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terça-feira, 31 de maio de 2011

RAIO-X

Como estamos? Em processo, naturalmente. Muito já solidificado, muito já conquistado, criado e testado. Porém, enquanto a dramaturgia não chegar, enquanto eu ou Flávia não dissermos amados, essa é nossa primeira cena, nada parecerá fazer sentido. Mas é preciso persistir.

O corpo de vocês a cada ensaio constrói tudo aquilo que a dramaturgia enrola para dar a vocês. O corpo querendo fazer o sentido que o discurso de cada personagem parece ser. Eu aqui hoje escrevendo isso eu sei lá para quê. É só que me veio a vontade de reconhecer o quanto estamos intensos e trabalhadores.

Sim, já se foram 30 ensaios. É muita coisa. Já fiz peça com 30 ensaios. Mas COMO CAVALGAR UM DRAGÃO é um projeto obstinado, projeto inédito e incapaz de seguir o que já foi feito. Precisamos sempre mais e mais e nisso, na repetição, aprendemos todo o lance.

Eu aqui escrevendo essas palavras e não nossa cena. É que eu sinto, eu sei, ela virá plena, basta estarmos como estamos que a coisa toda acontecerá. São muitos jogos ao mesmo tempo. O do texto, o da cena, o jogo do ensaio, o jogo da produção, das pautas e de tantas pessoalidades (em jogo).

Investimos na dificuldade, na aridez, mas é preciso dizer: a coisa vai começar a ficar divertida. Não que não estivesse, mas vai, quando os limites estiverem ainda mais claros, ou seja, quando tivermos um texto para levantar, a coisa toda tende a ser mais interessante.

[…]

Fita-Crepe.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Adele - Rolling In The Deep



ai minha nossa,
assisto isso e a vontade que tenho é de gritar!!!
Adele
Rolling in the deep
múscia estonteante
percebam a composição plástica do clipe
a escolha dos elementos
as cores
a poesia...

belo e violento.

ensaio 30

30/05, unirio, sala 301
flávia, fred, marília, dominique, nina, diogo e vítor.

AQUECIMENTO DE USO. ao som de AIR (The Virgin Suicides OST), Beatles, Karen O The Kids…

a atmosfera que se forma a partir de todos esses elementos.

Nina said SUSPENSÃO para traduzir a atmosfera do momento. CINZA, said Vítor. MISTÉRIO, said Fred. ESCURO, said Dominique. And Marília said ATENÇÃO.

Vocês são lindos.

RAIA (The Strokes, Joan as Police Woman, Beatles)

- que exigência corporal uma longa duração ou um andamento lento trazem ao corpo?;

GESTO

trabalho para criação de um repertório gestual, um UNIVERSO GESTUAL.

Gestos MARÍLIA
mãos na cintura e pé no joelho;
1 2 3 com a mão;
cala-se com a mão;
cabelo
soco no estômago

Gestos DOMINIQUE
adeus com dedo
coçar tireóide
três vezes no cabelo
tentar com as mãos
purgar com as mãos (4X)

Gestos NINA
mexo no brinco
cebolitos com dedos
coçada no pé
puxa-me
tira-me

Gestos FRED
bolsos pra que te quero (8X)
espirro
amarrar-se
solução
tonteante

Gestos VÍTOR
orelhinha
respirar fundo
mesquinhez
recolher-se
sem nome

ESTUDO DOS GESTOS a partir de:
- planos (baixo, médio, alto)
- partes do corpo (cabeça, ombros, peito, braços, mãos, quadril, pernas, pés…)
- gradação de velocidade
- o que esse gesto entrega do meu personagem?
- qualidades antagônicas (leve/pesado, rápido/lento, sutil/violento, retilíneo/curvilíneo…)

Comentários:
- inúmeras significações;
- gesto com o texto ressignifica o texto;
- cinco gestos talvez sejam pouco;
- dar um corpo para o personagem;
- repertório de escolhas para ativar;
- é bom quando o gesto não sublinha a fala;
- o corpo diz uma coisa e o texto diz outra;
- a intenção do gesto é crucial para criá-lo;
- SABER ABANDONAR;
- não costurar os gestos;

PARA QUARTA-FEIRA
criar um UNIVERSO GESTUAL de 10 gestos (6 comportamentais e 4 expressivos)

3 comportamentais já foram criados
2 expressivos também
faltam:

2 expressivos
2 comportamentais
e 1 comportamental que será criado por outro ator:

fred criará um gesto comportamental para > RITA
marília > ANDRÉIA
dominique > ODILON
vítor > CECÍLIA
nina > INÁCIO

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sábado, 28 de maio de 2011

'sala imensa de paredes vagas recém-pintadas a branco cor de morte'

sobre VIEWPOINTS direto da fonte

Tradução expressa de Diogo Liberano (enquanto a sopa esfriava um pouco) das páginas nove e dez do livro THE VIEWPOINTS BOOK – A Pratical Guide to Viewpoints and Composition – de Anne Bogart e Tina Landau

PONTOS DE VISTA ESPACIAIS

FORMA

O contorno que o corpo (ou corpos) faz(em) no espaço. Toda FORMA pode ser dividida em FORMA com (1) linhas; (2) curvas; (3) uma combinação de linhas e curvas.

Portanto, no treinamento com Pontos de Vista, nós podemos criar FORMAS que são arredondadas, formas que são angulares e formas que são uma mistura dessas duas.

Somado a isso, uma FORMA também pode ser (1) sem movimento; (2) em movimento (pelo espaço).

Por último, FORMA pode ser feita por uma das três maneiras: (1) com o corpo no espaço; (2) com o corpo em relação com à arquitetura (criando FORMAS); (3) o corpo em relação com outros corpos (criando FORMAS).

GESTO

Um movimento envolvendo uma parte ou partes do corpo; GESTO é FORMA com início, meio e fim. GESTOS podem ser feitos com as mãos, os braços, a cabeça, a boca, os olhos, os pés, o estômago, ou qualquer outra parte ou combinação de partes que possam ser isoladas. O Ponto de Vista GESTO é dividido em:

1. GESTO COMPORTAMENTAL. Pertence ao concreto, ao mundo físico do comportamento humano da forma como observamos em nosso dia-a-dia. É o tipo de gesto que você vê num supermercado ou metrô: alguém riscando um papel, apontando, cheirando um alimento, cumprimentando outro alguém, fazendo uma saudação. Um GESTO COMPORTAMENTAL pode dar informações sobre o caráter, sobre uma época, saúde física, uma circunstância específica, clima, roupas, etc. Geralmente é definido pelo caráter de uma pessoa ou pela época e local nos quais ela vive. Também pode ter um pensamento ou intenção por trás. Um GESTO COMPORTAMENTAL pode ser dividido e trabalhado em GESTO PRIVADO e GESTO PÚBLICO, distinguidos por ações que são feitas quando sozinho ou quando sob atenção ou proximidade de outros.

2. GESTO EXPRESSIVO. Expressa um estado interior, uma emoção, um desejo, uma ideia ou valor. É abstrato e simbólico em vez de representativo. É universal e atemporal e não é algo que você veria alguém fazendo normalmente num mercado ou metrô. Por exemplo, um GESTO EXPRESSIVO deve ser expressivo de, ou capaz de veicular, emoções como “alegria”, “dor” ou “raiva”. Ou deve expressar a essência interior de Hamlet como um dado ator a sente. Ou, numa produção de Tchékhov, você pode criar e trabalhar com GESTOS EXPRESSIVOS do tempo ou para expressar “tempo”, “memória” ou “Moscou”.

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Podemos desbravar os próximos Pontos de Vista no decorrer do processo e sem dúvida, o faremos. No entanto, cabe uma breve pontuação: como o próprio nome diz, Pontos de Vista (ou Viewpoints), nada mais são do que formas de se olhar para um dado objeto, corpo ou situação. Ou seja, eu posso decidir olhar para o exercício da raia que vocês fizeram no ensaio de hoje e, mesmo sem ter pedido a vocês, decidir olhá-los pelo filtro da REPETIÇÃO (que é um dos PV). Assim, ao tomar consciência de que devo jogar com resposta kinestética, por exemplo, eu não tenho como privar meu corpo, talvez, de construir formas, gestos, andamentos, relações espaciais, arquiteturas e outros PV variados. A questão do PONTO DE VISTA está no olhar (e na consciência). Eu posso ver um determinado PV em qualquer situação, basta querer vê-lo. Para o ator em cena, ou em jogo, é possível desdobrar ações dentro de um campo específico (mas mesmo que ele se dedique apenas a jogar com FORMA, isso não me impedirá – como espectador – de ver gesto, resposta kinestética, duração, andamento, repetição… e por ai vai).

sexta-feira, 27 de maio de 2011

ensaio 29

27/05, unirio, sala 301
flávia, fred, marília, dominique, nina, diogo, vítor e gustavo.

TEXTO.

trabalho sobre o texto (da última cena escrita). atmosfera (chekhov). gráfico vocal. vontade de estar ali dialogando com o outro.

GRID. RAIA. DURAÇÃO E ANDAMENTO.

mais uma vez, rigor nos cinco movimentos (sentar, deitar, pular, andar e correr)
não existe agachar, fred
sotf focus ou foco suave > olhar periférico
não existe deitar com a barriga para baixo, dodô
não se usa a parede
não se arruma o cabelo, vítor
é um treinamento, sem sala de ensaio, não uma apresentação (certos cuidados deixam de ser cuidado e viram frescura, desatenção)
nina e vítor, não existe deitar de barriga para baixo
usar a parede é tão desnecessário quanto usar a testa. não é preciso nem uma coisa nem outra
cambalhota não existe nesse jogo, vítor
é um grande teste esse tipo de jogo, porque te abre a vontade de fazer certas coisas que não devem ser feitas (não por simples impedimento, mas unicamente para que saibamos lidar com limites)

CENAS.

fred, nina e vítor (e flávia)
uso dos jogos: beijo que cala, lilla que traga, quedar…

dominique e marília (e diogo)
uso dos jogos: beijo que cala, universo gestual…

as cenas revelaram como o texto pode ganhar outro lugar com os jogos. como a cena escreve muito mais do que está escrito apenas como fala textual, no papel.

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Demos uma olhada em algumas passagens do Michael Chekhov (PARA O ATOR). Gustavo também nos trouxe um trecho de um livro de Gabriel Tarde, escritor e poeta francês, no qual fala sobre a possibilidade, a escolha, a liberdade.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

ensaio 28

RAIAS - PRECISAMOS COM URGÊNCIA TRABALHAR DURAÇÃO E ANDAMENTO (VARIAÇÕES DE VELOCIDADE).

Da conversa com Vinícius e Júlia...

ATMOSFERA

GRÁFICO

NÃO ENFEITAR

APENAS QUANDO FAZEMOS ALGO MUITO BEM PODEMOS ENTÃO PECEBER QUE AQUILO É RUIM

MERGULHAR E NÃO JULGAR

A IMPORTÂNCIA DO AFETO E DA CONFIANÇA

TREINAMENTO - O ATOR ATLETA

PASSAR PELO ÓBVIO MUITAS VEZES É NECESSÁRIO PARA QUE TENHAMOS A DIMENSÃO REAL DA COISA

texto decoradíssimo, vamos trabalhar.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

ensaio 28

25/05, unirio, sala 301
flávia, fred, marília, dominique, nina, diogo e vítor.

RAIA.

- atenção ao desperdício de energia, pois o jogo começa intenso e vai se perdendo;
- o rigor na execução dos movimentos como são;
- arrumar a roupa? mexer no cabelo? sair do limite dado pela fita crepe?
- devemos usar a parede para conter a corrida ou devemos usar o corpo para conter a si próprio?
- não hesitar! (se você vai virar, vire! se vai pular, pule);
- não confundir duração com hesitação;
- o coçar do olho vira gesto dentro da raia;

[…]

deitar, andar, pular, gesto escolhido
andar, pular, gesto escolhido
andar, pular, gesto 1, gesto 2
andar, gesto 1, gesto 2
andar, gesto 1, gesto 2, gesto 3
os cinco comandos apenas

tem uma diferença em termos de expressividade dos cinco comandos que os gestos precisam explorar. mexem com planos, são suscetíveis a velocidades diferentes e já são conhecidos.

