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sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

2010/2011

Essa noite todo um ano nos atravessa
Memórias
Afetos
Em tempo
Espero um ano morrer
Espero um ano nascer
Feliz
Hoje,dentro dessa noite veloz penso em cada um de nós
Vontade de encontrar logo o dragão
De encontrar juntos com o dragão
Planos para 2011?
Aprender a pilotar dragão
Nunca fui tão ambiciosa
Para isso,nessa noite de chuva
Irei próxima ao mar
E procurarei pelas luzes
Com todo meu amor
Bem vindos todos
Sempre
Desejo momentos inesperados
Surpresas brilhantes
E abraços cintilantes
para todos


Beijos em cada um
onde cada um estiver

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Para atravessar

É preciso levar mochila?
É preciso estar preparado?
É preciso ter mp3 player?
É preciso ter almoçado?
É preciso ser saudável?
É preciso estar motorizado?
É preciso ter dinheiro?
É preciso saber debitar?
É preciso saber como se ama?
É preciso ser virgem?
É preciso ter medos?
É preciso ter limpa-vidros?
É preciso ter flanelas?
É preciso fumar?
É preciso estar com fome?
É preciso ter precisão?
É preciso ser poeta?
É preciso ser atleta?
É preciso ser atleta afetivo?
É preciso ter medo.
É preciso ter já sentido?
É preciso ter já ido?
É preciso já ter rido?
É preciso já ter lido?
É preciso ter fome.
É preciso ter sono?
É preciso ter sonhos?
É preciso tanta coisa?
É preciso insônia?
É preciso persistência?
É preciso jantar?
É preciso comunhão?
É preciso ter medo.
É preciso ter discrição?
É preciso ser indiscreto?
É preciso não chamar atenção?
É preciso erguer-se da cama e preparar um copo com leite morno?
É preciso tudo isso?
É preciso vencer o fracasso?
É preciso vencer a vitória.
É preciso dormir junto?
É preciso dormir junto mesmo quando em separado?
É preciso poesia?
É preciso poenzima?
É preciso poezia?
É preciso neologismo.
É preciso metáfora?
É preciso verbete?
É preciso sentido?
É preciso ter sede.
É preciso tudo isso?
É preciso tudo aquilo?
É preciso essa dor?
É preciso ter faltas?
É preciso ter uma péssima cicatrização?
É preciso espreitar a morte?
É preciso vigiar uma árvore durante uma noite inteirinha?
É preciso confessar crimes a cachorros?
É preciso confessar-se a si próprio sem mentir?
É preciso lavar as louças?
É preciso sorrir?
É preciso perguntar?
É preciso responder?
É preciso sair do lugar?
É preciso pontuar?
É preciso repetir?
É preciso desautorizar?
É preciso trazer terror?
É preciso terror tragar?

É possível cavalgar um dragão?
É preciso.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

O SENTIDO DA VIDA

ELES TAMBÉM GRITAM

"Antes da coisa toda começar surge como resposta à angústia da criação. A arte de gerar arte quando tudo parece estranho e cruel. E aqui, entre os escombros de nossa angústia criativa cantamos a potência das primeiras sensações, o júbilo de sentir-se imortal, a capacidade de enxergar o real no irreal; de sacar quando se perde o pé, mas se encontra a estrada; de perceber que somos donos de nosssa vontade voraz; enfim que antes da coisa toda começar sempre há a excitação de ser despudoradamente humano.

Antes da coisa toda começar é uma espécie de celebração do teatro como caixa espelhada onde os reflexos humanos se multiplicam. Uma celebração que joga luz sobre o instante em que a morte se aproxima dos homens, aquele instante em que a vida ganha novas proporções, respira mais ar e adquire sentidos mais amplos.

Diante da morte a vida ganha força. Diante do silêncio a música avança. Diante da apatia o corpo dança. E é exatamente nesse instante que tudo começa."

Trecho do programa do espetáculo "Antes da coisa toda começar" do Armazém Companhia de Teatro em cartaz no CCBB

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Notas sobre a experiência e o saber de experiência

Jorge Larrosa Bondía
Universidade de Barcelona, Espanha
Tradução de João Wanderley Geraldi
Universidade Estadual de Campinas, Departamento de Lingüística

No combate entre você e o mundo, prefira o mundo.
Franz Kafka


1. Começarei com a palavra experiência. Poderíamos dizer, de início, que a experiência é, em espanhol, “o que nos passa”. Em português se diria que a experiência é “o que nos acontece”; em francês a experiência seria “ce que nous arrive”; em italiano, “quello che nos succede” ou “quello che nos accade”; em inglês, “that what is happening to us”; em alemão, “was mir passiert”. A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece. Dir-se-ia que tudo o que se passa está organizado para que nada nos aconteça.
Walter Benjamin, em um texto célebre, já observava a pobreza de experiências que caracteriza o nosso mundo. Nunca se passaram tantas coisas, mas a experiência é cada vez mais rara. Em primeiro lugar pelo excesso de informação. A informação não é experiência. E mais, a informação não deixa lugar para a experiência, ela é quase o contrário da experiência, quase uma antiexperiência. Por isso a ênfase contemporânea na informação, em estar informados, e toda a retórica destinada a constituirnos como sujeitos informantes e informados; a informação não faz outra coisa que cancelar nossas possibilidades de experiência.
O sujeito da informação sabe muitas coisas, passa seu tempo buscando informação, o que mais o preocupa é não ter bastante informação; cada vez sabe mais, cada vez está melhor informado, porém, com essa obsessão pela informação e pelo saber (mas saber não no sentido de “sabedoria”, mas no sentido de “estar informado”), o que consegue é que nada lhe aconteça. A primeira coisa que gostaria de dizer sobre a experiência é que é necessário separá-la da informação. E o que gostaria de dizer sobre o saber de experiência é que é necessário separá-lo de saber coisas, tal como se sabe quando se tem informação sobre as coisas, quando se está informado. É a língua mesma que nos dá essa possibilidade. Depois de assistir a uma aula ou a uma conferência, depois de ter lido um livro ou uma informação, depois de ter feito uma viagem ou de ter visitado uma escola, podemos dizer que sabemos coisas que antes não sabíamos, que temos mais informação sobre alguma coisa; mas, ao mesmo tempo, podemos dizer também que nada nos aconteceu, que nada nos tocou, que com tudo o que aprendemos nada nos sucedeu ou nos aconteceu. Além disso, seguramente todos já ouvimos que vivemos numa “sociedade de informação”. E já nos demos conta de que esta estranha expressão funciona às vezes como sinônima de “sociedade do conhecimento” ou até mesmo de “sociedade de aprendizagem”. Não deixa de ser curiosa a troca, a intercambialidade entre os termos “informação”, “conhecimento” e “aprendizagem”. Como se o conhecimento se desse sob a forma de informação, e como se aprender não fosse outra coisa que não adquirir e processar informação.
O que eu quero apontar aqui é que uma sociedade constituída sob o signo da informação é uma sociedade na qual a experiência é impossível. Em segundo lugar, a experiência é cada vez mais rara por excesso de opinião. O sujeito moderno é um sujeito informado que, além disso, opina. É alguém que tem uma opinião supostamente pessoal e supostamente própria e, às vezes, supostamente crítica sobre tudo o que se passa, sobre tudo aquilo de que tem informação. Para nós, a opinião, como a informação, converteu-se em um imperativo. Em nossa arrogância, passamos a vida opinando sobre qualquer coisa sobre que nos sentimos informados. E se alguém não tem opinião, se não tem uma posição própria sobre o que se passa, se não tem um julgamento preparado sobre qualquer coisa que se lhe apresente, sente-se em falso, como se lhe faltasse algo essencial. E pensa que tem de ter uma opinião. Depois da informação, vem a opinião. No entanto, a obsessão pela opinião também anula nossas possibilidades de experiência, também faz com que nada nos aconteça.
Em terceiro lugar, a experiência é cada vez mais rara, por falta de tempo. Tudo o que se passa passa demasiadamente depressa, cada vez mais depressa. E com isso se reduz o estímulo fugaz e instantâneo, imediatamente substituído por outro estímulo ou por outra excitação igualmente fugaz e efêmera. O acontecimento nos é dado na forma de choque, do estímulo, da sensação pura, na forma da vivência instantânea, pontual e fragmentada. A velocidade com que nos são dados os acontecimentos e a obsessão pela novidade, pelo novo, que caracteriza o mundo moderno, impedem a conexão significativa entre acontecimentos. Impedem também a memória, já que cada acontecimento é imediatamente substituído por outro que igualmente nos excita por um momento, mas sem deixar qualquer vestígio. O sujeito moderno não só está informado e opina, mas também é um consumidor voraz e insaciável de notícias, de novidades, um curioso impenitente, eternamente insatisfeito. Quer estar permanentemente excitado e já se tornou incapaz de silêncio. Ao sujeito do estímulo, da vivência pontual, tudo o atravessa, tudo o excita, tudo o agita, tudo o choca, mas nada lhe acontece. Por isso, a velocidade e o que ela provoca, a falta de silêncio e de memória, são também inimigas mortais da experiência. Nós somos sujeitos ultra-informados, transbordantes de opiniões e superestimulados, mas também sujeitos cheios de vontade e hiperativos. E por isso, porque sempre estamos querendo o que não é, porque estamos sempre em atividade, porque estamos sempre mobilizados, não podemos parar. E, por não podermos parar, nada nos acontece. A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço.

