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domingo, 12 de junho de 2011

Notas sobre a dramaturgia - Quatro

O Rio de Janeiro de fato atrapalha o processo de escritura dessa peça (e de qualquer outra, sugiro). Cheguei ao Rio na sexta-feira, final da tarde. Só agora consigo sentar para escrever sobre essa escrita. São três e trinta e seis da madrugada. Tenho percebido cada vez mais que escrever dramaturgia pode ser algo eterno. Eu mudei várias vezes todas as cenas já escritas e amanhã tenho certeza que terei condições para seguir mudando. Aos poucos, eu acho, a coisa vai se firmando e criando raíz. Sendo assim, me parece, o meu papel mais do que plantar é podar. Pra ver nesse ato do corte aquilo que de fato tem força pra durar (e render frutos).

No segundo ensaio desta semana que se abre já já, eu levarei a vocês as primeiras cenas do espetáculo. Decidi que levá-lo inteiro seria por demais exagerado. Eu preciso de mais tempo para apurar as ideias e não deixar que as falas nasçam para suprir sentido ao leitor. As falas dessa peça tem função apenas para as personagens (a gente, literalmente, que se foda). Se elas estiverem se falando está tudo certo.

Um arrependimento me bateu com toda a intensidade: eu deveria ter criado um arquivo no Word para salvar tudo aquilo que foi escrito e que eu cortei. Gente, eu juro, já teria mais de quinze folhas de texto. Foram muitas cenas e muitas apostas que não duraram uma noite ou madrugada. Das falas que eu postei para vocês, talvez uma ou outra tenha sobrado. Nem sei.

Uma das minhas maiores preocupações quando pensei a dramaturgia desse projeto era justamente a de encontrar força dramática para fazê-lo durar. Eu sempre usei essa palavra, árida, para descrever a dramaturgia. Não conseguia ver muita coisa acontecendo. No início do processo, eu me agarrava a pequenos acontecimentos como por exemplo um jantar. Eu pensava, meu deus, eles podem jantar. Olha que máximo, eles têm uma ação concreta, preparar um jantar e não apenas ficar falando de suicídio ou de maneiras de seguir sem tombar.

Sorte a nossa que criamos estas personagens. Elas são o nosso porto-seguro. É preciso defendê-las para que suas diferenças não se harmonizem e morram, aos poucos, por preguiça ou descuido nosso de as preservar. É dessa diferença que nasceram todas as cenas que escrevi. Até agora eu não abri meu caderno ou arquivos com sugestões de falas, cenas, situações (arquivos que criei lá no início e fui enchendo com tudo que era produzido em ensaio). Ou seja: se eu escrevo RUMO, todas as personagens se movem ansiosas para dar o seu ponto de vista sobre o desafio que eu lancei.

Escrevi o prólogo, a primeira, a segunda, a terceira e a quarta cena. E parei. Sem vontade de seguir. As duas últimas cenas são duas pancadas que eu preciso me alimentar muito antes pra que nasçam assim de súbito. Estou esquematizando os desdobramentos, fazendo um roteiro, por exemplo, na cena cinco (intitulada DESCONHECER-SE), Rita discute com o Caco pelo telefone; Inácio revela que é gay para Rita; Andréia revela aos amigos que Odilon e Lilla haviam ficado… E isso explode muita coisa pra cena final. Ou seja, uma escolha dessas citadas, por exemplo, consome páginas e mais páginas de texto. Imaginem o que a cena final nos reserva…

Uma coisa que acho legal registrar aqui, já que estou – mesmo sem ter planejado – fazendo um pequeno diário da construção dramatúrgica, é a questão do som, da trilha, no momento em que escrevo. Eu não poderia dizer que cada personagem tem a sua trilha e que eu escuto uma trilha pra cada um. Mas, isso às vezes acontece. Eu tenho ouvido muito THE STROKES, ANTONY & THE JOHNSONS, BRIAN ENO, BJÖRK, NX ZERO, PHILIP GLASS, ADÈLE. Por vezes, as músicas me dão uma batida que é interessante para uma fala (principalmente com falas mais longas), mas às vezes a música dá o ritmo da cena, de uma discussão ou coisa assim. De outra forma, a trilha às vezes me deixa emocionado e nisso as palavras saem como um rio, escorrendo da minha boca e sendo desviadas pelas mãos sobre o teclado.

Isso têm sido sem dúvida o mais louco de tudo. Como algumas falas que são muito minhas, construídas a partir de sensações muito próprias (que eu vivi ou que pensei, enfim), como essas falas precisam do meu corpo e da minha voz para virarem palavras. Por vezes eu me encontro chorando, soluçando sem pensar falando falando e falando e nisso o texto vai nascendo já todo doído e a minha mão vai registrando. Depois eu desligo. E volto, sem chorar. Por vezes eu gasto o choro até fazê-lo secar e então a fala fica precisa. Ao ler uma palavra nela tudo em mim se instaura de novo e a coisa precipita.

Por último, gostaria de falar das rubricas. Comecei o texto usando rubricas para localizar a coisa de maneira geral e prática. Não suporto escrever (irritado) rubricas para indicar o tom ou intenção da fala e (após uma pausa) tenho bastante medo dos silêncio pré-estabelecidos. Então eu acabei desenvolvendo algumas apostas que vocês só saberão quando estiverem com o texto em mãos. Alguns códigos – por meio de símbolos, barras, espaços… – que significam uma maneira de ler o texto que não tem  que ser explicada por meio de palavras.

Vocês vão ter – realmente – que malhar a mandíbula, a boca os dentes línguas e lábios. Ao invés de quebrar o joelho, eu diria, será preciso engasgar a cada ensaio. Por hoje – que já é amanhã – eu vou deixar um trecho de uma cena. Pronto. Vou ali escolher e já volto. Escolhida:

[…]

Odilon Bonito isso.

Rita Mas é triste.

Cecília E cafona!

Odilon É solene.

Andréia É triste, Odilon, você opinar do que eu falo sem nem ter me dado um oi.

Inácio Humm...

Andréia E não foi só ele, viu, Inácio?

Inácio Ouviu, Cecília?

Andréia Não foi só ele que não me deu oi.

Rita Eu dei oi pra todo mundo.

Cecília Rita, você dá oi até quando a gente dá tchau.

Inácio Eu cheguei primeiro.

Rita Pára de me zombar.

Inácio Se eu cheguei primeiro, quem tem que dar oi é quem chegou depois.

Odilon Oi?

Andréia Oi.

Rita Oi!

Inácio Oi...

Cecília Oi, amigos. Eu precisava dizer como eu tô feliz por estar aqui. Mesmo. Mesmo com essa poeira, mesmo por tantas outras coisas. É só que eu não tô conseguindo esconder e não queria achar que é errado eu abrir isso pra vocês. Que eu tô […]

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