UNIVERSO GESTUAL (proposição da Nina a partir d’O DIA DO ENTERRO I e II)

TEXTO com Jogos (universo gestual, beijo que cala, 3:1:1).

2. UNIVERSO GESTUAL (a partir das proposições da Nina)
- universo gestual para cada personagem;
- a partir dos textos O DIA DO ENTERRO e O DIA DO ENTERRO – PARTE II.

4. BEIJO QUE CALA (a partir das proposições da Marília)
- para interromper a fala de alguém é preciso dar um beijo nessa pessoa;
- depois que isso acontece cada pessoa deve dar um beijo naquela que fala antes dela;
- o jogo só termina com um beijo na boca (que instaura um clima entre todos).

5. 3:1:1 (a partir das proposições da Dominique)
- o jogo começa com A, B, C ou D;
- A, B e C atacam D ou vice-e-versa (num jogo de repetição gestual e discursiva);
- o jogo chega ao fim com uma revelação trazida pelo jogador E (que estava de fora);
- E traz uma revelação ou ação que rende o discurso dos outros.

SEGUNDA TENTATIVA

inácio move os bolsos, dá adeus;
rita se abraça (na falta de corpo para abraçar);
cecília num encontro das mãos atrás do corpo e empurrando algo para fora de si;
rita mão na boca, no queixo…

marília > falar mais alto.
vítor > não engolir o início das falas.

pra quem vítor sinalizou?

rita agregadora.

BATE-PAPO COM JÚLIA MARINI E VINICIUS ARNEIRO > TEATRO INDEPENDENTE

> ABERTURA DE OUTRO ABISMO, ESSE DO PERSONAGEM, DA PROFISSÃO DE CADA PERSONAGEM – É UM LIMITE;

>> DE ALGUMA FORMA É IMPORTANTE BANCAR DENTRO DA FICÇÃO AS NOSSAS PESSOALIDADES, EM ALGUM LUGAR, ESSAS PESSOALIDADES SÃO FUNDAMENTAIS, POIR VÃO INCORPAR ESSES PERSONAGENS;

>>> ONDE SE FUNDE E ONDE SE SEPARA O PERSONAGEM E O ATOR QUE O INTERPRETA?;

>>>> CONSTRUÇÃO DE DENTRO PARA FORA (COMO VOCÊ SE PORTARIA MEDIANTE A TAL SITUAÇÃO?) – AUMENTO DA COMPLEXIDADE DO PERSONAGEM;

>>>>> PODEMOS PASSAR POR QUALQUER SITUAÇÃO E SABER QUE É UMA PASSAGEM, QUE SE PASSA POR ESSAS COISAS, ESSAS DIFERENÇAS;

>>>>>> O TRABALHO COM ATORES COM REGISTROS MUITO FORTES E INABALÁVEIS. ÀS VEZES É PRECISO ACESSAR UM OUTRO LUGAR QUE NÃO É O LUGAR PRIMEIRO DO ATOR. PARA QUE O ATOR NÃO ENTRE EM UMA SITUAÇÃO DE CONFORTO AO SE FICCIONALIZAR E NÃO DAR SEU CORPO À BATIDA E RESPIRAÇÃO DE UM DADO PERSONAGEM;

>>>>>>> PROPOSIÇÃO DA SINOPSE MAIS DESCRIÇÃO DOS PERSONAGENS. CADA PERSONAGEM LEVANTA UM UNIVERSO. HÁ UM UNIVERSO A SER LEVADO PARA SALA DE ENSAIO SEM CENA. INVESTIGAÇÃO DO JOGO. A ATMOSFERA DE CADA UM;

>>>>>>>> O COLABORATIVO DENTRO DA DRAMATURGIA. O DRAMATURGO PODE OU NÃO SE APROVEITAR DE TEXTOS PRODUZIDOS EM IMPROVISAÇÕES;

>>>>>>>>> DECORAR NEUTRO. O TEXTO EM SI ESTÁ ESCRITO. A QUESTÃO É O COMO. O TEXTO GANHA VIDA NO ATOR;

>>>>>>>>>> O USO DE LISTAS (COMPOSIÇÕES) A PARTIR DO MOMENTO EM QUE AS NOVAS CENAS CHEGAVAM. AFINAÇÃO COM OS OUTROS ATORES, TODOS FAZEM DOAÇÃO AO TRABALHO DO OUTRO. PARA A CRIAÇÃO DE UMA CENA, A PARTIR DO TEXTO RECEBIDO, PODE-SE PROPOR UMA LISTA GRANDE E UM TEMPO MAIOR PARA CRIAÇÃO;

>>>>>>>>> O QUE QUER DIZER ESSA MÚSICA QUE EU FALO? (NÃO NECESSARIAMENTE O QUE EU DIGO, MAS O QUE A SONORIDADE, O RITMO, O SOM ESTÁ DIZENDO);

>>>>>>>> O QUE EU QUERO DIZER COM ISTO QUE EU ESTOU FALANDO (E NÃO ISTO QUE EU ESTOU FALANDO)? – BRINCAR COM ISSO QUE PODE VIRAR ATÉ MESMO UMA ESTILIZAÇÃO;

>>>>>>> A RELAÇÃO DO ATOR COM O ESPAÇO, A CHEGADA, A RELAÇÃO COM O OUTRO. A DISTÂNCIA SUA EM RELAÇÃO AO OUTRO E À PLATÉIA. SE SE COLOCA LONGE OU PERTO;

>>>>>> O ACONTECIMENTO NÃO PRECISA DIZER ALGUMA COISA, ELE PRECISA SER. O TRABALHO COLABORATIVO É MAIS DE NEGAÇÃO DO QUE DE AFIRMAÇÃO. VOCÊ CRIA UMA QUANTIDADE DE NÃO MUITO GRANDE, POR ISSO VOCÊ APRENDE A ESCOLHER;

>>>>> A ESCOLHA DO QUE FICA É UMA ESCOLHA DA DIREÇÃO (E NÃO COLETIVA);

>>>> PERCEBER QUE NÃO É CAPAZ DE CONSEGUIR ATINGIR UM DADO LOCAL FAZ PARTE DO PROCESSO. PODE-SE NÃO SABER O QUE É IR PARA UM DADO ESTADO OU VIVER UMA TAL EMOÇÃO. A PRIMEIRA REAÇÃO É NÃO SABER, NÃO QUERER FAZER. MAS É PRECISO SE LANÇAR, EM SEGUIDA, A ESSE DESCONHECIDO;

>>> SE ATER AOS PEDAÇOS DE DRAMATURGIA QUE CHEGAM. NÃO SE PODE PREMEDITAR, VOCÊ PRECISA ACREDITAR, DEFENDER A CENA POR INTEIRO. O QUE VEM DEPOIS É UMA PEÇA OUTRA QUE SE ENCAIXA;

>> O PROCESSO COLABORATIVO, A MONTAGEM EM PROCESSO, PODERIA SUPOR UMA CENA DESMONTADA. MAS HÁ UMA COSTURA QUE SE DÁ NAS TRANSIÇÕES E QUE REVISTA AS CENAS ANTERIORES;

> NAS PRIMEIRAS CENAS SE DESCOBRE A LINGUAGEM DO ESPETÁCULO. É O TRECHO NO QUAL SE GASTA MAIS TEMPO DE MONTAGEM. A ATMOSFERA.

terça-feira, 24 de maio de 2011

O ator e o personagem

O ator é o personagem e o personagem é o ator.

Fiquei pensando que em um processo como este, uma divisão entre ator e personagem não existe.
Pensei isto a partir da conversa que a Flávia puxou na última sexta. Afinal, quais os limites entre o ator e o personagem? Quando o processo parte de um texto com personagens prontos, esta divisão é clara: o ator não forneceu material humano para a constituição do personagem, por mais que este mesmo personagem escrito possa ser interpretado de várias maneiras diferentes. De certa maneira, o ator recorre ao texto e seu ato de criação está confinado a certos limites dos quais não pode passar.
Porém, aqui, o ator cria o personagem a partir do processo. Fico pensando, e não sei se vocês concordam, que cada um dos personagens de vocês de certa maneira é uma parte de vocês. Não se trata de confundir um com o outro, mas de efetivamente ser o outro. Porque cada pessoa pode ser mil, cada indivíduo pode ser divíduo, a logica da unidade, quando se trata de pessoas, é extremamente frágil. Não somos sempre os mesmos. Em certos lugares, nos comportamos de uma forma. Em outros, de formas diferentes. E tem vezes que temos vontade de fazer coisas que não fazemos e fazemos coisas que não queremos.
O lugar do teatro parece ser essa libertação, ter um lugar onde possamos de certa maneira ser alguma coisa que não somos fora dali.
Fico pensando como cada um de vocês se identifica com o personagem que estão criando, e vêem neles uma pequena possibilidade da idéia de vocês mesmos. Não uma possibilidade boa, ou ruim, mas simplesmente uma possibilidade, ou seja, um possível que poderia não ser trazido à tona a não ser pela concretização corporal vivida ali, no palco.

Posso estar errado, mas é só um palpite.
Gostaria de saber: o que acham?

segunda-feira, 23 de maio de 2011

ensaio 27

23/05, unirio, sala 301
flávia, fred, marília, dominique, nina, diogo e vítor.

AQUECIMENTO DE USO. Adele, Rufus Wainwright, Yann Tiersen, Los Hermanos, Florence and the Machine, Nina Simone, Michael Nyman, The Strokes e Radiohead.

RAIA. imagem final simétrica porém invertida. que bom estar junto de vocês.

CRIAÇÃO DOS JOGOS.

1. (DES)EQUILÍBRIO (a partir das proposições do Vítor)
- construção de formas do corpo no espaço;
- intensificação da qualidade de escuta e no estado;
- pode ser jogado por um jogador (ou mais);
- quando jogado por mais de um jogador (estes devem estabelecer uma relação de quem dura mais tempo no equilíbrio de seu desequilíbrio – sem manifestar tal disputa);
- jogo que pressupõe esse gráfico de energia e termina com um auge de estafamento corporal.

2. UNIVERSO GESTUAL (a partir das proposições da Nina)
- universo gestual para cada personagem;
- a partir dos textos O DIA DO ENTERRO e O DIA DO ENTERRO – PARTE II.

3. QUEDAR (a partir das proposições da Nina)
- um dado personagem cai de súbito > vai ao chão;
- ele pode ser ignorado pelos outros (mas é preciso ver esse ato de ignorar sua queda);
- ele pode ser erguido por um ou mais personagens;
- ele só pode sair do chão um outro o levantar;
- aquele que cai é obrigado a ceder ao levantamento.

4. BEIJO QUE CALA (a partir das proposições da Marília)
- para interromper a fala de alguém é preciso dar um beijo nessa pessoa;
- depois que isso acontece cada pessoa deve dar um beijo naquela que fala antes dela;
- o jogo só termina com um beijo na boca (que instaura um clima entre todos).

5. 3:1:1 (a partir das proposições da Dominique)
- o jogo começa com A, B, C ou D;
- A, B e C atacam D ou vice-e-versa (num jogo de repetição gestual e discursiva);
- o jogo chega ao fim com uma revelação trazida pelo jogador E (que estava de fora);
- E traz uma revelação ou ação que rende o discurso dos outros.

6. A LILLA QUE TRAGA (a partir das proposições de Fred)
- se permitir ser tragado pela Lilla;
- como esse movimento de ser tragado se manifesta? (sempre via um contraponto ao estado anterior);
- se estabele a proporção 4:1;
- os outros não percebem (ou percebem e ignoram);
- a pessoa tragada só sai desse jogo se alguém a tirar (por ação ou verbo) ou se ela chorar.

TEXTO com Jogos.