2. Até aqui, a experiência e a destruição da experiência. Vamos agora ao sujeito da experiência. Esse sujeito que não é o sujeito da informação, da opinião, do trabalho, que não é o sujeito do saber, do julgar, do fazer, do poder, do querer. Se escutamos em espanhol, nessa língua em que a experiência é “o que nos passa”, o sujeito da experiência seria algo como um território de passagem, algo como uma superfície sensível que aquilo que acontece afeta de algum modo, produz alguns afetos, inscreve algumas marcas, deixa alguns vestígios, alguns efeitos. Se escutamos em francês, em que a experiência é “ce que nous arrive”, o sujeito da experiência é um ponto de chegada, um lugar a que chegam as coisas, como um lugar que recebe o que chega e que, ao receber, lhe dá lugar. E em português, em italiano e em inglês, em que a experiência soa como “aquilo que nos acontece, nos sucede”, ou “happen to us”, o sujeito da experiência é sobretudo um espaço onde têm lugar os acontecimentos.
Em qualquer caso, seja como território de passagem, seja como lugar de chegada ou como espaço do acontecer, o sujeito da experiência se define não por sua atividade, mas por sua passividade, por sua receptividade, por sua disponibilidade, por sua abertura.
Trata-se, porém, de uma passividade anterior à oposição entre ativo e passivo, de uma passividade feita de paixão, de padecimento, de paciência, de atenção, como uma receptividade primeira, como uma disponibilidade fundamental, como uma abertura essencial. O sujeito da experiência é um sujeito “ex-posto”. Do ponto de vista da experiência, o importante não é nem a posição (nossa maneira de pormos), nem a “o-posição” (nossa maneira de opormos), nem a “imposição” (nossa maneira de impormos), nem a “proposição” (nossa maneira de propormos), mas a “exposição”, nossa maneira de “ex-pormos”, com tudo o que isso tem de vulnerabilidade e de risco. Por isso é incapaz de experiência aquele que se põe, ou se opõe, ou se impõe, ou se propõe, mas não se “ex-põe”. É incapaz de experiência aquele a quem nada lhe passa, a quem nada lhe acontece, a quem nada lhe sucede, a quem nada o toca, nada lhe chega, nada o afeta, a quem nada o ameaça, a quem nada ocorre.

3. Vamos agora ao que nos ensina a própria palavra experiência. A palavra experiência vem do latim experiri, provar (experimentar). A experiência é em primeiro lugar um encontro ou uma relação com algo que se experimenta, que se prova. O radical é periri, que se encontra também em periculum, perigo. A raiz indo-européia é per, com a qual se relaciona antes de tudo a idéia de travessia, e secundariamente a idéia de prova. Em grego há numerosos derivados dessa raiz que marcam a travessia, o percorrido, a passagem: peirô, atravessar; pera, mais além; peraô, passar através, perainô, ir até o fim; peras, limite. Em nossas línguas há uma bela palavra que tem esse per grego de travessia: a palavra peiratês, pirata. O sujeito da experiência tem algo desse se fascinante que se expõe atravessando um espaço indeterminado e perigoso, pondo-se nele à prova e buscando nele sua oportunidade, sua ocasião. A palavra experiência tem o ex de exterior, de estrangeiro, de exílio, de estranho e também o ex de existência. A experiência é a passagem da existência, a passagem de um ser que não tem essência ou razão ou fundamento, mas que simplesmente “ex-iste” de uma forma sempre singular, finita, imanente, contingente. Em alemão, experiência é Erfahrung, que contém o fahren de viajar. E do antigo alto-alemão fara também deriva Gefahr, perigo, e gefährden, pôr em perigo. Tanto nas línguas germânicas como nas latinas, a palavra experiência contém inseparavelmente a dimensão de travessia e perigo.

4. Em Heidegger (1987) encontramos uma definição de experiência em que soam muito bem essa exposição, essa receptividade, essa abertura, assim como essas duas dimensões de travessia e perigo que acabamos de destacar:

[...] fazer uma experiência com algo significa que algo
nos acontece, nos alcança; que se apodera de nós, que nos
tomba e nos transforma. Quando falamos em “fazer” uma
experiência, isso não significa precisamente que nós a façamos
acontecer, “fazer” significa aqui: sofrer, padecer, tomar
o que nos alcança receptivamente, aceitar, à medida
que nos submetemos a algo. Fazer uma experiência quer
dizer, portanto, deixar-nos abordar em nós próprios pelo
que nos interpela, entrando e submetendo-nos a isso. Podemos
ser assim transformados por tais experiências, de um
dia para o outro ou no transcurso do tempo. (p. 143)

O sujeito da experiência, se repassarmos pelos verbos que Heidegger usa neste parágrafo, é um sujeito alcançado, tombado, derrubado. Não um sujeito que permanece sempre em pé, ereto, erguido e seguro de si mesmo; não um sujeito que alcança aquilo que se propõe ou que se apodera daquilo que quer; não um sujeito definido por seus sucessos ou por seus poderes, mas um sujeito que perde seus poderes precisamente porque aquilo de que faz experiência dele se apodera. Em contrapartida, o sujeito da experiência é também um sujeito sofredor, padecente, receptivo, aceitante, interpelado, submetido. Seu contrário, o sujeito incapaz de experiência, seria um sujeito firme, forte, impávido, inatingível, erguido, anestesiado, apático, autodeterminado, definido por seu saber, por seu poder e por sua vontade. Nas duas últimas linhas do parágrafo, “Podemos ser assim transformados por tais experiências, de um dia para o outro ou no transcurso do tempo”, pode ler-se outro componente fundamental da experiência: sua capacidade de formação ou de transformação. É experiência aquilo que “nos passa”, ou que nos toca, ou que nos acontece, e ao nos passar nos forma e nos transforma. Somente o sujeito da experiência está, portanto, aberto à sua própria transformação.

