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terça-feira, 3 de maio de 2011

ensaio 20

Diogo nos trouxe uma cena. Sem palavras.

Conversa longa sobre os personagens a partir da cena que o Diogo trouxe:

Odilon defende o lugar da sensibilidade sem se deixar ser tragado por ela, ele é sensível e claro ao mesmo tempo, ele é direto ao mesmo tempo que bonito. Ele não está rendido pela dor, ele tem firmeza, ele tem autoridade. Marília fala em autoridade de comunicação. Acho que sim.
Concordamos que nas falas do Odilon a poesia vem como um lugar INEVITÁVEL. Não poderia ser diferente para um cara é sensível ao mesmo tempo que observa as coisas com muita perspicácia.

Andréia e Rita se apóiam, uma quer consolar a outra, uma quer entender a outra.

Rita e Inácio dois confidentes, dois amigos muito próximos e por isso mesmo exigentes um com o outro.

Inácio e Cecília são quase dois bicudos que não se bicam. As vezes tão parecido que acabam se chocando.

Cecília diferente do Odilon é pouco sensível, ela se irrita com qualquer tipo de fuga da realidade, e nisso ela inclue a própria poesia. Cecília é cética.

Fred pensa: como cada personagem deixa escapar a dor, a dificuldade de lidar com a dor da perda da amiga?

Falamos: Cecília tão durona... quando escapar a dor será a primeira a chorar.

Depois da leitura da cena pedi para que os meninos guardassem o registro da leitura que eles fizeram do seguinte personagem que não era o seu:

Frederico: Odilon
Nina: Rita
Marília: Inácio
Vítor: Cecília

sem esquecimentos, até a próxima

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Meu avô , meu pai

Há muito tempo, dei de presente pra minha avó, hoje com 92 anos, um diário.
Não li, claro, nunca. Hoje perguntei das historias de prisão do meu avô pra ela. Ele foi preso político na Ditadura Vargas, anos 50, perto do nascimento da minha mãe.

Li coisas que nunca imaginei, e como o Fred, eu tô chorando.
Meu avô se chamava Octávio Bandeira, era pernambucano, marinheiro, me contava historias sobre as baleias do mar, que elas eram boas, e os tubarões maus.