PRIMEIRA TENTATIVA
sensação de que os (des)equilíbrios deveriam ser mais vigorosos e arriscados;
melhorar a dramaturgia da descrição do apartamento;
interessante como o jogo do (des)equilíbrio cria um estado na fala;
quedar (aconteceu de termos quatro no chão);
usaram a pergunta “O QUÊ?” quando não conseguiam ouvir o texto;
BAGULHO NÃO É DROGA, são todos os objetos dela;

Para Quarta-Feira > trazer decupado os gestos de cada personagem a partir dos textos O DIA DO ENTERRO e O DIA DO ENTERRO – PARTE II.

PRA GENTE NUNCA ESQUECER



A música se chama Oração
A banda se chama A banda mais bonita da cidade
está aí, a vida em poesia, a delicadeza em sorrisos sinceros, o encontro, a música os corpos e os gestos.

domingo, 22 de maio de 2011

ensaio 26

20/05, unirio, sala 301
flávia, fred, marília, dominique, nina, diogo, vítor e gustavo.

flávia começou o ensaio falando sobre o papo que teve com a atriz do teatro de autônomo. sobre ator e personagem, sobre autonomia. como admnistrar? tudo é para o trabalho, não por questões individuais. estamos aqui reunidos por conta da feitura coletiva de uma peça.

expressão. expressionista. a dramaturgia (talvez) dirá tudo em linhas legíveis. a encenação (talvez) transforme as palavras em sonho. portanto, caros atores, por favor, não dividam as coisas. tentem tudo ao mesmo tempo, sem necessidade de divisão. deixem que eu e flávia ordenamos toda essa expressividade.

(transcrevo agora as anotações que fiz sobre os jogos no meu caderno)

 

1) JOGO PROPOSTO PELO VÍTOR

ESTAGNAÇÃO NO DESEQUILÍOBRIO COM FORMAS NO ESPAÇO
MOVIMENTAÇÃO DE ENERGIA INTERNA

desequilíbrio, instabilidade, suporte, equilíbrio, ponta dos pés, inclinação, cadeira, pêndulo

escolhe uma posição e fica nela.

rita – será que quem desistiu não tentou?
inácio – eu não acredito nisso de antes só do que mal acompanhado… eu faço realmente questão…
odilon – seu filho da puta, o que você tá fazendo com o meu corpo?
andréia – eu não vou desistir. eu vou fatiar ele inteiro.

como se come um dragão? com que molho? come assado?…
acho bom ser assumidamente um jogo que os amigos (e não os atores) decidem jogar.

 

2) JOGO PROPOSTO PELA NINA

CONJUNTO DE GESTOS PARA CADA PERSONAGEM A PARTIR DO TEXTO “O Dia do Enterro”

andança, malha, quadriculada, abraço, observação, gestus, pegar das mãos, súbito, correr, tentativa, estica, volta, aperta o queixo, abandonar, raia, erguer do chão, puxar, recusa, dar tchau, selinho, espelho, transferência de peso…

tive a sensação de que os personagens poderiam ter um número fechado de gestos a serem explorados durante toda a peça. a significarem novos significados em cada novo contexto dentro do qual são lançados.

penso na automatização, em como estes personagens talvez ainda estejam repetindo os gestos e movimentos do dia do enterro, ali onde ficaram cravados e onde o horror criou raíz e desde então não mais os abandonou…

 

3) JOGO PROPOSTO PELA MARÍLIA

IR AO CHÃO, SÓ PARAR DE FALAR QUANDO BEIJAR, ELE SÓ SE CALA COM BEIJO

rita – eu não tenho nada contra dragões… o caco nem sabe que eu tô aqui com um dragão.
inácio – eu não faço questão nenhuma de você entre os meus amigos.
cecília – escuta ela não que ela tá maluca.
odilon – a gente tem que aceitar esse filha da puta desse dragão.
andréia – como que se pode fazer com isso? o que se pode fazer com isso?
odilon – vocês já perceberam que é como música, que afeta a gente mas não dá pra pegar?

criatura mágica que põe ovo, cospe fogo e tem sono profundo.
o beijo passa a fala.

odilon – foi davi que matou um dragão?

 

4) JOGO PROPOSTO POR FRED

CONSTRUÇÃO DRAMATÚRGICA A PARTIR DE LILLA,
SEMPRE QUE SURGISSE UM CONTRAPONTO, SE APROPRIAR DELE E SEGUIR FALANDO
O JOGO TERMINARIA COM UMA FALA E/OU AÇÃO INESPERADA

lilla tinha 1,70m
ela nunca soube o que fazer da vida dela
inácio, o meu sonho é ficar preto que nem você
lilla não sabia sambar nada
ela ficou em dúvida entre artes plásticas e cênicas
agressiva na pintura
firme
ela era uma pessoa feliz

quando eu tinha a sua idade eu também pensava assim, dizia lilla
a gente ficou um ano sem se falar, disse cecília
eu nunca fumei baseado, disse cecília
você tá querendo enganar o dragão, só se for, disse inácio
madurinha, diz odilon sobre rita

mostra o seu dragão pra gente
gente, tá na hora do dragão acordar. a lilla me falou que ela acordava 12h15.
o dragão é dragoa e ele gosta de beatles.
tem que tratar que nem cachorro!
domesticar o dragão. coleira. ser amigo dele.

ele pode ficar um tempo na casa de cada um.

fica de castigo na casa do odilon, que é um pouco pequena.
gente, não tô legal de inventar brincadeira pra não falar do problema. tem um dragão.
INSETIZAN. apareceu um dragão e agente liga pro insetizan.
uma coisa que eu aprendi com minha amiga historiadora é se não podemos vencer um inimigo, vamos ser amigo dele.

 

5) JOGO PROPOSTO PELA DOMINIQUE

3 JOGADORES (A,B, C)CONTRA 1 (D), O OUTRO RESTANTE (E) SE DISTANCIA DA DISCUSSÃO E SOBRA FORA, ATÉ QUE INTERROMPE A DISCUSSÃO FAZENDO UMA REVELAÇÃO SOBRE O DRAGÃO

sensação de coro (duplas, trios) gesticulando e falando a mesma coisa para uma única pessoa
extremamente opressor
o beijo cala a boca de novo

TIÃO, o amigo do caco que pode resolver isso de matar o dragão (revelação!)

 

os jogos foram dados. discutimos sobre a diferença entre sistemas dramatúrgicos e jogos que estimulem a criação de formas, gestos, movimentações… estamos em busca desses outros jogos. mas, de tudo o que foi lançado, faremos uma decupagem e encontraremos nosso jogos!

Ensaio 20/05

Flavinha,Vitor,Dodo,Fred,Nina,Gustavo,Diogo e Marília.

Sentamos em roda,Vitor ainda por chegar,conversamos sobre as últimas postagens do blog.

Vitor chegou.

Tivemos tempo para conversar entre nós sobre os jogos que nos propusemos,entender as regras de cada jogo proposto,decidir ordem que realizariamos tudo.Decidimos tentar nãodeixar evidente que jogo era de quem.Iníciamos e entre cada jogo iriamos todos para fora da sala retomar regras e o que fosse preciso.Ordem proposta logo no início:jogo do Vitor,jogo da Nina,jogo da Marília,jogo da Dodo e jogo do Fred.

Começamos com o Vitor que já envolvia proposta de aquecimento.Desenvolvemos.Saimos.Voltamos para as raias e ações propostas pela Nina.Desenvolvemos.Saímos.Voltamos para o jogo que propus.Desenvolvemos,mas quando ele terminou(estávamos todos no chão,um deitado na barriga do outro) o movimento não foi de sair.Depois de um longo silêncio começamos a jogar o jogo do Fred,que também terminou em silêncio no chão.Desse momento emendamos no jogo da Dodô com todos levantando aos poucos.

Houveram adaptações ao longo da prática dos jogos.

Flavinha teve que ir.Sentamos em roda e Di perguntou porque só 3 jogos.Explicamos que após o terceiro um emendou no outro.De fora talvez tenha dado a impressão que estendemos demais ou faltou encerrar,mas de dentro acho que nos acompanhamos.Foi muito produtivo.

Me marcou especialmente: falar os textos no desequilíbrio proposto pelo Vitor,os gestos/ações propostos para cada personagem no jogo proposto por Nina(Rita:transferencia de peso aoencontrar Andreia,faz tchau para Inácio e logo o abraça como se não pudesse partir e levanta com a mão rosto de Cecília enquanto ela faz o mesmo gesto com Rita), Nina chamando o Dragão do quarto como se fosse um cachorro e propondo canções de ninar,as coisas que agregamos a história da Lilla no jogo do Fred (O que Lilla fazia quando fumava um...) e os agrupamentos/enfrentamentos e revelações que surgiram no jogo da Dodo (Nina,Fred,Vitor contra mim e Dodo neutra; eu neutra, Fred,Nina,Dodo contra Vitor;que mais?quais foram as revelações?;acho que tinha algo como:teremos que ficar amigos desse dragão.Cada um vai levar uma parte dele para casa).

obs: Jogo Vitor

1a parte: sistema para aquecimento.Todos passarão por: 20 abdominais,20 flexões,imitar lagarto, girar na parede) + anjinho feliz.

2a parte:terminado aquecimento procurar posição de desequilibro no espaço.Dali falar o último texto.Se desistir do equilíbrio sentar se a frente e dizer questões a cerca da competição (Vale a pena?Quem desiste não tentou?Tentou mais?Menos?)

Jogo Nina:

 Raias flexíveis pelo espaço.Cada personagem tem comandos distintos para operar ao encontra outros personagens.

Jogo Marília:

A partir do texto que inicia com Inácio dizendo: "Conta pra eles, Rita.",selecionei :"Tá um pouco na moda,né?Se matar?", "A boca do Inácio só se fecha com beijo,já perceberam?","Enquanto alguém não pula em cima dele ele não fica quieto.", "Eu não.Mas vamos fazer assim.Quem conseguir chorar primeiro pode exigir do outro que responda uma pergunta sua...Ou obrigar o outro a fazer alguma coisa!".

Tomei a liberdade de me apropriar para esse jogo da frase: "E só se fica mesmo amando bastante.",da postagem "Caminhada" e do último texto que recebemos.

Tendo como base o exercicio que fizemos quarta,dia 18/05,de percorrer o espaço de acordo com as indicações dadas no último texto (que começa com "Meninos?Tia Anita? A Rita chegou.Tem alguém aqui?")o jogo propunha usar a mesma estrutura de entradas e saidas,mas tracaríamos nossas falas por um fluxo continuo sobre o dragão que ali estava.Para conseguir responder ao outro era preciso pular sobre o outro e encher-lhe de beijos.Na medida que o texto fosse acabando, cada um a seu tempo se mataria,iria ao chão.O último que restasse poderia exigir do outro que respondesse uma pergunta sua...ou obrigasse o outro a fazer algo.

No início alguns entraram dando um pouco sua fala e depois entrando no fluxo sobre o dragão.No desenrolar desse jogo fomos desistindo de pular sobre o outro com beijos e no final  novamente não exigimos de alguém uma pergunta ou uma ação.

Jogo Fred:

Uma pessoa começa a falar sobre a Lilla e os outros interrompem dando contraponto,comentando e interferindo no que foi dito,negociando com quem fala.Todos passariam por esse lugar de falar da Lilla.

Jogo Dodo:

Três se posicionam contra um e quinto elemento fica neutro até por fim fazer intervensão reveladora.
Todos devem passar por todos os lugares.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Lenha > devidamente colocada < na fogueira

Marília comentou uma postagem anterior:

Li "A Morte do Autor" e vou colocar lenha nessa fogueira.Alguns trechos me lembram indicações sobre como poderiamos explorar o VP.Como uma escrita livre,sem se preocupar em fazer sentido.Quem reúne tudo é o leitor.Para que ele nasça é preciso que o Autor morra...
Identifico esses elementos,mas tenho dificuldade em visualizar sua prática.Me parece um debate teórico interessante para a renovação dos críticos tradicionais.Mas não alcanço todo seu extremismo.
Minha impressão é que todos fazem sentido.Será que as coisas precisam morrer porque não puderam coexistir?Será que é preciso dizer da morte do autor apenas para dar espaço ao leitor?Todos deveriam ter espaço,inclusive,como lembram os linguistas,as próprias palavras.Não?