5. Até aqui vimos algumas explorações sobre o que poderia ser a experiência e o sujeito da experiência. Algo que vimos sob o ponto de vista da travessia e do perigo, da abertura e da exposição, da receptividade e da transformação. Vamos agora ao saber da experiência.
O saber de experiência se dá na relação entre o conhecimento e a vida humana. De fato, a experiência é uma espécie de mediação entre ambos. É importante, porém, ter presente que, do ponto de vista da experiência, nem “conhecimento” nem “vida” significam o que significam habitualmente. Atualmente, o conhecimento é essencialmente a ciência e a tecnologia, algo essencialmente infinito, que somente pode crescer; algo universal e objetivo, de alguma forma impessoal; algo que está aí, fora de nós, como algo de que podemos nos apropriar e que podemos utilizar; e algo que tem que ver fundamentalmente com o útil no seu sentido mais estreitamente pragmático, num sentido estritamente instrumental. O conhecimento é basicamente mercadoria e, estritamente, dinheiro; tão neutro e intercambiável, tão sujeito à rentabilidade e à circulação acelerada como o dinheiro. Recordem-se as teorias do capital humano ou essas retóricas contemporâneas sobre a sociedade do conhecimento, a sociedade da aprendizagem, ou a sociedade da informação. Em contrapartida, a “vida” se reduz à sua dimensão biológica, à satisfação das necessidades (geralmente induzidas, sempre incrementadas pela lógica do consumo), à sobrevivência dos indivíduos e da sociedade.
Pense-se no que significa para nós “qualidade de vida” ou “nível de vida”: nada mais que a posse de uma série de cacarecos para uso e desfrute. Nestas condições, é claro que a mediação entre o conhecimento e a vida não é outra coisa que a apropriação utilitária, a utilidade que se nos apresenta como “conhecimento” para as necessidades que se nos dão como “vida” e que são completamente indistintas das necessidades do Capital e do Estado. Para entender o que seja a experiência, é necessário remontar aos tempos anteriores à ciência moderna (com sua específica definição do conhecimento objetivo)e à sociedade capitalista (na qual se constituiu a definição moderna de vida como vida burguesa). Durante séculos, o saber humano havia sido entendido como um páthei máthos, como uma aprendizagem no e pelo padecer, no e por aquilo que nos acontece. Este é o saber da experiência: o que se adquire no modo como alguém vai respondendo ao que vai lhe acontecendo ao longo da vida e no modo como vamos dando sentido ao acontecer do que nos acontece. No saber da experiência não se trata da verdade do que são as coisas, mas do sentido ou do sem-sentido do que nos acontece. E esse saber da experiência tem algumas características essenciais que o opõem, ponto por ponto, ao que entendemos como conhecimento. Se a experiência é o que nos acontece e se o saber da experiência tem a ver com a elaboração do sentido ou do sem-sentido do que nos acontece, trata-se de um saber finito, ligado à existência de um indivíduo ou de uma comunidade humana particular; ou, de um modo ainda mais explícito, trata-se de um saber que revela ao homem concreto e singular, entendido individual ou coletivamente, o sentido ou o sem-sentido de sua própria existência, de sua própria finitude. Por isso, o saber da experiência é um saber particular, subjetivo, relativo, contingente, pessoal. Se a experiência não é o que acontece, mas o que nos acontece, duas pessoas, ainda que enfrentem o mesmo acontecimento, não fazem a mesma experiência. O acontecimento é comum, mas a experiência é para cada qual sua, singular e de alguma maneira impossível de ser repetida. O saber da experiência é um saber que não pode separar-se do indivíduo concreto em quem encarna. Não está, como o conhecimento científico, fora de nós, mas somente tem sentido no modo como configura uma personalidade, um caráter, uma sensibilidade ou, em definitivo, uma forma humana singular de estar no mundo, que é por sua vez uma ética (um modo de conduzir-se) e uma estética (um estilo). Por isso, também o saber da experiência não pode beneficiar-se de qualquer alforria, quer dizer, ninguém pode aprender da experiência de outro, a menos que essa experiência seja de algum modo revivida e tornada própria. A primeira nota sobre o saber da experiência sublinha, então, sua qualidade existencial, isto é, sua relação com a existência, com a vida singular e concreta de um existente singular e concreto. A experiência e o saber que dela deriva são o que nos permite apropriar-nos de nossa própria vida. Ter uma vida própria, pessoal, como dizia Rainer Maria Rilke, em Los Cuadernos de Malthe, é algo cada vez mais raro, quase tão raro quanto uma morte própria. Se chamamos existência a esta vida própria, contingente e finita, a essa vida que não está determinada por nenhuma essência nem por nenhum destino, a essa vida que não tem nenhuma razão nem nenhum fundamento fora dela mesma, a essa vida cujo sentido se vai construindo e destruindo no viver mesmo, podemos pensar que tudo o que faz impossível a experiência faz também impossível a existência.

6. A ciência moderna, a que se inicia em Bacon e alcança sua formulação mais elaborada em Descartes, desconfia da experiência. E trata de convertê-la em um elemento do método, isto é, do caminho seguro da ciência. A experiência já não é o meio desse saber que forma e transforma a vida dos homens em sua singularidade, mas o método da ciência objetiva, da ciência que se dá como tarefa a apropriação e o domínio do mundo. Aparece assim a idéia de uma ciência experimental. Mas aí a experiência converteu-se em experimento, isto é, em uma etapa no caminho seguro e previsível da ciência. A experiência já não é o que nos acontece e o modo como lhe atribuímos ou não um sentido, mas o modo como o mundo nos mostra sua cara legível, a série de regularidades a partir das quais podemos conhecer a verdade do que são as coisas e dominá-las. A partir daí o conhecimento já não é um páthei máthos, uma aprendizagem na prova e pela prova, com toda a incerteza que isso implica, mas um mathema, uma acumulação progressiva de verdades objetivas que, no entanto, permanecerão externas ao homem. Uma vez vencido e abandonado o saber da experiência e uma vez separado o conhecimento da existência humana, temos uma situação paradoxal. Uma enorme inflação de conhecimentos objetivos, uma enorme abundância de artefatos técnicos e uma enorme pobreza dessas formas de conhecimento que atuavam na vida humana, nela inserindo-se e transformando-a. A vida humana se fez pobre e necessitada, e o conhecimento moderno já não é o saber ativo que alimentava, iluminava e guiava a existência dos homens, mas algo que flutua no ar, estéril e desligado dessa vida em que já não pode encarnar-se. A segunda nota sobre o saber da experiência pretende evitar a confusão de experiência com experimento ou, se se quiser, limpar a palavra experiência de suas contaminações empíricas e experimentais, de suas conotações metodológicas e metodologizantes.
Se o experimento é genérico, a experiência é singular. Se a lógica do experimento produz acordo, consenso ou homogeneidade entre os sujeitos, a lógica da experiência produz diferença, heterogeneidade e pluralidade. Por isso, no compartir a experiência, trata-se mais de uma heterologia do que de uma homologia, ou melhor, trata-se mais de uma dialogia que funciona heterologicamente do que uma dialogia que funciona homologicamente. Se o experimento é repetível, a experiência é irrepetível, sempre há algo como a primeira vez. Se o experimento é preditível e previsível, a experiência tem sempre uma dimensão de incerteza que não pode ser reduzida. Além disso, posto que não se pode antecipar o resultado, a experiência não é o caminho até um objetivo previsto, até uma meta que se conhece de antemão, mas é uma abertura para o desconhecido, para o que não se pode antecipar nem “pré-ver” nem “pré-dizer”.

11h15

tô indo ali com a flávia e daqui a pouco, na quinta, a gente conversa sobre este hoje.
bjos,

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

WikiLeaks,

ei, vocês estão acompanhando os jornais?

pois então, concretizaram a melhor ideia de terrorismo de todas. lembram-se que eu tava cismado com isso? pois é, está acontecendo. estamos fazendo parte de um momento nevrálgico da história universal. anos lá na frente, olharemos para traz e diremos no ano de 2010, um ciberativista divulgou pela internet um quantidade imensa de documentos secretos do governo norte-americano.

eu estou enlouquecendo com essa parada.

caramba.

Train vs Truck 2

DBR - Atravessamento Rio Tâmega 2

imagens que encontrei pensando em nós

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Travessia - Milton Nascimento



Quando você foi embora fez-se noite em meu viver
Forte eu sou mas não tem jeito, hoje eu tenho que chorar

Minha casa não é minha, e nem é meu este lugar
Estou só e não resisto, muito tenho prá falar
Solto a voz nas estradas, já não quero parar
Meu caminho é de pedras, como posso sonhar
Sonho feito de brisa, vento vem terminar
Vou fechar o meu pranto, vou querer me matar

Vou seguindo pela vida me esquecendo de você
Eu não quero mais a morte, tenho muito que viver
Vou querer amar de novo e se não der não vou sofrer
Já não sonho, hoje faço com meu braço o meu viver

Solto a voz nas estradas, já não quero parar
Meu caminho é de pedras, como posso sonhar
Sonho feito de brisa, vento vem terminar
Vou fechar o meu pranto, vou querer me matar

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

"A um ausente"

Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.

Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enloqueceu, enloquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?

Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.

Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste.

Carlos Drummond de Andrade
Fonte: http://www.casadobruxo.com.br/poesia/c/ausente.htm

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

o atravessar vem por vias inúmeras

Clique sobre a imagem para vê-la em tamanho original.
O GLOBO - 6 de dezembro de 2010
Das páginas de todo o jornal O GLOBO desta segunda-feira, recorto este pedaço, o único que me atravessou de fato.