quero dividir uns fragmentos



Agora vou contar como foi a minha vida de casada com Bandeira. Eu conheci o Bandeira no dia do enterro de papai.
(...)
Mas nem cheguei a falar com ele. O tempo passou e,certa vez, numa festa na casa da Rosa, eu fui apresentada a ele. Aí ele já era sargento e eu topei namorá-lo mesmo contra a vontade de mamãe. “Gente de farda não presta”, ela dizia, e fez de tudo para o namoro não continuar mas com Bandeira ninguém podia  e, apesar do gênio forte da mamãe, ele venceu. Namoramos mais ou menos uns 4 meses, após o que ele achou melhor noivarmos. Foi escolhido o dia 14 de setembro, dia do aniversário dele. Mamãe não sabia, porque era contra o namoro.No dia marcado preparamos um jantar para comemorarmos a data. À noite ele chegou com Narduccio, irmão do Mario e, na hora da sobremesa, Narduccio levantou-se e disse que estava ali representando o pai de Bandeira para me pedir em noivado. Mamãe foi apanhada de surpresa e disse:”Se vocês se gostam, não tenho nada contra”.
(...)
Depois disso, à noite ele vinha namorar mas só falava em comunismo, em “mais valia” e “menos valia”, que até hoje não sei o que isso quer dizer. Beijinhos e abracinhos nada, mas nada mesmo. Tão diferente do Paulo, que eu havia namorado tempos atrás. Como eu gostava dos beijos do Paulo, tinham gosto de castanhas assadas na lareira, como as que eu comi na Itália. Mas Paulo era uma pessoa estranha, sem termos nenhuma rusga ele sumia e  desaparecia meses. Quando aparecia era como se tivesse ido embora na véspera. Fez isso umas 3 vezes até que um dia sumiu de vez.
          Com Bandeira o namoro continuava morno, sem planos para o futuro, só comunismo. Fui fazendo o enxoval o qual ele não contribuiu com nada.
(...)
Após o casamento nós dois iríamos morar no quarto do andar de baixo de Paula Matos onde Haydée e Mário moravam (eles passariam para o andar de cima). Na véspera do casamento, ele trouxe as coisas dele numa malinha de mão e um rádio grande. Era tudo. Quando fui arrumar as coisas dele, era aquele vazio. Um mês depois de casada, comprei 6 camisas sociais brancas, 6 cuecas, 6 camisetas de malha, 6 pares de meias brancas por causa da farda, lenços etc. Aí passei a levar as camisas sociais para a lavanderia porque antes ele não tinha como trocar, era lavar, passar e vestir de novo a mesma.
Não me casei na Igreja porque Bandeira tinha idéias comunistas e não gostava de igrejas. Mas , se eu tivesse insistido,acho que ele teria concordado. Não insisti porque eu também já me achava um pouco velha para isso, já tinha 31 anos, e preferi que a cerimônia fosse em casa, mas teve padre e um altar improvisado.
(...)
Estava casada com Bandeira e, a meu modo era feliz. Ele continuava cada vez mais comunista e fazendo das dele. Eu engravidei,acho que na lua de mel.
(...)
Bandeira foi mandado para Ladário, Mato Grosso, onde deveria ficar 2 anos. Fizeram isso para ver se ele abandonava o comunismo.
(...)
Dias depois,horas depois de Bandeira ter ido para a Base, voltou de macacão de operário, escoltado por dois policiais.Foram logo me dizendo :”Ele está incomunicável”. mas não me explicavam nada e nem ele podia falar comigo. Abriram meu guarda-roupa e disseram:” Vejam isto! Quanta roupa para a mulher de um comunista!” Reviraram o quarto todo, até as bainhas dos meus vestidos eles desmancharam procurando provas. Abriram minhas bolsas, despejaram tudo no chão, pegaram o Bandeira e foram para a Base.
(...)
O Comandante me disse: ”Isto que vou lhe contar é segredo mas vou lhe dizer porque estou com pena da senhora. Amanhã, no avião das 6.00 hs da manhã ele vai ser levado para o Rio. A senhora vai até o aeroporto e vê ele de longe porque ele está incomunicável”. Agradeci e fui me encontrar com Agripino. No dia seguinte,às 6.00hs, lá estava eu no aeroporto. Vi quando ele chegou com o mesmo macacão da véspera, barba por fazer e branco feito uma cera. Perguntei se tinha tomado café e ele disse que não. Ao lado tinha uma lanchonete, pedi uma xícara de café e dei para ele. Ele estava tão nervoso, tremia tanto que não conseguiu levar a xícara à boca. Logo botaram ele no avião e foram embora.
(...)
voltei para minha casa em Paula Matos. Lá chegando rasguei tudo que foi papel que pudesse comprometer o Bandeira e depois, exausta que estava, dormi.
(...)
Queria que eu convencesse o Bandeira a irmos passar 2 anos nos Estados Unidos, país mal visto pelos comunistas por ser capitalista, com tudo pago durante o tempo que ficássemos lá e quando voltássemos, Bandeira teria promoção de oficial.
         Para falar com Bandeira,teria que ir naquela noite na PM da Tijuca. Fui. Lá em casa todo mundo ficou apavorado. Quando cheguei no quartel me levaram para uma sala grande com uma mesa e trouxeram o Bandeira. Ele ainda estava com aquele macacão sujo, fedido, a barba por fazer há dias, olhos de louco e disse: “O que você quer aqui? Fala logo e vai embora porque desde o dia em que fui preso, não me deixaram dormir um minuto, não agüento mais”. Transmiti a proposta do Brochado e quase fui agredida. Ele disse:”Não sou traidor de meus amigos, some da minha frente”. Aí já eram 2.00 da manhã e eu pensando como iria para casa.
(...)
Dentro da maleta ele achou um aparelho de fazer barba e disse: “Infelizmente isso eu não posso levar porque ele pode se matar”. Eu respondi: ”Bandeira não é homem de fazer isso”. Ele falou:”A senhora não sabe o que é um homem preso nas condições dele; é capaz de tudo” e me devolveu o barbeador.
         Voltei para casa e, dias depois,ele telefonou para eu voltar lá e conversou um bocado comigo. Isso aconteceu muitas vezes. Uma vez, na véspera de eu ir lá, tinha havido uma festa de aniversário de criança e levei um pedaço de bolo para ele entregar ao Bandeira. O bolo estava lindo, com uma camada grossa de açúcar e enfeitado. Ele pediu um pedaço e eu disse:”Sirva-se à vontade”.Acho que era para ver se tinha alguma coisa escondida nele. Após várias idas e vindas, certa vez ele estava acompanhado de um militar de alta patente e após conversarem muito, disseram:”É um caso típico de inocente útil”. Me dispensaram e nunca mais fui chamada.
(...)
Um dia, o Enéas, marinheiro amigo do Bandeira, por algo que ele fez, foi colocado num cubículo, em pé, dia e noite, com um pingo d’água caindo na cabeça dele. Então, os sargentos, sempre comandados pelo Bandeira,descobriram e fizeram uma baita confusão. As esposas ficaram proibidas de falar com os maridos. Nós só os víamos ao longe, numa janela que eles ficavam para nos ver.
(...)
Uma noite vi ele entrar às carreiras em casa, pegar uma mala e jogar umas roupas dentro. Perguntei o que estava acontecendo e ele disse: “Soube através de uma fonte  fidedigna  que vou ser preso de novo. Isso eu não agüento outra vez, vou fugir e depois te escrevo dizendo para onde vou”. Dias depois recebi uma carta de “Antonio Soares”. Era ele com outro nome. Soube que estava em Tatuapé, São Paulo.