Como eu vejo:

Sim, são indicações para vocês, atores. Vocês são autores dessa parada. Por vezes, é menos o que eu acho e mais o que a minha presença ali é capaz de formar. Não vamos dar conta de todos os sentidos. Por isso, eu e Flávia (“do lado de fora”) somos mais leitores do que autores. Somos mais espectadores do que diretores.

Paradoxo. Total. Ora, como eu peço a vocês que escrevam e como peço, ao mesmo tempo, que deixem o corpo escrever sem pensar nem se preocupar em caprichar no que estão dizendo? Não tenho resposta para essa pergunta. Para mim, algumas questões morrem solteiras, sem resposta.

Dificuldade em visualizar sua prática. Claro. Você não tem que visualizar nada. Não estou sendo grosseiro. Estou sendo sincero. Você não visualiza. Você realiza. E há um abismo entre uma ação e outra.

Sua impressão de que todos fazem sentido. Bom, mais uma vez, devo dizer, quem disse que é pra fazer sentido? Assim, se questionarmos essa verdade universal (?!), acabamos por nos ter com o básico: não tem que fazer sentido. Não necessariamente. Isso tira de nós uma exigência histórica e libera o corpo para a façanha de estar vivo e afetante, afetável.

Quais questões são questões e quais questões são falácias?

Selecionar o drama.

Não vale à pena morrer por qualquer coisa.

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quinta-feira, 19 de maio de 2011

Entrevista com Juliano Garcia Pessanha



Pessoal, a entrevista é curta e ficou muito boa. O depoimento do Juliano acerca da escrita que só pode vir se estiver colada ao corpo, da fala que só pode aparecer se a ferida se abrir, se aproximam e se amigam daquilo que no momento estamos tocando. Vale a pena assistir.

O DRAGÃO (POR ELES) CAVALGADO

É pessoal e intransferível.
Cada qual tem o seu.
Desde os inícios.

No entanto, por um tiro certeiro e preciso, eis que agora reina no centro da sala esvaziada, um dragão de ronco lento e pesaroso. Um dragão entristecido.
É que no exato instante em que Letícia se lançou pela janela, ela deixou o bicho preso ali dentro do quarto. Ela se lançou porque o dragão a sufocava o íntimo. E então, certeira, da forma como era preciso, ela desistiu.
Só que dragões são grandes e invisíveis. São metáforas não porque não existam, mas porque vê-los seria para o homem um risco final a cortar sua pele e revelar o próprio íntimo. Seria algo como a morte súbita e sem explicação.

Mas ele ainda existe.

Só que os pais de Letícia lacraram a janela do quarto. Poucos dias após sua morte, eles decidiram sem dizer palavra alguma que era preciso apagar o fato – duro como um muro de pedras – de que sua filha preferira o salto ao jantar.
De que Letícia preferiu partir do que tentar resolver tudo como sempre achavam terem resolvido: ao redor da mesa da sala.
Então o medo cegou seus olhos. O pavor da culpa, a tentativa de atar o que para sempre será desatado. Eles cimentaram a janela. Mas o horror persistiu no branco da parede do quarto. O horror voa solto em meio ao vento empoeirado.

Ele morre aos poucos.

No entanto, persiste no quarto já sem cama ou armário. Ele ali apavorado, sem compreender porque o mundo o repudia e se afasta do seu bafo (o baforar de um dragão é seu primeiro contato; sua forma quente de dizer prazer em conhecê-lo).
Ele ali dentro irritadiço e machucado, fazendo sobre as coisas de Lilla alvoroço e estrago. Despencando caixas, procurando comida, revirando roupas e seguindo o cheiro dela que partiu. O que ele procura talvez seja só o seu abrigo que ruiu. Mas como achá-lo se a janela foi lacrada?

Ele desde então não fechou os olhos.

Pois dois meses antes, dormia dentro de Lilla incontido. Queria ser o que a garota em seu íntimo alimentava em segredo. E o íntimo dela era ele, o dragão que agora repousa sem casa ainda é a Lilla, porém com a face desarranjada.
Dois meses depois, eis que ali se encontram os amigos de Letícia para dividir entre si os pertences dela que ainda ocupam o quarto. O apartamento vazio e semi-reformado, aguarda – ansioso – a saída desse dragão para ser vendido ou alugado.

Ele não foi brincado.

Porque Lilla não conseguiu cavalgá-lo. Por isso ele está preso no quarto, como se estivesse de castigo. Ela pediu licença sem pedir, ela fugiu sem deixar bilhete. Isso é tudo o que sabemos. Mas ali, dentro do seu quarto, o dragão se comove com o manuseio dos amigos que um a um, adentraram sua prisão e dela retiram todas aquelas coisas que ele mesmo já havia vasculhado. O dragão, preso dentro do quarto, aos poucos se sente menos enclausurado.
Cecília informou aos amigos: sobrou aquela pelúcia, alguém vai querer? Não, ninguém quis, ninguém disse nada. Dentro do quarto por agora só mesmo o dragão e uma pelúcia estranha, judiada e conhecida. Eles se olham. Estáticos. Que estranha semelhança essa que nos aprontaram, talvez um deles pense.

Ele brinca com a pelúcia e a destrói.

Enquanto na sala, os amigos não cavalgam aquilo que Lilla não soube cavalgar. Eles ali na sala reunidos hoje tentam cavalgar a si próprios (sem saber ao certo que coisa estranha é essa que carregam dentro de si). O vazio, o buraco, o silêncio, a azia, o tempo, a loucura, o mito, o que não tem nome, o inominável, o nó, o vácuo, o absurdo, este absurdo imenso que não parece fazer sentido e que, no entanto, dói.

Doo logo existo.
Então,

De que modo ultrapassar uma coisa que não admite resolução?
Eis o título de nosso espetáculo:

Caetano cantado You`re Gonna Lose That Girl

quarta-feira, 18 de maio de 2011

ensaio 25

18/05, unirio, sala 301
flávia, fred, marília, dominique, nina, diogo e vítor.

PANO.
RAIA.

Mais uma vez esse tipo de jogo me levanta trilhões de questões. Por exemplo, o que significa um ator agachar ao invés de se sentar? Parece preocupação boba, implicância, mas para mim é sobretudo algo de fato transtornante. Esse jogo se dá na manutenção de seus limites, de suas regras. Quando estas são ultrapassadas, pode-se dizer que um novo (ou mesmo outro) jogo se cria. E não é esse o interesse aqui.

Dos atores é cobrado o olhar na linha do horizonte. Não se pede necessariamente inexpressividade, pede-se apenas que deixem a articulação de seus movimentos sob autoria do acaso, da resposta automática (e não acostumada). Nós que aqui de fora estamos vamos juntando as partes e fazendo o todo ser sensível.

É um exercício para não fazer sentido. É, antes, para fazer sensação. Agragados sensíveis. Para dar arrepio. E, via isso, promover comunhão.

Não é ballet de movimentos precisos. É antes resposta. Eu não respondo ao nada, eu sou resposta concreta a alguma coisa que me afeta, resposta a algo que me perfure e invada. Mas não há tempo de teorização. Não há tempo para isso que aqui eu escrevo. Eu, jogador, eu, ator, devo estar atento ao instante apenas no qual meu corpo é atravessado pelo seu (mesmo quando não juntos).

ENTRADAS E SAÍDAS.

Rita > SALA; MENINOS
Inácio > QUARTO > SALA BU! > QUARTO IDIOTA;
Cecília > SALA OI > QUARTO ELE;
Odilon > SALA RITINHA;
Rita > SALA > PORTA DE ENTRADA ANDRÉIA;
Cecília > QUARTO > SALA ODILON;
Inácio > QUARTO > SALA VEM;
Andréia e Rita > PORTA DE ENTRADA > SALA OLHA FORÇA;
Cecília e Inácio > SALA > QUARTO VEM CADERNINHO;
Andréia > SALA > QUARTO TROUXE > SALA JANELA;
Odilon > SALA > QUARTO VOCÊ VIU;
Cecília, Inácio e Odilon > QUARTO > SALA PAREDE BAGULHO FECHADO.

TEXTO.

cheguei qualquer coisa eu tô aqui tá?

bu!
não, eu tô cansada.

oi, você tá com medo?
estranho fica comigo.
tô lá no quarto.

18 andares.
eu não quero falar sobre isso.
custava ficar parado.
andréia.

ele não sabe dividir.

vem, cecília, pra depois não falar que eu tô roubando.

palhaçada.

olha.

vem, bloco de notas.

eu não trouxe comida. a gente veio aqui pra resolver coisa prática.
eu posso ir ao banheiro.
não tem nada.
você viu?
seus olhos?
sim.
pano de chão, tudo empoeirado.
eu vou ver no quarto.
deixa a rita.
tá sendo complicado.
alguém achou que ia ser tranquilo.
restaurante.
ninguém tá falando disso.

como você tá fazendo pra se esconder?
me esqueci.
como você explica isso?

vocês viram o que eles fizeram, as janelas tá tudo cimentado.
como se não tivesse nada ali, como se tivesse sido tudo daquele jeito.

temos que dividir as coisas.
eu quero embora.
cala a boca, inácio.
eu achei uma puta escrotice.
eu tô com fome.
para de fingir tranquilidade.
cada um vai e pega uma coisa.
isso aqui não é shopping center.
vai, gente, não vamos ser velho.
vai ser divertido.
acabar logo com isso.

ESTÍMULOS PARA CRIAÇÃO DOS JOGOS:

1) ESTÍMULO GERAL:

Futura postagem intitulada O DRAGÃO POR ELES CAVALGADO;

2) ESTÍMULOS ESPECÍFICOS:

Fred – texto produzido para ensaio O DIA DO ENTERRO;

Nina - texto produzido para ensaio O DIA DO ENTERRO – PARTE II;

Dominique – cena produzida para ensaio iniciada com a rubrica Sala imensa de paredes vagas recém-pintadas a branco cor de morte…;

Marília - cena produzida para ensaio iniciada com a fala de Inácio – Conta pra eles, Rita;

Vítor - cena produzida para ensaio iniciada com a fala de Rita - (entrando) Meninos? Tia Anita? A Rita chegou. Tem alguém aqui?

 

Do blog de VAZIO É O QUE NÃO FALTA, MIRANDA, retiro o seguinte trecho de um relatório de ensaio:

Por último, a Flávia comentando a improvisação disse que enquanto jogava no registro META, tudo o que era feito lhe soava como DESISTÊNCIA. Enquanto que no registro TEATRO, os movimentos sugeriam TENTATIVA. Desbravando sua fala, percebemos, que tudo o que no regristro VIDA soa como desistência, pelo TEATRO se converte em tentativa. E isso é lindo. E sinceramente, sincero ao extremo.

 

Ler os relatórios dos ensaios, sobretudo, a parte sobre as raias.

Cronograma dos próximos ensaios.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Caminhada

Um susto desse parece abrir na vida um buraco sem cura. Nada que chegue para tampá-lo é capaz de suprir. O muito é sempre pouco. O pouco é medida inexistente. Por isso a desmedida passa a operar a sorte de alguém que assim venha a ficar doente.

Eu havia adoecido. Assim, nada supria. Nada resolvia nada. Tudo em estado aberto permanecia. A dor, os olhos (mesmo quando fechados). As pernas vagavam sobre a cama. O suor seguia escorrendo, mesmo no inverno, mesmo em ventania. A fome era sempre voraz. A sede constante. Eu havia adoecido e meu corpo clamava por conserto.

Então num dia qualquer, num dia desses em que nada funciona. Num dia desses eu me percebi andando numa calçada em frente a uma igreja. Igreja Universal do Reino de Deus. E eu pensei, meu deus, que foi que eu fiz pra merecer tudo isso? O tudo isso não era nada demais. Era de novo e mais uma vez aquele buraco imenso e desproporcional. Eu me perguntava (em silêncio) como pode haver dentro de mim um buraco maior do que eu mesmo?