1. violência
2. educação
3. dinheiro

sábado, 4 de dezembro de 2010

5 anos depois, o próprio Maikovski se matou. O bilhete de despedida dizia: “O incidente está encerrado. O barco do amor quebrou-se contra a vida cotidiana. Estou quite com a vida. É inútil passar em revista as dores, os infortúnios e os erros recíprocos. Sejam felizes”.
A SIERGUÉI IESSIÊNIN
Você partiu,
como se diz,
para o outro mundo.
Vácuo. . .
Você sobe,
entremeado às estrelas.
Nem álcool,
nem moedas.
Sóbrio.
Vôo sem fundo.
Não, lessiênin,
não posso
fazer troça, -
Na boca
uma lasca amarga
não a mofa.
Olho -
sangue nas mãos frouxas,
você sacode
o invólucro
dos ossos.
Sim,
se você tivesse
um patrono no "Posto"(1) -
ganharia
um conteúdo
bem diverso:
todo dia
uma quota
de cem versos,
longos
e lerdos,
como Dorônin(2).
Remédio?
Para mim,
despautério:
mais cedo ainda
você estaria nessa corda.
Melhor
morrer de vodca
que de tédio !
Não revelam
as razões
desse impulso
nem o nó,
nem a navalha aberta.
Pare,
basta !
Você perdeu o senso? -
Deixar
que a cal
mortal
Ihe cubra o rosto?
Você,
com todo esse talento
para o impossível;
hábil
como poucos.
Por quê?
Para quê?
Perplexidade.
- É o vinho!
- a crítica esbraveja.
Tese:
refratário à sociedade.
Corolário:
muito vinho e cerveja.
Sim,
se você trocasse
a boêmia
pela classe;
A classe agiria em você,
e Ihe daria um norte.
E a classe
por acaso
mata a sede com xarope?
Ela sabe beber -
nada tem de abstêmia.
Talvez,
se houvesse tinta
no "Inglaterra"(3);
você
não cortaria
os pulsos.
Os plagiários felizes
pedem: bis!
Já todo
um pelotão
em auto-execução.
Para que
aumentar
o rol de suicidas?
Antes
aumentar
a produção de tinta!
Agora
para sempre
tua boca
está cerrada.
Difícil
e inútil
excogitar enigmas.
O povo,
o inventa-línguas,
perdeu
o canoro
contramestre de noitadas.

E levam
versos velhos
ao velório,
sucata
de extintas exéquias.
Rimas gastas
empalam
os despojos, -
é assim
que se honra
um poeta?
-Não
te ergueram ainda um monumento -
onde
o som do bronze
ou o grave granito? -
E já vão
empilhando
no jazigo
dedicatórias e ex-votos:
excremento.
Teu nome
escorrido no muco,
teus versos,
Sóbinov(4) os babuja,
voz quérula
sob bétulas murchas -
"Nem palavra, amigo,
nem so-o-luço".
Ah,
que eu saberia dar um fim
a esse
Leonid Loengrim!(5)
Saltaria
- escândalo estridente:
- Chega
de tremores de voz!
Assobios
nos ouvidos
dessa gente,
ao diabo
com suas mães e avós!
Para que toda
essa corja explodisse
inflando
os escuros
redingotes,
e Kógan(6)
atropelado
fugisse,
espetando
os transeuntes
nos bigodes.
Por enquanto
há escória
de sobra.
0 tempo é escasso -
mãos à obra.
Primeiro
é preciso
transformar a vida,
para cantá-la -
em seguida.
Os tempos estão duros
para o artista:
Mas,
dizei-me,
anêmicos e anões,
os grandes,
onde,
em que ocasião,
escolheram
uma estrada
batida?
General
da força humana
- Verbo -
marche!
Que o tempo
cuspa balas
para trás,
e o vento
no passado
só desfaça
um maço de cabelos.
Para o júbilo
o planeta
está imaturo.
É preciso
arrancar alegria
ao futuro.
Nesta vida
morrer não é difícil.
O difícil
é a vida e seu ofício.

(Maiakóvski responde.)
ATÉ LOGO COMPANHEIRO

Até logo, até logo, meu companheiro
Guardo-te no meu peito e te asseguro:
O nosso afastamento passageiro
É sinal de um encontro no futuro.

Adeus amigo, sem mão nem palavras
Não faças um sobrolho pensativo.
Se morrer, nesta vida, não é novo,
Tampouco há novidade em estar vivo!

(Iessiênin escreveu esse poema na parede de um quarto do Hotel Inglaterra, em São Petersburgo, usando como tinta o próprio sangue dos pulsos, dedicando-o ao seu amigo Vladímir Mayakovsky. Em seguida Iessiênin se enforcou. Era madrugada do dia 27 de dezembro de 1925.)

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

ATRAVESSADA

Hoje à tarde enviei um e-mail para uma amiga convidando-a para o meu espetáculo e logo em seguida ela me respondeu. Aqui estão os e-mails:

EU:
Oi Lê, a gente não se fala há muito tempo e eu aqui sinto vontade de saber como você está, não tenho notícias suas...
Estou reestreando um espetáculo e gostaria muito que você fosse ver. Eu gosto do espetáculo e gostaria de compartilhar isso com você. Você sabe o carinho e admiração que tenho por ti.
beijos grandes

ELA:
oi flávia querida,

acabo de abotoar um brinco de pérola
em minha orelha esquerda
e enganchar no furo da orelha direita,
em celebração à pintora mexicana frida kahlo,
um anzol de ouro de onde pende uma mão de boneca
feita de plástico cor da pele
de não mais que um centímetro.
imediatamente antes disso
vesti uma blusa florida
e uma saia preta de cintura alta.
calcei um sapato que se fecha com uma tira no tornozelo
e borrifei dois lances de perfume
um em cada um dos lados do pescoço,
assim bastante próximo do peito.
me pus à frente do espelho do guarda-roupas
e prendi parte do cabelo num coque embaraçado no alto da cabeça.
contornei meus olhos com um lápis marrom bem claro
de maquiagem discreta
e pintei, com as mãos bem leves, os lábios com batom vermelho
da cor do tomate quando está maduro.

ontem fui ao dentista
e meus dentes estão branquinhos
e minha boca está cheirosa.

estou pronta
e venho sentar-me diante do computador
para escrever.

em minha caixa de e-mails
aqui está
uma mensagem sua.

obrigada pelo seu convite,
quando a gente faz um trabalho que julga bom
sente vontade de compartilhar:
é muito prazeroso terminar um bom trabalho,
devolve ao corpo/alma tudo que lhe foi tomado
no árduo esforço de fatura...

não se chateie com a notícia de que não vou ver o espetáculo.

se não vou vê-lo
não deixo de desejar que ele continue
construindo sentidos e alegrias para vocês que o fazem
e para o público que a ele se entrega.

apenas não quero ver peça alguma de teatro em meses,
me dedico a outras linguagens e me desinteresso e me despojo com alegria dos
deveres de quem se encontra comprometido com a linguagem teatral:
não assisto e não penso teatro, neste momento.

meu compromisso e toda minha energia
agora percorre a escrita -
ler é um jeito de escrever,
escrever é um jeito de ler:
isto é tudo o que me apraz.

dito isto,
desejo
Merda,

que é para todos que têm cu
o melhor que se pode oferecer
porque
conforme o teatro me ensinou
onde cheira a merda,
cheira a ser

um grande beijo
L

A resposta dela me atravessou completamente. Estou zonza. E feliz.

sobre a morte, ou vida, enfim

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Para atravessar a cidade










Artista : Banksy

sobre (re)existência

Manifesto sobre a vida do artista
Marina Abramovic

1 a conduta de vida do artista:
- o artista nunca deve mentir a si próprio ou aos outros
- o artista não deve roubar idéias de outros artistas
- os artistas não devem comprometer seu próprio nome ou comprometer-se com o mercado de arte
- o artista não deve matar outros seres humanos
- os artistas não devem se transformar em ídolos
- os artistas não devem se transformar em ídolos
- os artistas não devem se transformar em ídolos
2 a relação entre o artista e sua vida amorosa:
- o artista deve evitar se apaixonar por outro artista
- o artista deve evitar se apaixonar por outro artista
- o artista deve evitar se apaixonar por outro artista
3 a relação entre o artista e o erotismo:
- o artista deve ter uma visão erótica do mundo
- o artista deve ter erotismo
- o artista deve ter erotismo
- o artista deve ter erotismo
4 a relação entre o artista e o sofrimento:
- o artista deve sofrer
- o sofrimento cria as melhores obras
- o sofrimento traz transformação
- o sofrimento leva o artista a transcender seu espírito
- o sofrimento leva o artista a transcender seu espírito
- o sofrimento leva o artista a transcender seu espírito
5 a relação entre o artista e a depressão:
- o artista nunca deve estar deprimido
- a depressão é uma doença e deve ser curada
- a depressão não é produtiva para os artistas
- a depressão não é produtiva para os artistas
- a depressão não é produtiva para os artistas
6 a relação entre o artista e o suicídio:
- o suicídio é um crime contra a vida
- o artista não deve cometer suicídio
- o artista não deve cometer suicídio
- o artista não deve cometer suicídio
7 a relação entre o artista e a inspiração:
- os artistas devem procurar a inspiração no seu âmago
- Quanto mais se aprofundarem em seu âmago, mais universais serão
- o artista é um universo
- o artista é um universo
- o artista é um universo
8 a relação entre o artista e o autocontrole:
- o artista não deve ter autocontrole em sua vida
- o artista deve ter autocontrole total com relação à sua obra
- o artista não deve ter autocontrole em sua vida
- o artista deve ter autocontrole total com relação à sua obra
9 a relação entre o artista e a transparência:
- o artista deve doar e receber ao mesmo tempo
- transparência significa receptividade
- transparência significa doar
- transparência significa receber
- transparência significa receptividade
- transparência significa doar
- transparência significa receber
- transparência significa receptividade
- transparência significa doar
- transparência significa receber