Vocês souberam que uma estudante do curso da Lilla se suicidou?

Inácio Conta pra eles, Rita.

Cecília O que foi, tá grávida?

Rita Nada disso. É bobeira do Inácio.

Inácio Não me pareceu bobeira quando você me contou.

Odilon Fala, Ritinha. O que você aprontou?

Rita Não é nada comigo, gente.

Inácio Mas é com alguém que ela conhece. E que a Lilla também conhecia.

Andréia Ai, gente, que saco. Fala logo, quem morreu?

Inácio Como você sabe?!

Cecília Tá de sacanagem?!

Andréia Eu falei de bobeira!

Odilon Pelo amor de deus, gente, quem foi?

Rita Foi uma estudante do curso da Lilla.

Odilon E também foi suicídio?

Rita diz que sim com a cabeça.

Odilon Que merda. Às vezes só falta um mártir pra todo mundo ruir por completo.

Inácio Tá um pouco na moda, né? Se matar?

Cecília Não acredito que você tá dizendo isso.

Inácio Acreditando ou não, é verdade.

Odilon Era sua amiga? Você a conhecia?

Rita Sim.

Andréia E então?

Rita O quê?

Andréia Como você tá?

Rita Eu estou aqui.

Inácio Porque se pudesse tava escondida dentro do armário de vassouras, né?

Cecília Boca, Inácio.

Rita Se eu pudesse eu queria essa sua praticidade pra lidar com essa situação.

Inácio Não é praticidade.

Cecília É falta de noção mesmo.

Rita É só que eu não sei...

Andréia A Lilla foi o erro inaugural, né, Rita?

Rita Eu disse que eu não sei...

Andréia O que ela fez... Esse ato, essa escolha. Esse erro. Acontece uma vez na vida.

Odilon Não tente dizer o que foi. A gente nunca vai saber.

Andréia Para mim foi um erro. Pode não ser pra vocês.

Cecília E não é. Pra mim não foi um erro.

Inácio Quer dizer que você aprova o que ela fez?

Cecília Já foi feito. Não precisou da aprovação de ninguém.

Rita Talvez seja esse o erro da coisa, né?

Odilon Não é erro. Ela escolheu. Não é algo contra o qual se possa fazer alguma coisa.

Rita Infelizmente.

Inácio E pra você não fedeu nem cheirou?

Cecília Do que você tá falando?

Inácio Dessa outra pessoa que se matou. Pra você, não fedeu nem cheirou?

Rita É isso que a Déia falou. É como se não tivesse feito sentido.

Inácio A Lilla fez super sentido, né?

Rita Não! Mas é como se a dor não tivesse vindo ainda...

Andréia Ou como se eu não fosse mais capaz de doer.

Cecília Isso é bom.

Andréia Não é.

Cecília Talvez seja.

Odilon Você está anestesiada, Ritinha. E por isso se permitindo falar de tudo isso.

Inácio Já era hora. Não dá pra falar com gente que não fala nada.

Andréia Qual é o problema?

Inácio Eu não sei. Eu não tenho nenhum problema.

Rita Tem sim, você tem um problema sim. O de achar que só porque eu não quero falar desse assunto eu esteja ignorando a sua existência. Vocês acham mesmo que falar sobre a Lilla resolve o que ela fez?

Inácio Não.

Odilon Não mesmo.

Andréia Eu me engano um pouco fingindo que tudo isso não passa de uma grande ficção, de um romance, sabe, algo assim bem absurdo e que não existe?

Rita Eu também faço isso.

Cecília O que não existe são vocês.

Andréia Faz um esforço pra acreditar na gente.

Cecília Eu tô tentando. Aceitar que cada um se engana do jeito que pode.

Andréia É. É bem isso mesmo.

Odilon E que bom que as nossas opiniões divergem. Caso não, já estaria cada um na sua casa e a nossa noite teria sido imensamente sem graça.

Silêncio entre eles.

Andréia Eu tenho salgado tanto a comida.

Rita Mas por quê?