Eu fui tragado pela poesia. Dentro de mim vivia a metáfora mor que a minha vida em mim detinha. Foi estranho. Foi desmedido. Eu então pensei, o que fazer? Talvez fosse o caso de deixar meu corpo ser tragado por um poema, por um verso ou aliteração. Eu passando frente aquela igreja, estava um dia frio, era início-meio de tarde e eu indo rumo à universidade, pensando, meu deus, eu preciso sair do lugar. Eu preciso resolver isso que me mata. Selar o encontro com este horror e andar, de fato, como quem move as pernas e nisso move também todo o mundo.

Então eu decidi. Quer poesia maior do que aceitar amar o mundo? Amar as pontas os riscos amar os sustos? Eu decidi naquele dia que quanto mais amasse maior minha dor seria, mas ao mesmo tempo, quanta mais doesse maior também seria este amor de mim saindo rumo à inércia das coisas. Eu decidi me perder. Eu decidi amar incondicionalmente mal surgisse a manhã de cada dia.

Parece clichê. Eu me condenei. Eu me achei poeta demais. Mas continuou. Virou rima tenaz. Virou pele e não esconderijo, virou fachada. Eu amando as coisas ao redor virou minha forma de permanecer às coisas ligado. Virou forma minha e pessoal de permanecer vivo. Ora, eu havia sido convidado por uma amiga a ir junto no seu abismo. Mas não quis. Quis ficar. Com a imagem colada à retina daquele abismo imenso que a engolira. Eu quis ficar. E só se fica mesmo amando bastante.

Este relato é poesia. Este relato é sinceridade em concentração. É uma forma minha de dizer a vocês como foi que eu resisti ao que veio antes e depois. É luta vã. Mas é nobre. Lutar para garantir a si próprio o direito de perder. Eu perdi uma amiga. Mas assino embaixo do meu direito em perdê-la. Assino embaixo – e em negrito – a dor minha convertida em poesia, em clichê, em potência, de volta à vida.

Foi assim, de um dia para o outro, no cruzar de uma rua nesta cidade do Rio de Janeiro. Foi ali, meio lacrimejante, que eu decidi viver para além do permitido. Talvez por isso eu esteja hoje tocando nesse assunto tão improfícuo. Dele, creio eu, brotará a necessidade do seguir.

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Diogo Liberano

domingo, 15 de maio de 2011

Não sei porque mas algo me diz que cantamos esta música juntos, em algum momento da peça.

Ouço uma voz me dizendo que sim, esta música é cantada por todos nós. Uns podem achar que a tal da voz é a tal da intuição mas eu acho que a tal da voz é de nome Lilla, que também cantaria junto.

sábado, 14 de maio de 2011

Receita para preencher os vazios

          Dia 11 de setembro de 2010. Logo assim, no inicio do mês, que é quando a gente ainda tem dinheiro para alguma coisa além do separado para pagar as contas. Eu tinha me mudado há uma semana e combinei esse jantar com antecedência. Antes mesmo de me instalar por inteiro lá, já havia combinado com a galera que no segundo sábado do mês, e o primeiro depois da minha mudança, faria um jantar para abrir as portas para meus lindos amigos. Só para eles mesmo porque não curto muito tumulto dentro da minha casa. Então, todo mundo já estava com esse evento anotado na agenda.
Eu tinha me mudado para o mesmo Bairro, Bairro de Fátima.  Mas agora estava saindo de uma Kitinete para um apartamento com cozinha (grande e essencial), sala, um quarto e um banheiro. Então, como quem sai de um lugar micro e vai para um maior, o apartamento parecia grande demais para a quantidade de moveis. O Odilon tinha me ajudado a fazer a mudança durante a semana, disse que estava em uma semana tranqüila no trabalho, alias eu sempre acho que o Odi tem semanas tranqüilas no trabalho, mas confesso que deva ser uma implicância minha, por que ele sempre está carregando muitos papeis consigo.  A cozinha era a única coisa preenchida naquele apartamento, tinha tudo que eu necessitava. Comprei muitas coisas à prestação, mas não podia não ter uma cozinha completa. Na sala, só um tapete branco, uma pilha de livros de gastronomia e meu Laptop com duas pequenas, porém potentes, caixas de som. No quarto, minha cama e um armário de duas portas pequeno.  Hoje já está tudo mais preenchido. Tem um sofá na sala e duas prateleiras para os livros. No quarto já mudei o guarda roupa ,tudo à prestação, a coloquei cortinas, porque por um tempo foi impossível conseguir acordar depois das seis e meia da manhã, devido ao Sol.
  Havíamos marcado às 19h, mas como era de costume, ninguém chegava na hora marcada. Eu tinha decidido fazer  tagliolini negro com tomate seco, rúcula e vieiras grelhadas. Os meninos ficaram de trazer as bebidas, mas já tinha duas garrafas de vinho na geladeira por precaução, e a Rita de trazer a sobremesa (eu adoro o bolo de fubá da Rita). Obvio que, como sabia que a Cecília ia implicar com as vieiras, fiz uma segunda opção de molho para o tagliolini, mais básica e com cara de receita de mãe: molho branco. Estava tudo quase pronto, faltava só a parte final de ir com as vieiras à frigideira e montar os pratos.  Eu fiquei cerca de 45 minutos esperando a primeira pessoa chegar. Fiquei ali, perdida na imensidão da minha pequena sala sem móveis sendo tortura pelo excesso de branco que nela existia, ou seja, parede, piso e tapete. A campanhia tocou dei um pulo do tapete, e fui correndo abrir a porta. Era o Inácio e a Rita. Ele vestido com uma blusa branca social, combinando com o branco dos dentes e da parede e do tapete. Enfim...  Ele trazia três garrafas de vinho e já entrou entrando, sorrindo e dizendo “cadê os moveis dessa casa, Andréia?”, por trás de um sorriso debochado. Obviamente eu já esperava esse tipo de brincadeira do Inácio. A Rita, com um vestido todo verde musgo, entrou mais tímida, com um pote que continha a sobremesa nas mãos, entrou olhando tudo, o tudo era muito pouco, ficou na sala dizendo “Nossa, que bonito isso... que bonito aquilo”, não consegui entender muito bem, acho que ele ficou admirada com os espaços vazios, é coisa pouca na casa dela. Os levei para conhecer o meu grande apartamento. Claro que a cozinha era último lugar da casa que eu mostrava. Quando a Rita entrou na cozinha, ela deu um grito. Eu fiquei orgulhosa. Era linda mesmo. E o Inácio foi entrando, abrindo a geladeira, guardando os vinhos e já abrindo as tampas das panelas e fazendo aquela carinha de criança quando sente cheiro de Mc Donald. Rita e eu ficamos falando sobre cada detalhe, ela falando porque o Caco escolheu tais e tais coisas para cozinha deles e eu dizendo da importância do balcão para cortar e separar os alimentos antes de ir ao fogo.
     A campanhia tocou novamente. A gente fez uma aposta para ver quem adivinhava o próximo à chegar. A gente não conseguia definir em quem cada um ia apostar e o que quem ganhasse ia levar. Essa mania de quase tudo ser motivo de adivinhação nossa! A companhia tocou de novo, e o Inácio disse: Cecília! Eu discordei e disse “pelo peso do dedo deve ser o Odilon”, e Rita olhou com uma cara de “ só sobrou a lilla para mim né?”. Fomos unidos e ansiosos, abrimos juntos a porta. E pela surpresa era um vizinho. Bem bonito. Os três ficamos parados olhando sem conseguir esboçar qualquer tipo de ruído. Não sei o que os meninos pensaram, mas eu pensei: CASA COMIGO! Ele, o vizinho, falou: Oi! Boa noite, desculpa incomodar, mas estou precisando de sal, teria como arrumar. E os três respondemos que sim com a cabeça. Ele continuou olhando esperando que alguém se mexesse. E eu não sei como a Rita não percebeu o olhar do Inácio para o vizinho. Ela, de repente começou a falar descontroladamente, dizendo que sim, que claro, que ia pegar, que mil coisas, e foi entrando puxando o rapaz pelos braços e o levando até a cozinha. Assim, que ele cruzou por nós dois, Inácio e eu, tivemos uma crise de riso, dessas que parece que não vão acabar nunca, que você sabe que só vai acabar quando você já estiver no chão, doendo, e sabendo que trabalhou o abdômen pela semana inteira. Eles voltaram e a gente rindo, ainda em pé, querendo controlar o som. E controlamos por uns segundos. O rapaz bonito vizinho disse: obrigada. É você que mora aqui, né? Eu disse que sim. Que a casa tava aberta. Bastou para o Inácio soltar o que tava preso na garganta e cair no chão de tanto rir. Eu querendo me tacar junto ao Inácio naquele piso gelado, dei boa noite e sorri. Depois de um tempo fui descobrir que o nome dele era Pedro. Ai Pedro! Assim que o Pedro deu as costas, me juntei ao Inácio e pude ver a Lilla saindo do elevador cruzando com ele e nos olhando aterrorizada , olhando aquela imagem de duas pessoas no chão, morrendo de tanto rir. A Rita, que ficou ali em pé o tempo inteiro, como se não tivesse sido desestabilizada, tentou esboçar alguma explicação da situação para Lilla que já entrou dizendo “Nossa! PELAMORDEDEUS! Alguém me explica esse homem?”. Acho que estávamos mais rindo dessa cena clichê de filme americano do que de todo mais.  