10 a relação entre o artista e os símbolos:
- o artista cria seus próprios símbolos
- os símbolos são a língua do artista
- e a língua tem que ser traduzida
- Às vezes, é difícil encontrar a chave
- Às vezes, é difícil encontrar a chave
- Às vezes, é difícil encontrar a chave
11 a relação entre o artista e o silêncio:
- o artista deve compreender o silêncio
- o artista deve criar um espaço para que o silêncio adentre sua obra
- o silêncio é como uma ilha no meio de um oceano turbulento
- o silêncio é como uma ilha no meio de um oceano turbulento
- o silêncio é como uma ilha no meio de um oceano turbulento
12 a relação entre o artista e a solidão:
- o artista deve reservar para si longos períodos de solidão
- a solidão é extremamente importante
- Longe de casa
- Longe do ateliê
- Longe da família
- Longe dos amigos
- o artista deve passar longos períodos de tempo perto de cachoeiras
- o artista deve passar longos períodos de tempo perto de vulcões em erupção
- o artista deve passar longos períodos de tempo olhando as corredeiras dos rios
- o artista deve passar longos períodos de tempo contemplando a linha do horizonte onde o oceano e o céu se encontram
- o artista deve passar longos períodos de tempo admirando as estrelas
no céu da noite
13 a conduta do artista com relação ao trabalho:
- o artista deve evitar ir para seu ateliê todos os dias
- o artista não deve considerar seu horário de trabalho como o de funcionário de um banco
- o artista deve explorar a vida, e trabalhar apenas quando uma idéia se revela no sonho, ou durante o dia, como uma visão que irrompe como uma surpresa
- o artista não deve se repetir
- o artista não deve produzir em demasia
- o artista deve evitar poluir sua própria arte
- o artista deve evitar poluir sua própria arte
- o artista deve evitar poluir sua própria arte
14 as posses do artista:
- os monges budistas entendem que o ideal na vida é possuir nove objetos:
1 roupão para o verão
1 roupão para o inverno
1 par de sapatos
1 pequena tigela para pedir alimentos
1 tela de proteção contra insetos
1 livro de orações
1 guarda-chuva
1 colchonete para dormir
1 par de óculos se necessário
- o artista deve tomar sua própria decisão sobre os objetos pessoais que deve ter
- o artista deve, cada vez mais, ter menos
- o artista deve, cada vez mais, ter menos
- o artista deve, cada vez mais, ter menos
15 a lista de amigos do artista:
- o artista deve ter amigos que elevem seu estado de espírito
- o artista deve ter amigos que elevem seu estado de espírito
- o artista deve ter amigos que elevem seu estado de espírito
16 os inimigos do artista:
- os inimigos são muito importantes
- o Dalai Lama afirmou que é fácil ter compaixão pelos amigos; porém, muito mais difícil é ter compaixão pelos inimigos
- o artista deve aprender a perdoar
- o artista deve aprender a perdoar
- o artista deve aprender a perdoar
17 a morte e seus diferentes contextos:
- o artista deve ter consciência de sua mortalidade
- Para o artista, como viver é tão importante quanto como morrer
- o artista deve encontrar nos símbolos da sua obra os sinais dos diferentes contextos da morte
- o artista deve morrer conscientemente e sem medo
- o artista deve morrer conscientemente e sem medo
- o artista deve morrer conscientemente e sem medo
18 o funeral e seus diferentes contextos:
- o artista deve deixar instruções para seu próprio funeral, para que tudo seja feito segundo sua vontade
- o funeral é a última obra de arte do artista antes de sua partida
- o funeral é a última obra de arte do artista antes de sua partida
- o funeral é a última obra de arte do artista antes de sua partida

marília pediu que postasse este vídeo,

um porquê

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Leveza






"(...)Nesta conferência, buscarei explicar - tanto para mim quanto para os ouvintes - a razão por que fui levado a considerar a leveza antes um valor que um defeito; direi quais são, entre as obras do passado, aquelas em que reconheço o meu ideal de leveza; indicarei o lugar que reservo a esse valor no presente e como o projeto no futuro.

Começarei por esse último ponto. Quando iniciei minha atividade literária, o dever de representar nossa época era um imperativo categórico para todo jovem escritor. Cheio de boa vontade, buscava identificar-me com a impiedosa energia que move a história de nosso século, mergulhando em seus acontecimentos coletivos e individuais. Buscava alcançar uma sintonia entre o espetáculo movimentado do mundo, ora dramático ora grotesco, e o ritmo interior picaresco e aventuroso que me levava a escrever. Logo me dei conta de que entre os fatos da vida, que deviam ser minha matéria-prima, e um estilo que eu desejava ágil, impetuoso, cortante, havia uma diferença que eu tinha cada vez mais dificuldade em superar. Talvez só então estivesse descobrindo o pesadume, a inércia, a opacidade do mundo - qualidades que se aderem logo à escrita, quando não encontramos um meio de fugir a elas.

Às vezes o mundo inteiro me parecia transformado em pedra: mais ou menos avançada segundo as pessoas e os lugares, essa lenta petrificação não poupava nenhum aspecto da vida. Como se ninguém pudesse escapar ao olhar inexorável da Medusa.

O único herói capaz de decepar a cabeça da Medusa é Perseu, que voa com sandálias aladas; Perseu, que não volta jamais o olhar para a face da Górgona, mas apenas para a imagem que vê refletida em seu escudo de bronze. Eis que Perseu vem ao meu socorro até mesmo agora, quando já me sentia capturar pela mordaça de pedra - como acontece toda vez que tento uma evocação histórico-autobiográfica. Melhor deixar que meu discurso se elabore com as imagens da mitologia. Para decepar a cabeça da Medusa sem se deixar petrificar, Perseu se sustenta sobre o que há de mais leve, as nuvens e o vento; e dirige o olhar para aquilo que só pode se revelar por uma visão indireta, por uma imagem capturada no espelho. Sou tentado de repente a encontrar nesse mito uma alegoria da relação do poeta com o mundo, uma lição do processo de continuar escrevendo. Mas sei bem que toda interpretação empobrece o mito e o sufoca:não devemos ser apressados com os mitos; é melhor deixar que eles se depositem na memória, examinar pacientemente cada detalhe, meditar sobre seu significado sem nunca sair de sua linguagem imagística. A lição que se pode tirar de um mito reside na literalidade da narrativa, não dos acréscimos que lhe impomos do exterior.

A relação entre Perseu e a Górgona é complexa: não termina com a decapitação do monstro. Do sangue de Medusa nasce um cavalo alado, Pégaso; o peso da pedra pode reverter em seu contrário; de uma patada, Pégaso faz jorrar no monte Hélicon a fonte em que as Musas irão beber.Em algumas versões do mito, será Perseu quem irá cavalgar esse maravilhoso Pégaso(...).Quanto a cabeça cortada, longe de abandoná-la, Perseu a leva consigo (...), uma arma que utiliza apenas em casos extremos e só contra quem merece o castigo de ser transformado em pedra.(...)É sempre na recusa da visão direta que reside a força de Perseu, mas não na recusa da realidade do mundo de monstros entre os quais estava destinado a viver, uma realidade que ele traz consigo e assume como um fardo pessoal."

Italo Calvino,"Seis propostas para o novo milênio"

Estrela





TARÔ MITOLÓGICO

PANDORA

Tal como Eva, Pandora é uma mulher. Ela é o lado feminino da natureza humana, sentimento, instinto, imaginação e intuição, que deve nortear a verdade a qualquer custo.
Os insetos, diferentes das criaturas de sangue quente, estão distantes da consciência e do relacionamento. Não podemos nos comunicar com eles, mas somos atormentados e incentivados pela própria natureza.
A arca que Zeus envia para a humanidade por Pandora é como a maçã do Jardim do Éden: algo proibido, mas impossível de resistir. Ela contém o conhecimento da realidade da vida humana, o que significa a morte da ingenuidade e da fantasia infantil. Mas também contém o atributo mais precioso do espírito humano.



