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terça-feira, 10 de maio de 2011

Sobre o processo de criação coletiva

Criar junto. Criar coletivamente. Estamos falando de passar por um processo onde a base que o sustenta é a troca com o outro. Nessa troca opinamos, ouvimos, dizemos, discordamos, concordamos, debatemos, opinamos, discutimos. E tudo isso sendo sustentado por uma afetação recíproca, não nos interessa trocar com o outro sem que o outro exerça a menor influência sobre mim, nos importa receber o outro na capacidade intrínseca que ele tem de nos modificar.
Na criação coletiva nos colocamos diante do outro permitindo que esse que nos olha nos afete, nos transforme. E nesse permitir-se, percebemos que esse outro nos perfura ora embaralhando as nossas certezas ora potencializando as nossas virtudes. Estamos falando da dor e da delícia que é se abrir para o desconhecido, um trabalho que exige coragem, persistência e vontade. Um processo colaborativo é como um adentrar em uma sala de espelhos: um corpo se vê refletido de diversas formas por diferentes tipos de espelhos, apenas um espelho reflete a verdadeira imagem daquele corpo, todas as outras “falsas” imagens são o parâmetro necessário para que seja possível reconhecer a imagem verdadeira, como seria possível reconhecer o que é verdadeiro sem antes reconhecer tudo aquilo que é falso?
No caso de um processo colaborativo evocamos aqui a imagem do jogo de espelhos menos pela discussão do que seria falso ou verdadeiro do que pelo reconhecimento do poder que o outro tem de refletir e alterar a minha própria imagem. Poderíamos ser ainda mais radical e dizer que seria impossível reconhecermos qualquer imagem no espelho senão é o outro que a reflete. É como se tivéssemos um espelho à nossa frente, estamos diante do espelho e nos olhamos, se ao desviarmos o olhar o que encontramos é o olhar do outro, no mesmo instante em que voltamos a nos olhar no espelho, a imagem que vemos já é outra.

Um outro ponto que gostaríamos de tocar é que nesse tipo de processo é quase impossível separar a ficção da realidade, até porque essas duas instâncias se cruzam e se confundem no próprio espaço-tempo do real.
Se às personagens da nossa criação exigimos que diante do outro passem a se afetar através e unicamente da sinceridade, aos atores que participam desse processo não podemos exigir menos do que isso. É a ficção se misturando com a realidade na produção de uma alquimia que transcende. Não conseguiríamos separar o artista do homem que somos, aliás isso não deveria ser nunca possível.