Enfim... entramos e nos jogamos no tapete. Sem sapatos, claro. Por que o branco merecia continuar branco, segundo a Rita. Os calçados ficaram na porta. Ah! A Lilla trouxe algumas almofadas para colorir a sala. Estão aqui até hoje. Tem uma aparência meio indiana, acho bem bonita. Lá pelas 21h chegou o Odilon, com um garrafa de vinho. Eu achando que era algo especial, por que era a marca da primeira garrafa de vinho que dividimos. Não sei se ele se lembra. Achei fofo. E ele sorrindo assim. Não sei. Não comentei nada. E nós ali, sempre nos esparramando pelo tapete, e pelas almofadas indianas que a Lilla trouxe. A Cecília estava atrasada. Alias estávamos vivendo todos os nossos clichês, mas mesmo assim era sempre surpreendente esse encontro. E nossos estômagos já estavam em buracos de tanta fome. Os meninos dizendo “Déia, libera a entrada logo”. E eu e Rita defendendo que tínhamos que esperar a Cecília. A Lilla nem se posicionou, tirou uma barra de chocolate da bolsa e fez nossos estômagos sorrirem. Eu fiz uma de irritada, a Rita logo saiu do meu lado e se tacou no chocolate, sempre dizendo, cuidado para não cair no tapete, meninos. Eu querendo comer tanto aquele chocolate, era uma barra de “Suflair”, mas me virei e fui colocar as fatias de pão no forno. A Lilla foi ligar para Cecília,  e gritou que a Cecília já estava chegando. Gritei a Rita, que apareceu assustada, com cara de quem achou que estava pegando fogo na cozinha. E logo atrás dela, às duas cabeças na porta da cozinha ( Lilla e Inácio), obvio que para fazer graça. Falei para colocarem uma música qualquer, e a Lilla disse “nada nossa é qualquer”, eu sorri dizendo, “ ai Lilla para de fazer poesia”. Mas antes mesmo de se virarem para sala, a nossa trilha surgiu. Ai Beatles! Ai Odilon! Ele sempre acerta a trilha.  Fomos para sala pulando e gritando : help I need somebody! E nos ali já nos precisando e nos pertencendo, só à base da Minalba. A campanhia tocou. Obvio que era a Cecília. Inácio disse, vamos nos esconder! Como se aquilo já estivesse no pensamento de todos, não houve nem tempo da fala, cada um correu para um canto. Inácio foi para no banheiro, Odilon e Lilla para quarto. O primeiro embaixo da cama e ela no guarda-roupa, segundo eles. A Rita falou, gente que bobeira... Tá Rita mas não conta! Alguém gritou. A Cecília entrou, falou com a Rita, eu estava escondida, ou achando que estava, escutando ela impaciente, e eufórica dizendo, que era aniversário do 11 de setembro, das quedas das torres, e que tava cansada dessa política, e de toda a propaganda que desvirtua tudo. E falou e falou. E nos já petrificados, estáticos em nossos esconderijos. Eu já com cãibra, a graça já perdida, por que a Cecília não parou de falar de política, e a Rita querendo avisar alguma coisa esboçada num “ é... entendo.. mas acho..”. Até que senti um cheiro de queimado. Acho que era isso que a Rita queria esboçar. E surgi de baixo das almofadas, a Cecília deu um pula, eu corri para a cozinha. O Inácio veio correndo e disse: Ta queimando! Oi Cecília! Pô estragou nossa brincadeira! Eu voltei pra sala. Queimou! O pão, a torrada, pareciam carvão. E o Inácio e Cecília riram, mas riram tanto , como só eles dois conseguem quando se olham e pensam no mesmo absurdo. E eu desesperada, achando que o mundo ia acabar por causa de umas torradas queimadas. A Rita tentando improvisar alguma coisa e me acalmar. Desisti da entrada. Desistimos. Voltamos à sala, Rita e eu, com duas garrafas de Vinho, para o primeiro brinde. Faltavam a Llila e o Odilon, que ainda não tinham surgido. O Inácio, foi ver. E voltou dizendo. Ah eles estavam se beijando. E riu. Mas eles tinham voltado normal. e reclamando: “ ô gente, custava alguém avisar que já tinha acabado a brincadeira? Fiquei espremido embaixo daquela cama. Tô todo torto” , mas sorrindo. E eu até hoje não sei se de fato eles estavam se beijando ou se aquilo era mais uma brincadeira do Inácio. Era uma invenção do Inácio sim! Claro. Porque era obvio que eles não tinham nada a ver. E eu e Odi tínhamos algo, porém não mais concreto, mas algo. E eu não sei se.. Não sei... a Lilla nunca falou nada.  Ai Inácio disse, “Calma Déia! Falei brincando!”, e eu sorri como quem diz claro, isso nem me afetou. Gente! Vamos comer, acho que foi a Cecília. Foi. Foi sim. Porque logo a Lilla foi abraçá-la dizendo “Ah dona mimada, você é a última à chegar e ainda quer tudo pronto? Muito bonito!”. A Lilla adorava abraçar. Tudo era motivo de abraço. Acho tão bonito. Achava. E o cheiro de queimado continuou na casa.  Fui para a cozinha. Finalizei e desenhei o prato de cada um. A Rita, deu uma de assistente, como sempre adora fazer quando estamos juntas na cozinha, e foi levando para a sala os pratos. O da Cecília é essa com molho branco. E todo mundo reclamou. Ah! A Cecília é sempre especial. Ela não come frutos do mar, fazer o que. O Odilon Abriu um vinho, o Inácio outro. E brindamos, com sorriso e vinho, o nosso compartilhamento todo. O Inácio disse: à nova casa linda, porém sem mobílias da nossa Andréia! Ai, gente. Amo o Inácio. Ele consegue ser fofo, mesmo quando e irritante. Mas a Ciça logo o reprimiu com olhar de reprovação como quem diz, você não existe, como pode? E bebemos e comemos. E todos quiseram provar o prato da Ciça, que, tadinha, acabou comendo pouco. Eu disse. Tem mais. E todos correram para a cozinha. E repetiram, o molho branco. Acho que não curtiram a vieira. Alias Inácio ficou comendo para fazer uma de fino. Mas de fato, o sucesso foi o molho branco. E depois dançamos. E o som que já tinha voltado à ser música desde o início do mastigar, agora já não tocava mais Beatles, já tinha passado por Bethania e Caetano, e já tava na Britney. Ele ia assim, acompanhando nossa quantidade de álcool do organismo, porque já tinham mais duas garrafas abertas. E eu nem lembro como isso se deu. Quando tocou BSB, Lilla e eu dançamos tanto e rimos lembrando do show do maracanã. Que ficamos numa fila horrorosa, enorme, por horas. Uma coisa que a gente não acredita que fez. E depois todos dançaram. A Rita dançava e sentava, fingindo às vezes não fazer parte daquilo. Mas claro que fazia. E o Odilon, com essa mania de caderninho, ia nos olhando e nos anotando. A Ciça sorria e diziam, cuidado com os copos, enquanto Inácio amassava Lilla, Rita e eu contra a parede num grande deboche, porque a Rita ficava um pouco desesperada, e dizia: O copo, o vinho, o tapete, cuidado... Espera aí Inácio! Mas sorria.  Ai... 
......
........
Muitas coisas...
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Ai Tocou Zezé de Camargo e Luciano, “É o amor”. Eu me perguntei e me pergunto: Como isso veio parar na minha Playlist. Mas não importa. Foi bom. Porque nos tornamos um corpo só. E o Odi veio nos abraçar. E a Ciça Largou o cigarro na janela e ficamos cantando, berrando. Foi lindo! E cafona. Mas já disse, somos o melhor dos clichês. A gente se encaixa muito. Mesmo quando nos gritos. E depois dos corpos cansados, lembramos da torta de limão que a Rita trouxe, e foi um ataque, ela acabou em pouco minutos. Parecíamos dragões devorando toda aquela doçura da torta de limão. Porque a Rita sempre exagera no açucar. Eu acho. Mas eu sou chata e tava uma delicia. Voltamos da cozinha. E a Rita estava sozinha na sala, cantando e dançando Madonna, com uma garrafa de vinho na mão. Querendo já tirando a roupa. E O Odilon quis controlar, dizendo "Ritinha não faz isso não". Mas nos olhamos, e todas entramas no seu jogo. O no final, estávamos todas com seus sutiens preto, roxo, rosa e de renda. E fizemos a festa. Eu me taquei no Odilon. E a gente se beijou. Muito. E nem vi o que durante isso aconteceu. Só sei que nosso beijo terminou no tapete, onde os outros já estavam tacados. E rimos todos. Até que o sono, que há muito batia à porta, nos tomou por inteiro. E dormiram, por que já eram cinco da manhã. E o Sol quente começaria a nos incomodar logo. Eu levantei e fui lavar a louça. E lavei. Voltei para a sala. E vi que não precisava de estante, nem sofá, nem nada além da gente ali compondo e preenchendo nossos vazios.  Me encaixei entre os braços do Odilon, as pernas da Ciça, a mão do inacio, os pés da Rita, e a nuca da Lilla. Mas de fato, isso uma coisa estranha, porque não sei bem como, todos se encostavam de alguma forma. Porque não deitamos em fila, um ao lado do outro, como em tantas outras vezes, mas num encaixe estranho, porém macio.
O Sol, foi nos despertando e, na minha casa não tinha muito para onde fugir, acordamos todos. Rita fez um café, e as olheiras nas caras amassadas, junto aos sorrisos, nos diziam que a noite tinha sido boa mesmo. Nos olhamos, tomamos café. E, depois, foram indo. Primeiro a Rita, que percebeu cerca de 50 ligações não atendidas do Caco, no seu celular. Depois a Cecília e o Inácio. A Ciça porque queria dormir mais e precisava da sua cortina blackout, e o Inácio porque ia trabalhar. Ai,  ficamos  Odilon, Lilla e eu, ali, nos olhando por um tempo, sem dizer nada. Dia de folga meu e do Odilon. A Lilla também não tinha compromisso. Tomamos banho, claro cada um num momento. E decidimos descer. Andamos um pouco fomos até o aterro, uma longa caminhada. E depois cada um foi para um canto. Eu voltei para arrumar as coisas.  Só aí que percebi o tapete manchado pelo já roxo do vinho. Era uma mancha enorme. Não lembro em que momento isso aconteceu. Será que foi a Rita quando estávamos todos comendo a torta de limão? Às vezes, acho que foi enquanto eu estava arrumando os pratos, e todos passaram a noite inteira escondendo a mancha com as almofadas indianas, com medo de que eu me estressasse. Mas nem quero saber. É a nossa escrita naquele tapete vazio.
 No dia seguinte, tomei uma multa do condomínio. Reclamação da dona Mercedes do andar de baixo. Nem falei para eles, porque não precisava, porque não tinha multa que valesse os sorrisos, os abraços, as torradas queimadas.  

