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quarta-feira, 15 de junho de 2011

um dia Lilla no outro Joana...

Acabo de ler o livro Árvores Abatidas de Thomas Bernhard.

O narrador conta a história do dia em que é convidado para um "jantar artístico" na casa do casal Auersberger da alta sociedade de Viena. O casal convida também um ator que no momento encena a peça "O pato selvagem" de Ibsen para o jantar, por isso o tal título. O convite ao jantar é feito no dia em que os amigos se reecontram para o enterro da amiga em comum Joana, que se suicidara.

Alguns trechos do livro:

"...eu próprio fora informado pouco antes de sair à rua naquele dia, pela amiga de infância de Joana em Kilb, que Joana se enforacara; primeiro, essa amiga, a dona do armazém de Kilb, não quis dizer ao telefone que Joana se enforcara, a amiga disse ao telefone que ela morrera, mas eu na hora respondi que Joana não morrera, ela se matara, e que ela, a amiga, certamente sabia de que maneira, mas não queria me contar; as pessoas do interior têm ainda mais inibição do que as da cidade para dizerem com clareza que uma pessoa se matou, e acham muito difícil dizer como foi; pensei imediatamente: a Joana se enforcou, na verdade já dissera no telefone à dona do armazém: a Joana se matou, e a dona do armazém ficara atônita e respondera apenas sim. Pessoas como Joana se enforcam, não se jogam num rio nem saltam de um quarto andar, pegam uma corda, amarram-na habilmente e deixam-se cair no laço. Bailarinas, atrizes, disse no telefone à dona do armazém, enforcam-se...."

"...Enquanto isso o Auersberger colocara um disco com o Bolero, exatamente a música que a Joana mais gostava. O Auersberger tinha querido recordar a Joana com esse Bolero, e colocara o Bolero intencionalmente no toca-discos, pensei. E com efeito, pensei novamente na Joana, estimulado pelos primeiros compassos do Bolero, na Joana e no seu enterro especialmente. Primeiro eu considerara deselegante o Auersberger colocar logo agora o Bolero; possivelmente não era isso, era uma boa idéia, embora pérfida, transformar esse jantar mais ou menos horrendo como jantar artístico, numa lembrança da Joana. Se antes de o Auersberger tocar o Bolero eu estava querendo me levantar e ir embora, agora fiquei sentado com prazer, de repente num belo estado de indiferença, contemplando as imagens do enterro, a cara da dona do armazém....semprei gostei de ouvir o Bolero, e a Joana o tocava sempre que trabalhava com alunos talentosos no seu estúdio de movimento; no fundo, o Bolero era a música pela qual ela orientava toda a sua arte do movimento, e a sua doutrina do movimento, pensei, ouvindo o Bolero de olhos fechados. Como é bonito ficar sentimental de vez em quando, pensei, e não tive a menor dificuldade de agora ver a Joana, a artista do movimento, que teve tods as possibilidades de ser feliz e no afinal foi somente infeliz. Ouvi a sua voz e alegrei-me com suas frases, seu riso, sua receptividade para tudo o que era belo, pois Joana tinha esse dom como ninguém mais no mundo, de ver sempre também o belo, ao lado da cruel, destrutiva, aniquiladora feiúra, portanto tinha o dom que pouquíssimas pessoas utilizam. Mas também esse dom não lhe adiantou nada, pensei. Ela foi a Viena, e deixou que Viena a devorasse, de Viena correu pra casa pra se enforcar..."