro. Por que o branco merecia continuar branco, segundo a Rita. Os calçados ficaram na porta. Ah! A Lilla trouxe algumas almofadas para colorir a sala. Estão aqui até hoje. Tem uma aparência meio indiana, acho bem bonita. Lá pelas 21h chegou o Odilon, com um garrafa de vinho. Eu achando que era algo especial, por que era a marca da primeira garrafa de vinho que dividimos. Não sei se ele se lembra. Achei fofo. E ele sorrindo assim. Não sei. Não comentei nada. E nós ali, sempre nos esparramando pelo tapete, e pelas almofadas indianas que a Lilla trouxe. A Cecília estava atrasada. Alias estávamos vivendo todos os nossos clichês, mas mesmo assim era sempre surpreendente esse encontro. E nossos estômagos já estavam em buracos de tanta fome. Os meninos dizendo “Déia, libera a entrada logo”. E eu e Rita defendendo que tínhamos que esperar a Cecília. A Lilla nem se posicionou, tirou uma barra de chocolate da bolsa e fez nossos estômagos sorrirem. Eu fiz uma de irritada, a Rita logo saiu do meu lado e se tacou no chocolate, sempre dizendo, cuidado para não cair no tapete, meninos. Eu querendo comer tanto aquele chocolate, era uma barra de “Suflair”, mas me virei e fui colocar as fatias de pão no forno. A Lilla foi ligar para Cecília,  e gritou que a Cecília já estava chegando. Gritei a Rita, que apareceu assustada, com cara de quem achou que estava pegando fogo na cozinha. E logo atrás dela, às duas cabeças na porta da cozinha ( Lilla e Inácio), obvio que para fazer graça. Falei para colocarem uma música qualquer, e a Lilla disse “nada nossa é qualquer”, eu sorri dizendo, “ ai Lilla para de fazer poesia”. Mas antes mesmo de se virarem para sala, a nossa trilha surgiu. Ai Beatles! Ai Odilon! Ele sempre acerta a trilha.  Fomos para sala pulando e gritando : help I need somebody! E nos ali já nos precisando e nos pertencendo, só à base da Minalba. A campanhia tocou. Obvio que era a Cecília. Inácio disse, vamos nos esconder! Como se aquilo já estivesse no pensamento de todos, não houve nem tempo da fala, cada um correu para um canto. Inácio foi para no banheiro, Odilon e Lilla para quarto. O primeiro embaixo da cama e ela no guarda-roupa, segundo eles. A Rita falou, gente que bobeira... Tá Rita mas não conta! Alguém gritou. A Cecília entrou, falou com a Rita, eu estava escondida, ou achando que estava, escutando ela impaciente, e eufórica dizendo, que era aniversário do 11 de setembro, das quedas das torres, e que tava cansada dessa política, e de toda a propaganda que desvirtua tudo. E falou e falou. E nos já petrificados, estáticos em nossos esconderijos. Eu já com cãibra, a graça já perdida, por que a Cecília não parou de falar de política, e a Rita querendo avisar alguma coisa esboçada num “ é... entendo.. mas acho..”. Até que senti um cheiro de queimado. Acho que era isso que a Rita queria esboçar. E surgi de baixo das almofadas, a Cecília deu um pula, eu corri para a cozinha. O Inácio veio correndo e disse: Ta queimando! Oi Cecília! Pô estragou nossa brincadeira! Eu voltei pra sala. Queimou! O pão, a torrada, pareciam carvão. E o Inácio e Cecília riram, mas riram tanto , como só eles dois conseguem quando se olham e pensam no mesmo absurdo. E eu desesperada, achando que o mundo ia acabar por causa de umas torradas queimadas. A Rita tentando improvisar alguma coisa e me acalmar. Desisti da entrada. Desistimos. Voltamos à sala, Rita e eu, com duas garrafas de Vinho, para o primeiro brinde. Faltavam a Llila e o Odilon, que ainda não tinham surgido. O Inácio, foi ver. E voltou dizendo. Ah eles estavam se beijando. E riu. Mas eles tinham voltado normal. e reclamando: “ ô gente, custava alguém avisar que já tinha acabado a brincadeira? Fiquei espremido embaixo daquela cama. Tô todo torto” , mas sorrindo. E eu até hoje não sei se de fato eles estavam se beijando ou se aquilo era mais uma brincadeira do Inácio. Era uma invenção do Inácio sim! Claro. Porque era obvio que eles não tinham nada a ver. E eu e Odi tínhamos algo, porém não mais concreto, mas algo. E eu não sei se.. Não sei... a Lilla nunca falou nada.  Ai Inácio disse, “Calma Déia! Falei brincando!”, e eu sorri como quem diz claro, isso nem me afetou. Gente! Vamos comer, acho que foi a Cecília. Foi. Foi sim. Porque logo a Lilla foi abraçá-la dizendo “Ah dona mimada, você é a última à chegar e ainda quer tudo pronto? Muito bonito!”. A Lilla adorava abraçar. Tudo era motivo de abraço. Acho tão bonito. Achava. E o cheiro de queimado continuou na casa.  