OUÇO LILA DIZENDO

“começo a escutar vozes e não consigo me concentrar. Portanto estou fazendo o que me parece ser o melhor a se fazer...”.

Ouço Lila dizendo do rio, das águas, do mar. E que a origem e o fim tavam na água. A questão é que a vida era impossível dez minutos atrás quando o Inácio pra avisar da morte do pai da Cecilia. Foi foda. A gente ficou três minutos olhando pro chão sem perspectiva. O fato é que estávamos nas Paineiras e a Lila entrou numas de citar Virginia Woolf olhando pro fundo da carrasqueira. Eu demorei mas de fato no fundo depois de um tempo entrei na onda e até brinquei: “Lilaaah, vamo se jogar. Eu tenho coragem”. Ela dizia não. Mas depois: -“Vamo!”. Mas tinha medo e rimos muito.Na verdade depois do impacto da noticia veio uma vontade de vida muito grande. Num instante de uns 5 minutos só pensava na Lila. Ela pulou. Não no penhasco mas pro caminho de volta até o carro.Corta. Saimos de Santa Tereza em direção ao Cemitério do Caju. Ela quase causou um desastre. Na decida daquelas pirambeiras esqueceu que tava dirigindo e quase bateu o carro 3 vezes. Vamo direto pro cemitério. Chegamos não tão alegres, mas acabamos por ter uma crise de riso sem ter porque. Ela era foda tinha umas paradas que desencadeavam outras. O riso solto na porta do cemitério... o Inácio deu uma puta broncana gente. Falei pra ela se controlar pra assim eu me controlar. O Inácio desceu pra comprar umas águas pra mãe da Cecília . A Lila não se conteve, correu atrás dele e fez um “Bú” pro Inácio que quase se assustou. Aí a coisa ficou séria e ele saiu nervoso.  Mas se virou logo em seguida: -“Vocês juntos não tem jeito. Não vão aprontar .”. Depois soltou aquele riso espontâneo que só o Inácio tem e controlou logo em seguida pra não invalidar toda seriedade de antes.  A Lila enfiou os braços entre os meus e entramos na capela velório . Quando entramos fui direto ver o Jaime no caixão. Escutei um homem cochichando que tinha sido traumatismo craniano e que ele era alcolatra. Fiquei puto. Porra o cara não bebia sempre assim. Já a Lila foi falando e abraçando todo mundo. Eu tenho uma facilidade pra ouvir o que não quero. E ouvi uma velha comentando que a Lila era meio doida, mas muito educadinha. O rosto do Jaime tava muito esquisito mas a pinta que ele tinha do lado direito continuava lá e com esse simples detalhe a fita rebobinou e comecei a ver o dia do último jogo do Brasil na copa em 2006 que passamos na casa da Cecilia. A gente tava no meio do terceiro ano. O Jaime me deu uma garrafa de Whisky que ele tinha há anos porque soube que eu ia fazer jornalismo. Ah, ele era jornalista. Um puta cara legal. Contava apaixonado de toda luta estudantil mas ficava sem palavras quando chegava no assunto da tortura. Corta. Vou voltar pro enterro. Achei a Cecilia e dei um abraço nela. Naquele momento vi que eu e Lila tavamos tentando nos enganar e a coisa era séria sim. Não tinha palavras pra trocar. Nada bastava. Era um zona de dor.Em seguida entra a Andrea e não pude falar nada além daquele olhar sincero que eu tinha com a Cecilia. Ela sempre virava o rosto, mas ali não. Nosso olhar foi até onde queria e antes de se esgotar a Andrea disse seu comum: “Oi gente” e abraçou forte aos prantos a Cecília que não derramava nenhuma lagrima. Fiquei me perguntando em que lugar do corpo tava alojada aquela dor que ela escondia e que não se mostrava no rosto. A Lila veio depressa e abraçou nós três formando uma roda. Ela disse que depois dali ficássemos juntos. O Ina voltou e entrou na roda(Ina, Lia, Odila e Éia era uma das maneiras que brincávamos de chamar nossos nomes).  A Lila começou com a palestra. Cecilia continuava fria a tudo. O Inácio falou: “-Lila sem sermão, por favor”. Ela nem ouviu e emendou: “Juntos nós somos mais viáveis . Eu nem imagino a dor que a Cecilia ta sentindo...”. A Cecília continuava impassível. A Andrea e eu chorávamos muito, não pelo que disse a Lila, mais pela Cecilia. O Inácio com deboche olhava incomodado pra Lila. E a gente ali numa roda abraçados no meio do velório. Lila podia ser tudo, até meio doida mesmo, mas ninguém unia tanto a gente quanto ela. Saiu da minha boca aquela música da Cássia Eller “mudaram as estações nada mudou..”. Cantamos baixinho juntos. Quando acabou a Cecilia disse que eu era muito brega com um sorriso forçado como de muito obrigado por tentar. Eu sempre fui brega mesmo. Sempre gostei de Amado Batista, Calcinha Preta e Reginaldo Rossi. O Inácio até disse que eu não era brega e que eu era sem noção mesmo. A Lila disse: “Caralho Inácio tu é muito sério hein cara. Quer se afirmar o tempo todo”. O Inácio não gostou nada. O pai da Cecilia num caixão ali do lado e a gente pensando que fugir do assunto resolveria. Até que se fez um silêncio terrível e ninguém de nós falou mais. Não tinha espaço pra nada. Só pra sentir que já tava chegando a hora do sepultamento. Trash isso. Lembrei de uma velha que comprei uma cocada um dia na Uruguaina quando dizia que pra morrer basta ta vivo. Me doía ver a Cecília daquele jeito. Sem chorar. Esforçando pra ta ali. Sempre me identifiquei com ela pra além do racional. Dos quatro ela era a que tinha o pensar mais parecido com o meu e foi a que mais demorei pra aproximar. Agora eu tava me vendo ali naquela situação dela por isso minha também. A Andrea tava chorando muito. Queria ajudar mas coitada não sabia nem pra onde ir. Inácio numa seriedade forçada que parecia ora divertida ora incoveniente. Lembrei das Paineiras e fiquei tão triste por não conseguir segurar aquele momento de compreensão que tive lá. Lembro que num momento a Cecília saiu pra ir no banheiro e ficou uns 40 minutos fora. Me preocupei e sai atrás dela. Ela tava sentada sozinha de baixo de uma planta no cemitério. Vi de longe. Não queria incomodar. Ela tava tratando com ela mesma. Ela tava chorando contida cantando uma música dos Beatles, eu acho que era Help. Não queria ficar bisbilhotando mas também me preocupava com ela. Ela falava coisas e repetia a palavra pai. Ela deitou em diagonal no chão do cemitério. Nesse momento eu chorei junto com ela. Que foda. Ela ficou sem uma das referências mais fortes da vida dela. O Inácio veio e falou no meu ouvido “Bú”, levei um susto, dei um grito, um pulo e acabei cortando a canela no pulo. A Cecília se assustou junto. E no meio dos soluços de choro dela eu me joguei e aquilo virou uma risada ótima. Inácio também abraçou a gente. Riso e choro juntos. E eu não conseguia falar nada pra ela. Minha canela tava doendo muito mas não queria estragar aquilo. Sem querer o sangue da minha canela foi parar na mão do Inácio e ele desperado falava: “Gente eu to sangrando, eu to sangrando”. Eu destraido perguntava “Que ta acontecendo??” Só que o sangue era meu. Tive uma vontade de ficar pelo menos uma hora sem vê-lo quando cai na real. E minha canela ainda tava doendo demais. Andrea e Lila lá dentro. A Andrea durmindo no ombro da Lila no corredor enquanto ela cantava uma melodia que eu nem sei direito o que era. Falamos algo sem importância pra não ser só silencio. O Inácio me contou que já tinha conseguido uma bolsa na Estácio e que ia fazer economia. A Cecília ficou horas olhando o caixão. Andrea realmente durmiu. A Lila conversava com a Elaine, mãe da Cecília, e eu anotava essas coisas que hoje passo a limpo com algumas novas impressões sobre o acontecido. Quase 5 anos depois Lila também já não está entre nós. E me lembro como se fosse agora de nós dois descendo o topo de Santa Tereza naquele carro mal dirigido tocando Help no rádio. A mesma música que Cecília cantava no cemitério enquanto eu a observava de longe. Realmente mudamos muito apesar de certas coisas serem as mesmas...

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Por Vítor Peres

ensaio 24

Ontem eu chorei. Assistia à improvisação da Marília, do Fred e da Dominique e me emocionei. Já estava sensibilizada por conta da improvisação anterior realizada pela Nina e pelo Vítor. Sabem o que aconteceu? Eu vi vocês. Ali naquele espaço, naquela sala de ensaio da sala 301 da Unirio eu vi vocês inteiros, eu vi vocês sofrendo e rindo, eu vi vocês lutando com esse dragão que foi colocado no meio da sala, eu vi tudo isso e pensei: que crueldade estamos fazendo, eles tem tanta alegria, tanta felicidade, tanta vontade e estão sendo atravessados por uma dor inaudita e invencível, porque não poderíamos tê-los deixado em paz? PORQUE DECIDIMOS ENTRAR EM GUERRA?
Meu pensamento de mãe. Ali naquele momento me reconheci como uma mãe se reconheceria, a mãe que quer proteger o filho de todo o mal, a mãe que quer carregar o filho debaixo do braço e que pede a Deus pra deixar que todo o horror e sofrimento sejam descarregados nela e não nele. Eu sou mãe, eu tenho um filho, resolvi pari-lo e ao contrário dessa mãe que de tanto proteger o olho do filho o deixa cego, por mais que eu sangre, decidi dividir com ele todas as minhas alegrias e também todas as minhas dores. E esse filho agora me escorre lágrimas nos olhos porque está compreendendo melhor do que eu aquilo que me engolia, esse filho me mostrou que sabe, as coisas são assim mesmo, belas e trágicas, feias e lindas, tristes e mágicas. Só posso agradecer....

COISAS QUE FICAM

A tensão que existia durante todo o improviso de vocês.

No improviso da Nina e do Vítor,
A MISTURA ENTRE:
brincar e falar sério
dar tapa e dar beijo
xingar e sorrir
gritar e acalmar
ficar e partir

os dois fazendo a cena, e os outros três do lado de fora, mas sentados tão juntinhos e Nina e Vítor por vezes se dirigiam a eles que acabei vendo uma cena em que Inácio forçou Cecília e Odilon a ficarem juntos em um espaço apertado, até que eles fizessem as pazes. Como se fosse uma brincadeira proposta pelo Inácio, um jogo como tantos que eles fazem e que só eles, esses amigos fazem.

No improviso de Dominique, Frederico e Marília,

A dança, a música, aquela música, música que faz parte da história deles, música que quando toca eles se olham e GRITAM e começam a cantar e dançar juntos, e é nesse momento e não outro, é nesse momento que Rita toma coragem pra mostrar a carta aos amigos, a carta-suicídio da Lilla, um por um recebe a carta, a lê e para de dançar, param virados para a parede, de costas para o público, agora são eles parados, de costas e a música continua, aquela música.

PRMEIRA PARTE DO ENSAIO

Aquecimento de uso, explorar a boca, o rosto, a mão,
Não se desligar do corpo do outro, tentar deixar o seu corpo em contato constante com o corpo do outro.
esfregar, bater, arranhar, apertar, morder, afagar, deslizar, percorrer

Exercício das raias colocando-os em escuta, ampliando os sentidos, abrindo o olho, a boca, o nariz, o ouvido.

Trabalho no espaço delimitado pela fita crepe, o espaço do apartamento
Observação do espaço, tocar o espaço, provocar o espaço, conhecer os limites desse espaço, as possibilidades desse espaço.

Atenção à forma e aos gestos do corpo NO ESPAÇO.

ATENÇÃO ÀS ESCOLHAS

No espaço, juntos:
- eles tentam arrancar os pregos da parede
- eles tentam trocar uma lâmpada
- se colocam de cabeça pra baixo na parede
- eles deitam todos no chão

A Morte da Metáfora

O contato com as reflexões e escritos de Antonin Artaud acentuam o quanto o material base da obra de arte diz respeito justamente a sua impossibilidade. E é precisamente na angústia criacional de algum impossível que se vislumbra o nascimento de algo capaz de dominar a instabilidade de um tempo.

O encontro com o presente parece ser, de fato, o único embate real de um artista. Com Artaud, a busca pela necessidade do teatro se estende também à busca pela necessidade da própria vida. Por meio de escritos metafóricos, como fosse poesia a teorizar sobre a experiência teatral, ele evoca a potência de um teatro que parece adormecido, que parece ter se esquecido de sua força. Por meio de uma escrita instigante e cheia de sons e imagens, ele nos prega certa busca pelo descobrimento do que é necessário, decretando fim ao adorno ou a qualquer outro enfeite capaz de amenizar alguma incongruência do real. 

Pois, para manter a sua metáfora viva, é a vida que deve estar mais pulsante do que nunca. Entre a palavra e a coisa, é preciso haver respiração e não somente algum sentido. Não quer dizer dar fim à metáfora. É justamente o contrário, pois com Artaud o mistério – o não–saber – ainda é precioso e necessário. Não quer dizer pôr fim aos sentidos figurados e às comparações inúmeras entre diferentes termos. Quer dizer apenas que para além de tornar algum sentido inteligível, é preciso antes torná-lo sensível. A metáfora morre quando o referencial “vida” se esgota. Mas, me sugere Artaud, o campo poético da encenação teatral é capaz de agir como uma espécie de desfibrilador sobre a realidade, acordando-a de súbito, superando-a em força e delicadeza. 

Artaud nos devolve, assim, a possibilidade da vida no rigor de sua instabilidade e do seu movimento e descortina uma resposta possível ao dilema de Hamlet. Já não se trata mais de cindir o homem em ser sido ou não sido. Ora, por que dividir o homem ao meio se dentro dele, em seu íntimo, já se é tudo isso, ao mesmo tempo? O ser, o não-ser e entre os dois um abismo que costura tudo e nos mantém de pé. Somos filhos da linguagem e não há possibilidade de encerrá-la porque tal fim se estenderia também a nós. O que nos resta é tão somente o que já está dado: o ser linguagem... E a nossa possibilidade – escolha – de reinventá-la. 

Esta curta reflexão me veio para visualizar como a linguagem da poética teatral vem se firmando e quebrando, sempre com intuito de se tornar novamente capaz de nos devolver um dado tempo a si próprio. A qual tempo eu pertenço agora? E o meu teatro? E o nosso?

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Diogo Liberano

ensaio 24

13/05, unirio, sala 301
flávia, fred, marília, dominique, nina, diogo, vítor e gustavo.