Andréia Eu não sei. Ontem um cliente reclamou. Isso nunca acontece, mas nesse último mês eu estou um pouco descontrolada, eu não sei, é como se...

Rita O quê?

Andréia Eu não sei, não importa, eu nem sei porque falei isso.

Inácio Valeu, Andréia. Quando a gente não tiver mais nada pra falar da Lilla, você fique à vontade pra falar do seu nhoque que estragou, da sua salada que salgou... A gente vai adorar saber.

Andréia Obrigada.

Cecília Deixa de ser ridículo.

Inácio Vocês sempre chamam de ridícula a minha sinceridade.

Rita Eu acho que eu vou embora.

Inácio Rita disse sua frase mágica.

Rita Eu realmente acho.

Inácio Você sempre diz isso e sempre continua parada. Já percebeu?

Rita O Caco está me esperando.

Inácio Para quê? Para esquentar o leite no microondas e escovar a dentadura dele?

Odilon Não fala assim.

Cecília Pára.

Inácio Ih, gente, cadê o humor?

Rita Eu realmente estou indo.

Odilon Você não precisa ir. Você pode ficar. Se não quiser falar, você pode também ouvir. A gente inclusive talvez devesse ficar quieto um instante. Pra testar o nosso silêncio que faz tempo eu não consigo escutar. A sensação que eu tenho é que o nosso silêncio hoje é capaz de antecipar uma explosão. Mas vamos com calma: não vamos ter medo de amar esse vazio.

Cecília Não vem com essa poesia ruim.

Andréia Deixe ele falar.

Cecília Ah, vai escrever um livro.

Andréia Cala a boca, Inácio.

Inácio Eu não disse nada!

Odilon A boca do Inácio só se fecha com beijo, já perceberam?

Inácio Olha quem fala!

Cecília É verdade.

Odilon Enquanto alguém não pular em cima dele ele não fica quieto.

Inácio Andréia dá um jeito no Odilon porque ele tá jogando pra cima de mim toda essa tensão sexual que existe entre vocês dois.

Odilon Você não devia ter falado isso.

Inácio A recíproca é verdadeira.

Rita Por que ele sempre usa essa palavra?

Cecília Porque ele sabe que você esquece o significado.

Rita Eu sei o que é...

Cecília Da mesma forma que ele continua o mesmo. A gente não mudou muita coisa.

Inácio Nós estamos aqui. E eu precisava dizer como isso é especial pra mim.

Cecília O que me incomoda em você, Inácio, é que você agradece aos seus amigos por eles serem cobaias pras suas piadas.

Inácio Não é pra isso que serve a amizade?

Cecília Talvez você devesse nos perguntar se alguém aqui quer carregar o seu peso.

Inácio Paciência, esse tipo de coisa acontece, é melhor eu me jogar sobre vocês do que me jogar pela janela tentando me convencer de que eu sou leve.

Andréia Opa!

Odilon Você não devia ter dito isso.

Cecília Precisava?

Inácio Ih, gente, é melhor rir disso tudo do que morrer entupido de tristeza.

Odilon Tá vazando, né?

Inácio O quê? Eu tenho hidrofobia!

Odilon A tristeza. Ela tá escorrendo do seu olhar.

Inácio A Cecília já disse pra você parar com essa poesia ruim!

Odilon É ruim porque é sincera, cara.

Cecília Ele tá dizendo que você pode chorar.

Inácio Eu sei que eu posso.

Rita Então chora, duvido!

Andréia Que isso, Rita?

Rita Chora! A gente quer te ver chorar!

Andréia Que ridículo isso!

Inácio Mais ridículo impossível!

Rita Chora! Chora!

Inácio Chora você, palhaça!

Rita Eu choro!

Andréia Então chora que eu quero ver!

Rita Pra quê, gente?

Odilon Vocês não querem disputar quem tá doendo mais?

Cecília Ih, gente, tá todo mundo com o peito repressado! Todo mundo engasgado de tanta coisa que não quer dizer! A gente tem que desafogar mesmo!

Odilon Então começa você, diz isso que os seus olhos também tão tentando conter.

Cecília Eu?

Inácio Sim, senhora.

Cecília Eu não. Mas vamos fazer assim. Quem conseguir chorar primeiro pode exigir do outro que responda uma pergunta sua...

Rita Ou obrigar o outro a fazer alguma coisa!

Andréia De volta à adolescência.

Odilon De onde nunca deveríamos ter saído.

Inácio Eu gosto.

Rita Eu também.

Cecília Ok, somos maioria. Já tá valendo. Quem chorar primeiro ganha o direito de...

Silêncio entre os amigos. Para que a primeira lágrima entre eles possa nascer.