Fui para a cozinha. Finalizei e desenhei o prato de cada um. A Rita, deu uma de assistente, como sempre adora fazer quando estamos juntas na cozinha, e foi levando para a sala os pratos. O da Cecília é essa com molho branco. E todo mundo reclamou. Ah! A Cecília é sempre especial. Ela não come frutos do mar, fazer o que. O Odilon Abriu um vinho, o Inácio outro. E brindamos, com sorriso e vinho, o nosso compartilhamento todo. O Inácio disse: à nova casa linda, porém sem mobílias da nossa Andréia! Ai, gente. Amo o Inácio. Ele consegue ser fofo, mesmo quando e irritante. Mas a Ciça logo o reprimiu com olhar de reprovação como quem diz, você não existe, como pode? E bebemos e comemos. E todos quiseram provar o prato da Ciça, que, tadinha, acabou comendo pouco. Eu disse. Tem mais. E todos correram para a cozinha. E repetiram, o molho branco. Acho que não curtiram a vieira. Alias Inácio ficou comendo para fazer uma de fino. Mas de fato, o sucesso foi o molho branco. E depois dançamos. E o som que já tinha voltado à ser música desde o início do mastigar, agora já não tocava mais Beatles, já tinha passado por Bethania e Caetano, e já tava na Britney. Ele ia assim, acompanhando nossa quantidade de álcool do organismo, porque já tinham mais duas garrafas abertas. E eu nem lembro como isso se deu. Quando tocou BSB, Lilla e eu dançamos tanto e rimos lembrando do show do maracanã. Que ficamos numa fila horrorosa, enorme, por horas. Uma coisa que a gente não acredita que fez. E depois todos dançaram. A Rita dançava e sentava, fingindo às vezes não fazer parte daquilo. Mas claro que fazia. E o Odilon, com essa mania de caderninho, ia nos olhando e nos anotando. A Ciça sorria e diziam, cuidado com os copos, enquanto Inácio amassava Lilla, Rita e eu contra a parede num grande deboche, porque a Rita ficava um pouco desesperada, e dizia: O copo, o vinho, o tapete, cuidado... Espera aí Inácio! Mas sorria.  Ai... 
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Muitas coisas...
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Ai Tocou Zezé de Camargo e Luciano, “É o amor”. Eu me perguntei e me pergunto: Como isso veio parar na minha Playlist. Mas não importa. Foi bom. Porque nos tornamos um corpo só. E o Odi veio nos abraçar. E a Ciça Largou o cigarro na janela e ficamos cantando, berrando. Foi lindo! E cafona. Mas já disse, somos o melhor dos clichês. A gente se encaixa muito. Mesmo quando nos gritos. E depois dos corpos cansados, lembramos da torta de limão que a Rita trouxe, e foi um ataque, ela acabou em pouco minutos. Parecíamos dragões devorando toda aquela doçura da torta de limão. Porque a Rita sempre exagera no açucar. Eu acho. Mas eu sou chata e tava uma delicia. Voltamos da cozinha. E a Rita estava sozinha na sala, cantando e dançando Madonna, com uma garrafa de vinho na mão. Querendo já tirando a roupa. E O Odilon quis controlar, dizendo "Ritinha não faz isso não". Mas nos olhamos, e todas entramas no seu jogo. O no final, estávamos todas com seus sutiens preto, roxo, rosa e de renda. E fizemos a festa. Eu me taquei no Odilon. E a gente se beijou. Muito. E nem vi o que durante isso aconteceu. Só sei que nosso beijo terminou no tapete, onde os outros já estavam tacados. E rimos todos. Até que o sono, que há muito batia à porta, nos tomou por inteiro. E dormiram, por que já eram cinco da manhã. E o Sol quente começaria a nos incomodar logo. Eu levantei e fui lavar a louça. E lavei. Voltei para a sala. E vi que não precisava de estante, nem sofá, nem nada além da gente ali compondo e preenchendo nossos vazios.  Me encaixei entre os braços do Odilon, as pernas da Ciça, a mão do inacio, os pés da Rita, e a nuca da Lilla. Mas de fato, isso uma coisa estranha, porque não sei bem como, todos se encostavam de alguma forma. Porque não deitamos em fila, um ao lado do outro, como em tantas outras vezes, mas num encaixe estranho, porém macio.
O Sol, foi nos despertando e, na minha casa não tinha muito para onde fugir, acordamos todos. Rita fez um café, e as olheiras nas caras amassadas, junto aos sorrisos, nos diziam que a noite tinha sido boa mesmo. Nos olhamos, tomamos café. E, depois, foram indo. Primeiro a Rita, que percebeu cerca de 50 ligações não atendidas do Caco, no seu celular. Depois a Cecília e o Inácio. A Ciça porque queria dormir mais e precisava da sua cortina blackout, e o Inácio porque ia trabalhar. Ai,  ficamos  Odilon, Lilla e eu, ali, nos olhando por um tempo, sem dizer nada. Dia de folga meu e do Odilon. A Lilla também não tinha compromisso. Tomamos banho, claro cada um num momento. E decidimos descer. Andamos um pouco fomos até o aterro, uma longa caminhada. E depois cada um foi para um canto. Eu voltei para arrumar as coisas.  Só aí que percebi o tapete manchado pelo já roxo do vinho. Era uma mancha enorme. Não lembro em que momento isso aconteceu. Será que foi a Rita quando estávamos todos comendo a torta de limão? Às vezes, acho que foi enquanto eu estava arrumando os pratos, e todos passaram a noite inteira escondendo a mancha com as almofadas indianas, com medo de que eu me estressasse. Mas nem quero saber. É a nossa escrita naquele tapete vazio.
 No dia seguinte, tomei uma multa do condomínio. Reclamação da dona Mercedes do andar de baixo. Nem falei para eles, porque não precisava, porque não tinha multa que valesse os sorrisos, os abraços, as torradas queimadas.