TARÔ EGÍPCIO

A ESPERANÇA

- Estrela de oito pontas: Estrela de Vênus, a Estrela Guia, a Estrela dos Magos, nossa luz interior. A Estrela de Sirius, da constelação do Cão Maior, só aparecia no céu egípcio na época das enchentes do Nilo mostrando a chegada das chuvas. A confiança na natureza trazendo mais fé e paciência aos processos humanos.
- Nua: fragilidade, vulnerabilidade, pureza, consciência da própria realidade.
- Ânforas: elixir da vida que espalha sobre a terra a seiva universal da vida, despojamento.
- Flor de Lótus: em cima do chacra coronário, paranormalidade.
- Pena sobre a cabeça: justiça.
- Água: purificação, saída de situação emocionalmente fragilizada.
- Dois triângulos formando um quadrado: necessidade de realizar na matéria, solução de problema através da espiritualidade e do intelecto.
- A deusa Nut jogando água na terra e nas águas. Representando o ciclo das águas, a ação do tempo e os limites que as leis da natureza impõem a nossa vida.



TARÔ DE MARSELHA

- Uma jovem de joelhos, pura e nua em perfeita integração com a natureza, simboliza “novas esperanças”.
- A nudez representa a simplicidade, a humildade, o amor, a beleza e a paz.
- Ela joga fora a água do jarro, significa que está jogando fora tudo que não nos serve mais.


Sonhos



Começo a ter medo adormecer.
Desde o enterro que não paro de ter sonhos perturbadores.

Sonhei dois dias depois do enterro com ela desesperada, louca,vestida de festa, correndo para o mar.Assisto ela entrar na água e morrer afogada sem impedir. Não sem medo, sem dor, paralisada, assisto.Não sei se respeito sua atitude, se não sei como agir...Quando ela some por completo no mar, me desespero por encontrar seus anéis perdidos na beira da praia.Como quem busca o corpo do morto.Encontro um dos seus anéis.Um com a figura de uma onça abraçando um macaco, coloco em meu dedo e como num passe de mágica o metal é consumido por meu corpo virando tatuagem.

Sonhei depois que voltava a casa dela.Não havia ninguém,apenas sua cachorra.Lembram daquela salsicha preta?Lembram daquele bichinho alegre, doce, que vivia dando carinho a quem quer que fosse?Ela estava lá,trancada no quintal como se estivesse lá abandonada há anos. Parecia ressentida e desencantada com as pessoas.Não fazia mais aquela festa por qualquer carinho.Preocupada, quis fazer qualquer coisa pelo seu afeto, para voltar a ver nela algo de como era quando a conheci.Algo que parecia haver se perdido.Ela pareceu convidar me a descer para o quintal e ver como tudo tinha mudado.Eu desci e encontrei tudo com um ar decadente e abandonado.Como se fossem vestígios de uma antiga civilização.Mas aquela era nossa civilização.Eu ainda estava viva.Quis gritar.Acordei desesperada.

Sonhei hoje que ia com Mateus a casa de um sábio guru que me ajudaria a dissipar o medo e o desespero.Ele propunha tarefas e eu me "curava" resolvendo-as.Uma das tarefas que ele me propôs foi sentar me frente a uma serpente.Tinha que fazer o movimento de ir até a cadeira posicionada frente a serpente,sentar me e encará-la. Se demonstrasse todo meu medo ela me devoraria,se conseguisse manter dignidade e respeito por nós duas e simplesmente me sentasse, nós poderiamos nos contemplar e partir quando quizessemos.Tentei uma vez e quase fui morta.O mestre me disse para tentar novamente.Tentei.Sentei me.Até agora lembro das coisas que contemplei nos olhos da serpente.

Acordei e busquei o tarô.Tirei uma carta.Era a carta da Estrela.Ela dizia assim:a imagem de Pandora e a estrela da esperança são símbolos de uma parte do ser humano que, a despeito das frustrações e desapontamentos, da depressão e das perdas, ainda tem forças para se agarrar ao sentido da vida e ao futuro que poderá superar a infelicidade do passado.
(...) os olhos de Pandora estão fixos não na infelicidade da condição humana, mas na certeza irracional e inexplicável de que muito em breve uma nova luz brilhará.
(...) dessa maneira a Estrela, guia da esperança e da fé, surge não da intenção deliberada, mas das cinzas da Torre que foi destruída anteriormente.
O louco espera no meio dos destroços sem saber ao certo como ou o que deverá reconstruir. E no meio da confusão e da destruição das antigas formas e estruturas, surge a suave, tímida e no entanto extremamente forte Estrela da esperança.

epígrafe

A epígrafe de Paixão Segundo GH, diz: "A complete life may be one ending in so full identification with the non-self that there is no self to die." Bernard Berenson

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Antonin Artaud



"Mais urgente não me parece tanto defender uma cultura cuja existência nunca salvou uma pessoa de ter fome e da preocupação de viver melhor,quanto extrair, daquilo que se chama cultura, idéias cuja força viva é idêntica à da fome. Todas nossas idéias sobre a vida tem de ser revistas numa época em que nada mais adere à vida. E esta penosa cisão é motivo para as coisas se vingarem, e a poesia que não está mais em nós e que não conseguimos encontrar mais nas coisas reaparece, de repente, pelo lado ruim das coisas; e nunca se viu tantos crimes, cuja gratuita estranheza só se explica por nossa impotência em possuir a vida. Se o teatro existe para permitir que o recalcado viva, uma espécie de atroz poesia expressa-se através de atos extranhos onde as alterações do fato de viver mostram que a intensidade da vida está intacta e que bastaria dirigi-la melhor"

para Dodô

Falo de dor. Eu também. Falo que dói. Em mim também. Dói mesmo Dominique. Dói feio, de várias formas e por diversas coisas. E agora nesse instante a dor que sinto é por escutar as suas palavras. Se pra você as verdades daquele encontro foram inventadas, digo então que existe mais sinceridade na ficção que na realidade.
O que houve naquele encontro foram tentativas. Tentativas de compartilhar aquilo que ainda pode ser compartilhado. E ficou difícil encontrar uma saída. Eu sei, estava difícil. Pra todo mundo estava difícil. Eu estava perdida, dilacerada e precisava encontrar um motivo, ao menos um, pra continuar...e falei de sol, de folhas, de bosques e de uma vontade arrebatadora de que por pelo menos alguns segundos todos que ali nos rodeavam (crianças, velhos, pais, mães) pudessem olhar para um mesmo ponto, todos juntos olhando uma mesma direção, compartilhando de um mesmo sentimento apenas por alguns segundos, e assim, com as respirações suspensas, todos juntos sem saber estariam juntos. Acho que eu falava de milagre, acho que sim. Acho que falava de Utopia Fred, acho que sim. E foi nesse momento que Nina me deu a mão e disse: somos o corpo e o sangue de cristo! E por mais que aquilo parecesse ridículo e absurdo foi a coisa mais linda que escutei em toda a minha vida, ela falava sério e eu entendi muito sério. E pensei porque não? Somos o sangue e o corpo de cristo, porque não? A gente pode acreditar em milagres sim, a gente pode acreditar que somos mais do que isso, que somos seres divinos e que temos poderes incríveis porque não? O que nos impede? Quem nos impede?
E então você Dominique se levantou colocou uma música e dançou. E naquele instante você calou todo mundo e por alguns segundos você parou tudo. Você fez o que eu consegui apenas dizer. E mesmo que eu não acreditasse naquela sua dança eu acreditei com toda a força naquele seu gesto e entendi o seu grito e compartilhei da sua dor. Obrigada.
Vamos juntos. É só o que peço.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

para dodô,

"atravessamentos" inscrito no fate

a) Sinopse do projeto;

            Criado em 2008, o Teatro Inominável vem se destacando no panorama da jovem produção teatral carioca. Seus dois primeiros espetáculos, realizados de forma independente, continuam se apresentado em festivais e em temporadas na cidade do Rio de Janeiro: “Não Dois” (2009), do texto argentino “Paso de Dos” de Eduardo Pavlovsky e “Vazio é o que não falta, Miranda” (2010), da obra “Esperando Godot” de Samuel Beckett. Tendo este último, cumprido temporada de sucesso na ocupação artística Câmbio do Teatro Estadual Glaucio Gill, em setembro deste ano.
Desde seu surgimento, o Teatro Inominável investiga a produção de uma dramaturgia capaz de abarcar a inquietação característica de nossos tempos. Querendo dar continuidade a sua pesquisa, o coletivo se dedica agora à construção de uma dramaturgia atoral e coletiva a ser descoberta em processo: “Atravessamentos”. Em cena, uma ficção que será construída a partir dos fatos que nos fazem ser a geração que somos, aquela exasperada por um acerto de contas com uma realidade contraditória que nos perfura e desorienta.
            Para desenhar com precisão os contornos dessa geração a ser posta em cena, tomamos como principal referência a construção discursiva, dramatúrgica e cênica do espetáculo “A falta que nos move” (2005) de Christiane Jatahy. Nesta peça, aclamada pela crítica e indicada a inúmeros prêmios, amigos por volta de seus 40 anos se encontram para um jantar e ficam à espera de outro amigo que não vem. Aos poucos, o desgaste da espera revela uma geração desiludida e despolitizada, crescida após o golpe militar no Brasil.
            Para auxiliar a construção de uma dramaturgia que se alimentará de fragmentos trazidos pelos atores durante o processo de ensaio, o Teatro Inominável convida a atriz e diretora Marina Vianna, que atuou e foi co-autora de “A falta que nos move”, para realizar a supervisão geral do projeto “Atravessamentos”. Em contraponto a essa geração que ainda espera por um amigo que não vem para o jantar, “Atravessamentos” apresenta uma geração também alvo de inúmeras faltas, mas que não se contenta em ser refém disso. O que se coloca em cena, então, é um jantar entre amigos que se reencontram – meses após o suicídio de outra amiga – para buscarem possibilidades de reinvenção e resistência. Mas como continuar? Por onde recomeçar?

b)    Justificativa do projeto, especificando os objetivos e as razões de solicitação do apoio;

O projeto se trata da montagem do espetáculo "Atravessamentos", que visa realizar uma temporada de 10 semanas no Rio de Janeiro, de quinta a domingo, totalizando 38 apresentações.  A montagem terá direção de Diogo Liberano e Flávia Naves e será supervisionada por Marina Vianna. A dramaturgia, assinada por Diogo Liberano, será escrita em processo e terá co-autoria dos cinco atores: Dominique Arantes, Fred Araujo, Marília Misailidis, Nina Balbi e Vitor Peres. A direção de produção é de Rômulo Corrêa, com realização do Teatro Inominável.
É solicitado ao FATE o prêmio de R$ 50.000,00. Através deste, será possível realizar todas as etapas de produção do espetáculo, valorizando os profissionais envolvidos e possibilitando um valor reduzido dos ingressos durante as temporadas, estimulando o encontro do espetáculo com seu público. A estréia é prevista para setembro de 2011 no Teatro Municipal Sérgio Porto. Para o segundo mês solicitamos pauta no Teatro Estadual Glaucio Gill e no Teatro Municipal Maria Clara Machado - Planetário.
Para além da viabilização do espetáculo, este prêmio significa a valorização da produção dramatúrgica que vem sendo realizada por jovens artistas, ao mesmo tempo em que significa também o incentivo ao desenvolvimento de um novo coletivo que vem se revelando promissor dentro da cena teatral no Rio de Janeiro. Com “Atravessamentos” o Teatro Inominável estabelecerá encontros destes jovens artistas com profissionais de vasta experiência no mercado, viabilizando a troca e o amadurecimento de seus integrantes a partir deste contato.
O espetáculo “Atravessamentos” quer atingir um público jovem ao retratar seus anseios e dificuldades na tentativa de dar conta de um mundo que os convida a morrer dia após dia. No horizonte temático do espetáculo, importa-nos abordar esta geração que não mais quer se permitir ser indiferente a tudo aquilo que a envolve. Oscilando na mira da violência urbana e do tráfico de drogas; atravessados pela degradação ecológica e por catástrofes naturais; e aprisionados no excesso de informações e em virtualidades inúmeras, nos transformamos em potenciais suicidas tão distantes somos colocados da própria vida. Mas como acreditar em algo que nos faça desautorizar tudo o que nos impede de construir – por nós mesmos – os rumos de nossa própria história?
É preciso resistir mais do que simplesmente agüentar. Resistir, para nós, diz respeito a se permitir reinventar. Não se trata de obter respostas, mas de cruzar os extremos que nos limitam para encontrar nesse movimento do atravessar um corpo capaz de ser afetado e de afetar. Um corpo que tenha cansado de ser indiferente e que, mesmo ainda alvo da instabilidade destes tempos, consiga dançar sobre ela, fazendo de sua batida irrevogável, poesia e canção.


 c)    Texto do roteiro;

Atravessamentos
de Diogo Liberano

Sinopse
Como de costume, cinco amigos se reúnem novamente para um jantar na casa de um deles. Dessa vez, porém, o encontro se dá alguns meses após o suicídio de uma das amigas que ali com eles deveria estar. O clima dificulta qualquer tipo de descontração e o encontro, inevitavelmente, os leva a falar sobre tudo aquilo que até aquele momento eles não sabiam bem como lidar.
Eis então que a realidade se revela com toda a sua complexidade e eles se percebem incapazes de resolverem certas coisas para as quais não parece haver solução. No entanto, como não tombar? Como seguir no curso do tempo sem ceder a um fim, tal qual fizera a amiga em comum? Cientes da necessidade de resistir, a questão que sobre eles se impõe diz respeito justamente ao como resistir, por meio de qual maneira?
Os cinco amigos chegam então a uma atitude desesperada: trancam-se dentro do apartamento e se obrigam a ficar ali até que encontrem alguma medida concreta que valide a sua permanência no mundo. Em pouco tempo, acabam reféns de um jogo dentro do qual parece restar a definição de sua própria existência, pois caso não encontrem um motivo que os faça ficar, por que então deveriam continuar?

Sobre a construção dramatúrgica
O texto de “Atravessamentos” será construído durante o processo de ensaios. Partiremos de uma escaleta primária (a seguir) que é justamente um roteiro sequencial de evoluções temáticas inevitáveis à nossa geração. Por meio da dissecação desses temas, problematizaremos o real a fim de revelar a sua fundação ruidosa. Através de sistemas de construção dramatúrgica desenvolvidos pelo dramaturgo espanhol José Sanchis Sinisterra e orientados pela pesquisa em dramaturgia atoral desenvolvida por Marina Vianna, tanto elenco quanto diretores e o dramaturgo tecerão o percurso desse jantar entre amigos que após um violento encontro com a realidade – proporcionado pelo suicídio de uma amiga – decidem buscar formas para continuarem suas vidas.

Personagens
São cinco jovens – entre 20 e 30 anos – que se constroem e revelam por meio de suas opiniões sobre os assuntos que irrompem durante o jantar. Pouco se sabe sobre seu passado ou sobre o que gostam ou acreditam, já que aquilo que os sustentam é justamente os seus discursos. Os personagens em “Atravessamentos” são, portanto, pontos de vista variados que ao coexistirem sobre um dado assunto, acabam por revelá-lo em sua complexidade originária.

Escaleta Primária
Prólogo – Da ausência (trazida pela morte).
Nesta primeira cena o que se objetiva é a construção da atmosfera deste reencontro marcada pela ausência da amiga que meses antes se suicidara. Primeiramente, encontram-se apenas quatro amigos (dois homens e duas mulheres). Todos incapazes de tocar no assunto responsável pelo silêncio que os envolve.
Cena 1 – Das máscaras (para amenizar a realidade).
Os amigos tentam se relacionar por meio das mentiras que escolheram para mascarar e amenizar a dor de sua realidade. Aos poucos, porém, a ausência da amiga vai se tornando presente, mas faltando-lhes coragem para lidar com o absurdo da situação, seguem fingindo ser possível continuar um jogo que, não sabem ainda, não se sustentará por muito mais tempo.
Cena 2 – Da falência (frente ao inexplicável).
A situação acaba se esgotando rapidamente, pois ao privarem-se da dor que se sentem eles se privam também de ser quem são. Um dos amigos percebe que algo fora inaugurado em suas vidas com a morte da amiga. Esse horror, esse buraco, esse vácuo na garganta, esse silêncio que grita... É preciso então falar sobre o que aconteceu e nisso as opiniões divergem acirrando ainda mais a discussão.
Cena 3 – Da dor (incapaz de ser falseada).
Tragados pela discussão do que até então estavam tentando não falar, os amigos acabam sendo violentamente tomados por certa angústia e passam a vagar perdidos em busca de uma explicação para a escolha feita pela amiga. Mas não encontram nada que pareça fazer sentido, pois o que resta é ainda a dor.
Cena 4 – Da clareza (difícil de ser assumida).
Um dos amigos irrompe violentamente a discussão e defende, frente aos outros, que há certos absurdos na vida que não têm solução. De maneira dolorosa e, talvez por isso, muito lúcida, o amigo convence os demais de que não se trata mais de sofrer a ausência apenas, mas, sobretudo, de convertê-la em alguma potência de vida.
Cena 5 – Da realidade (e de seu poder de transformação).
A quinta amiga que até então não havia chegado aparece de súbito no exato instante em que a discussão parecia de fato os levar para outro lugar. Ciente de que os amigos estariam presos à dor da perda, esta que chega intencionalmente depois, desvia-lhes a atenção ao trazer na mão uma notícia publicada num jornal que, de acordo com ela, a fez lembrá-los.
Cena 6 – Do ato (que pela morte instiga a vida).
A tal notícia narra um ato de resistência de seis jovens artistas que durante um protesto contra a demolição de um teatro na cidade do Rio de Janeiro acabam sendo soterrados e morrem. A violência do ato contamina os amigos que vêem na morte dos jovens artistas uma maneira potente de tornarem validas aquelas vidas.
Cena 7 – Do terror (de ter que responder ao próprio tempo).
A notícia de jornal logo se converte num espelho da realidade dos cinco amigos ali reunidos. Tanto o suicídio de sua amiga quanto a morte dos artistas na demolição do teatro se revelam como atitudes extremas em resposta aos paradoxos de sua realidade. Porém, percebem, é preciso continuar caso não queiram que a morte da amiga vire apenas memória. Para além do que sentem ou falam, é também preciso agir.
Cena 8 – Da ficção (como potência para um reinventar-se).
Uma medida desesperada é então proposta de maneira irrevogável: os amigos se trancam dentro do apartamento e decidem sair dali somente quando descobrirem alguma ação concreta capaz de validar a sua existência que seja apenas naquele momento. Então se não encontrarmos algum motivo que nos faça ficar quer dizer então que não fazemos diferença, é isso? Que devemos partir assim como ela fez?
Epílogo – Do ato final (ou quando os amigos saem pela porta do apartamento para entrar, de fato, dentro da própria vida.).
A ser descoberto em processo de ensaios.

domingo, 28 de novembro de 2010

Palavras sobre o encontro inventado.

Eu dancei porque não consegui falar "dor". Porque não nos reconheci ali, não reconheci as frases, os sons. Não acreditei em nenhuma verdade inventada para camuflar os buracos. O buraco que fica no peito, na mesa, no bolo. O buraco do que não se pode apalpar. E, também, porque me senti egoísta quando vocês falaram ser a escolha dela a melhor, e achei absurdo vocês não conseguirem ser egoístas para que ela ficasse mais uns dias conosco, ou resistisse e se reinventasse. Não se pode ser leviano. Não consigo desculpá-la, desculpem-me. Dói. Vai doer e eu nem consigo chorar. Por isso chorei com o corpo. Para inventar um preenchimento. Para criar algum espaço que não só palavra, para dizer "dói". E a gente nem conseguiu reinventer uma forma de existir depois disso tudo. Porque eu posso me ficcionar ( e a gente faz isso o tempo todo não é) e passar sorrindo e dançando. Eu só podia dançar ali, era  a única forma de existir ali, entre vocês. Porque estar com vocês me faz lembrar que não estou com ela. E dói mais. Mas não nos deixemos, por favor. Mesmo que eu fique dançando sem dizer nada. Estou encontrando formas. De repente, no próximo encontro, que nem marquei em minha agenda ainda,eu pinte um quadro. Depois eu cante, no outro eu medite, ou eu entenda e fale tudo. Estou aprendendo a lidar com a ausência.
Obrigada pelo café, pelo bolo, pelo sorriso, pelo encontro.
Abraços.
Até.

Os Britadeiras

sábado, 27 de novembro de 2010

o trecho mais pop do uivo de ginsberg

Eu vi os expoentes da minha geração destruídos pela loucura, morrendo de fome, histéricos, nus,
arrastando-se pelas ruas do bairro negro de madrugada em busca uma dose violenta de qualquer coisa
"hipsters" com cabeça de anjo ansiando pelo antigo contato celestial com o dínamo estrelado da
maquinaria da noite
, que pobres, esfarrapados e olheiras fundas, viajaram
fumando sentados na sobrenatural escuridão dos miseráveis apartamentos sem água quente, flutuando
sobre os tetos das cidades contemplando jazz, que desnudaram seus Cérebros ao céu sob os e
levados e viram anjos maometanos cambaleando iluminados nos telhados das casas de
cômodos, que passaram por universidades com olhos frios e radiantes alucinando Arkansas e tragédias à luz de William Blake entre os estudiosos da guerra, que foram expulsos das universidades por serem loucos& publicarem odes obscenas nas janelas do crânio, que se refugiaram em quartos de paredes de pintura
descascada em roupa de baixo queimando seu dinheiro em cestas de papel, escutando o Terror
através da parede. 

"Filme que flerta com arte contemporânea causa incômodo no Festival de Brasília"

ANA PAULA SOUSA

ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA



Durante a projeção de "Os Residentes", na sexta-feira (26) à noite, no Cine Brasília, um espectador gritou: "Volta, Bressane!".

Tratava-se de uma evidente provocação ao jovem diretor que, ao apresentar o filme ao público, disse que seu desejo era oxigenar o cinema brasileiro. A referência a Júlio Bressane era, portanto, a seta mais fácil de ser atirada.

Mas outras setas viriam. O longa-metragem de Tiago Mata Machado, 36 anos, apresentado na terceira noite de competição, causou incômodo no Festival de Brasília.

A ausência de uma narrativa, as referências intelectuais e cinematográficas sobrepostas e o flerte com a arte contemporânea desceram, em boa parte da plateia e da crítica, como um prato indigesto.

Mas há que se admitir: "Os Residentes" não apenas traz uma proposta audiovisual como alcança, em sua montanha-russa de imagens, momentos de grande beleza plástica.

"Existe uma pretensão estética declarada no filme", delimita Machado, que foi crítico de cinema da Folha, trabalha como curador e teve um vídeo selecionado para a Bienal de São Paulo.

"Meu filme é uma manifestação contra a padronização estética e o pragmatismo do cinema brasileiro", prossegue, com o sotaque mineiro dando certa calma a sua fala reflexiva.

"Quando vejo o [José] Padilha falar que o filme dele ["Tropa de Elite"] é político, penso naquele cinema político dos anos 60, que era político no tema, mas reacionário na forma", diz, referindo-se a cineastas como Costa Gavras e Gillo Pontecorvo. "Meu filme pode ser visto como uma crítica a um cinema brasileiro que tenta mostrar que sabe seguir uma estética internacional."
Divulgação
"Os Residentes", de Tiago Mata Machado
Cena do filme "Os Residentes", de Tiago Mata Machado, que causou incômodo em exibição no Festival de Brasília

Durante o debate realizado na manhã deste sábado, no hotel Juscelino Kubitsheck, Machado foi questionado sobre o roteiro (ou falta de), o excesso de influências e suas reais intenções.

Para muitas das perguntas, simplesmente, não havia resposta. "Meu filme tem suas próprias regras, ele está o tempo todo rompendo o tom. Mas hoje impera a mentalidade da linearidade."

Antes do debate, em entrevista à Folha, como se pressentisse o que vinha pela frente, o diretor havia citado a "patrulha da verossimilhança". "Só não aceito que chamem meu filme de hermético", ressaltou. "Meu filme interpela o público."

"Os Residentes", que mostra um grupo ocupando uma casa vazia, procura discutir a própria arte. Os personagens, num manifesto estético, sequestram uma artista plástica. A convivência do grupo serve de pretexto para uma série de jogos.

Há desde um momento em que dois atores têm uma briga de casa, à la Godard dos anos 60, até cenas puramente visuais.

A imagem do caminhão a sugar um montanha de terra do chão ou a cena em que um muro de tijolos é erguido à frente de uma cortina cor-de-laranja são pura videoarte. Recortadas, cairiam como uma luva na Bienal. No Cine Brasília, pareceram intrusas.