AQUECIMENTO DE USO. dois em um. um em um. afagar, apertar, ferir, machucar,…, boca, mãos, o seu nela, o seu nele.
RAIA. [nina dominique vítor fred marília]

poderíamos nos perguntar qual é o motivo real de trazermos, a essa altura de nosso processo, o trabalho com raias. bom, claramente trata-se de uma busca, de um aperfeiçoamento da escuta entre vocês, atores deste espetáculo. busca-se também um corpo mais uno, mesmo que feito de partes distintas e específicas. a capacidade de vocês serem uma mesma correnteza, um mesmo ânimo, uma mesma dor ou notícia. tudo isso pode vir deste treinamento. enfim, estou aqui escrevendo e pela minha visão periférica, se assim podemos chamar (se assim pudermos acreditar), eu vejo o jogo de vocês. e não é para ser chato, mas me soa estranho como ele combina. como em muitos momentos o outro correu porque o outro lá da ponta correu também. quase como se fosse uma tentativa de encaixe, de fazer sentido. não é bem isso (nem o que está acontecendo, nem o que deve ser objetivado nesse jogo). o que está em jogo literalmente é eu saber que tenho um arsenal específico de movimentos, de ações, de cartas. e saber que lanço mão dessas cartas menos por escolher e mais pela imediatez da minha resposta. eu treino o meu corpo para ser instântaneo, eu treino meu organismo para ser espasmo, para inscrever no tempo a sua incompreensão (traduzida em salto corrida sentada ao chão deitada e andança). quer dizer, você passou por mim e antes mesmo de eu dizer você passou por mim, meu corpo já emitiu resposta. meu corpo pulou, sei lá, correu, meu corpo parou quando alguém lá na ponta pulou e estremeceu o chão. mas eu não busco o sentido enquanto jogo. eu jogo. o sentido quem faz é quem vê. a beleza do encontro, dos encaixes, das simetrias e assimetrias, sou eu espectador que faço, sou eu quem me divirto. exige uma desconfiança eterna. pode ser que eu, diogo, esteja escrevendo besteira. mas é só como vejo. fred se ergueu, depois marília, vítor virou e ao perder tempo para acentuar o “i” de seu nome, eu não pude responder à nina, nem sequer à dominique e tudo se perdeu. quero dizer: raia não é jogo para dar nome, é jogo para dar corpo e sentido. sorte a nossa que o passarinho lá fora piou e levantou o vítor e o jogo saiu daquela meia-pausa falseada, onde todo mundo quer se mover mas ao mesmo tempo todo mundo espera um estímulo para sair do lugar. não esperem, não se dêem essa função. vocês não devem procurar nada. tudo está dado. o corpo de vocês é o estímulo primeiro para correr saltar e morder. pulem, saltem, inscrevem e apaguem, façam e refaçam. esses momentos de silêncio não existem. num jogo de raia, quando vocês se descolam da parede inicial (com todos lado a lado e equisdistantes) a coisa toda só pode parar quando alguém de fora gritar PAROU!

Antony & the Johnsons – KNOCKIN’ ON HEAVENS DOOR
Adele – LOVESONG
Kate Nash – MERRY HAPPY
Air – EMPTY HOUSE
Radiohead – SUPERCOLLIDER
Damien Rice – GREY ROOM e ME, MY YOKE AND I
Hot Chip – HAND ME DOWN YOUR LOVE

ESPAÇO.

ocupar as quinas desse espaço.
entradas e saídas.
formas e gestos.
velocidade.
posição no espaço.
inácio sai carregado pelos outros.

COMPOSIÇÕES.

1) DESCOBERTA DE UMA CARTA SUICIDA DEIXADA POR LETÍCIA.

- uma carta
- um grito
- uma cadeira
- um líquido que escorre
- um uso da parede
- uma proposta de relação espacial que ao surgir perdura até o fim

Fred, Dominique e Marília.

Rita e Inácio dançam.

Onde se achou isso?
A Rita que me deu.
Rita, onde você achou isso?
No quarto da Lilla.

Não muda nada. Só faz doer mais um pouco.

A QUESTÃO ERA UMA SURPRESA, UMA INCÓGNITA, QUE SE DESVENDAVA ATÉ TODO MUNDO SABER DE UMA FORMA SOLITÁRIA, NÃO FALADA. E TALVEZ TER POUCA FALA.
UMA AGITAÇÃO, UMA EUFORIA, AO MESMO TEMPO TINHA ALGO POR TRÁS (ERA SINCERO, EUFÓRICO, MAS TINHA UMA QUESTÃO). OUTRO CLIMA APARECE QUANDO SURGE A CARTA. SAI O COBERTOR VEM O FRIO.

2) SOBRE A CULPA PELA MORTE DA AMIGA.

- um gesto
- uma repetição
- uma falta de ar
- uma proposta de figurino
- um lápis
- uma proposta radical de espaço

Nina e Vítor.

Eu tenho claustrofobia.
Eu tô passando mal, é sério.
Isso é piti.
Me conta uma história de lugar aberto.
Paineras. Pensa na Paineras.
Que que você disse pra Lilla?
Nada, Cecília. Melhorou?
Você é muito Maria Homem.
Eu falei, Lilla, vamos se tacar? Eu tenho coragem.
Como é que eu ia saber? Que quatro anos depois ela ia fazer isso?
Eu quero ficar uma hora sem falar com você.
Odilon, desculpa.
Acabou a falta de ar?
Acabou.
Acabou a composição então.

SITUAÇÃO LIMITE QUE EXIGIU UMA RESOLUÇÃO COLETIVA.
TINHAM BRIGADO E INÁCIO OS PRENDEU NO ARMÁRIO PARA QUE SÓ SAÍSSEM QUANDO ESTIVESSEM DE BEM.
DESCOBRIR JUNTOS UMA SAÍDA (A PORTA NÃO ESTAVA TRANCADA).

A ZONA

O combinado era a gente se encontrar às sete horas no Chaika de Ipanema pra comemos muito e depois seguirmos para a casa do Ina no Leblon andando pela orla. Claro que todo mundo se atrasou. Eu liguei pra Lila umas seis e meia pra dizer que a praia tava muito boa e que eu não ia  sair dali pra ficar esperando o pessoal sozinha. Ela estava dormindo ainda, me atendeu com aquela voz de quem vai matar ou morrer. Disse que eu ficasse mais tempo lá sim, que já tinha avisado a todos que iria se atrasar e que provavelmente ‘ a Cecília ‘ iria se atrasar também.
Vinte minutos depois eu cansei de ficar sozinha e fui ver quem tinha respeitado o horário do encontro. Claro, Inácio e Rita.  
Estavam lá, rindo muito, sugar hight de açúcar com tando Milk shake e waffle. Resolvi comer uma salada, o que eles encararam com muitas criticas bem humoradas sobre como eu não queria perder o controle sobre nem um grama do meu corpo. Tudo bem.  Era sábado. Resolvemos ficar ali mesmo esperando pelos outros. O Inácio disse que a Lilla tinha saído na noite passada e ligou pra ele ás 6 da manha, bêbada,  pra dizer que o  amava. Pra mim ela só mandou uma mensagem. Fiquei com ciúmes.
A Andreia e o Odila estavam num transito vindo do Centro pra zona sul, acho que era dia de algum acontecimento publico no aterro, um desses shows que o Rio resolve que vai dar e parar a cidade. 
A Lilla chegou às oito, lindamente zoombie, com restos de maquiagem ainda nos olhos e pálida de ontem. Tinha um copo plástico de café na mão, chinelos e uma mochila muito cheia e pesada.  Perguntei para quê; ela disse que nunca se sabe. Sentou, pediu um suco de alguma coisa e ficou meio calada, como quem ainda está dormindo. Dréia e Odila ligaram pra mim   dizendo que iam direto pra casa do Ina, porque já estava tarde e eles não estavam com fome. O Inácio pagou a conta. Levantamos. Fomos de taxi pra casa por causa do enorme peso que a Lilla tinha inventado de trazer.
A primeira coisa que tínhamos que fazer quando chegávamos na casa do Inácio era tirar os sapatos e lavas as mãos. Ele não queria sujeira de rua nos tapetes nem nos sofás. Eu sempre gostei desse ritual, dava pra confiar que os tapetes eram tão limpos quanto as camas e assim a gente se permitia lá a quase tudo por quase todos os lugares. 
Nesses encontros para ver filmes, uma das ultimas coisas que fazemos era ver filmes. Esse dia não foi diferente. Perguntei qual era mesmo o que a Lilla queria passar. Ela disse que era um filme Russo que tinham falado muito bem e que ela queria ver, mas não sabia se a gente ia gostar. “ é meio lento, sabe.” Pensei que pelo menos não era francês. O Inácio não gostou da breve discrição e começou a narrar a lista de filmes que ele tinha e que a gente podia ver. Nos divertimos, parecia a lista de uma videoteca do jardim de infância, para cada filme três desenhos animados.
Abrimos vinho, tomamos cerveja, perguntamos um da sexta do outro. Sempre com a pergunta ‘e aí, encontrou sua alma gêmea?’. A Lilla encontrava em média três almas gêmeas por noite. O Inácio sete. A Rita sempre respondia, graças a deus, já encontrei a minha faz tempo. Odila e Andreia preferiram dessa vez, não responder a esta pergunta.
 Esquecemos Stalker durante duas horas.
Foi a Rita que puxou ‘ gente, o filme. Vamos?’ Todo mundo concordou.
Lilla abriu a mochila e tirou tudo de dentro dela, fazendo uma verdadeira bagunça na sala. E quando eu digo tudo, é porque eu não sei qual a categoria para as coisas que ela estava guardando. Roupas, biquínis, uns 4 livros, biscoito, um garrafa de dois litros vazia, caixinhas de som do computador, uma lona enrolada, um travesseirinho, e não lembro mais. Por ultimo veio o Stalker. ‘aqui, gente, é esse. Mas não quero reclamações”.  Inácio colocou o disco no seu DVD falante.
Apagamos a luz, e todos ficaram deitados no tapete branco limpíssimo. De cara deu pra ver que ‘lento era pouco, né Lilla’, como disse o Inácio. Tudo bem, estávamos todos lá de bom grado vendo a proposta da amiga, que calou-se de primeira e mergulhou na tela como não havia feito com a sala e os amigos.
Pra tudo a Rita falava. ‘O que é a Zona? Porque eles estão fugindo? Tadinha da mulher dele, gente, a zona deve ser um prostíbulo.’ A gente riu, com certeza. Era muito coisa de Rita. O Odila entrou na onda algumas vezes, contestando o roteiro como “porque eles pegaram o carro se o que levou eles a saírem do café foi o barulho do trem?” e algumas exclamações gerais como “nossa que lindo essa passagem. Realmente viver na idade média devia ser mais divertido.” Nessa todos concordaram, engraçado. Eu não. Idade média deveria ser bem chato, viver esmagado sob a força de deus. Mas eu sabia do que eles estavam falando. Estavam falando de frieza e ceticismo cínico sobre a vida. Eu concordava em algum lugar, mas estava querendo ser chata.  A Lilla ficou lá, só olhando, dando pequenos risinhos com os comentários do grupo, mas ela estava realmente interessada. As vezes ela olhava pra todo mundo e dizia, você estão vendo que lindo esse take? Vocês estão vendo a textura da parede? Gente, como faz pra ir pra Zona?
Com o tempo, ficava um intervalo maior entre um comentário e outro. Os comentários da Lilla, apesar de escassos, eram constantes. Quando a Rita parou de falar a gente sabia que era porque ela tinha dormido.  A Andreia e o Odila dormiram também, lá depois da segunda parte, abraçados.
Eu, Inácio e Lilla terminamos de ver. No final não tínhamos muita coisa pra dizer. Achamos lindo. Decidimos que íamos para a Zona. Lilla disse que a mochila dela já estava pronta. “Saímos amanha bem cedo.”, ela disse. E fomos dormir também.     

quinta-feira, 12 de maio de 2011

O encontro na Perinatal de Laranjeiras

Já faziam três anos que havíamos nos formado.Eu e Caco tinhamos acabado de chegar da temporada em Santos.Estava de volta ao Rio,louca para retomar a rotina com os antigos amigos.A gente sempre com essa mania de fixar uma lembrança.Tinha a sensação de que poderia voltar a ter exatamente a mesma rotina de antes.Quando cheguei liguei para todos,tinhamos combinado de nos encontrarmos no mesmo local de sempre: no bar Urca,tomar uma cervejinha,um refresco e comer uma empada enquanto viamos o por do sol.O combinado era estar lá umas 17hrs, mas às 15hrs o Inácio ligou dizendo que a Marcinha tinha tido bebê e acabamos nos reencontrando na Perinatal de Laranjeiras mesmo.

A Marcinha era uma amiga do curso de artes plásticas da Lilla.Era meio hippie e estava sempre nas festinhas na casa do Inácio.Cheguei com um buquê de copos de leite e encontrei Lilla e Inácio ao lado da cama.Inácio estava mais bem arrumado que nunca com um lindo terno Armani cor de chumbo e Lilla,sempre descolada,tinha pintado o cabelo de abóbora.Nos abraçamos os três por uns 10min.Faziam 8 meses que não nos víamos,só conversando por e-mail.Foi até chato, porque fizemos mais alarde por nos vermos do que por conhecer o bebê da Marcinha.Aliás,uma menina linda,gorducha,cabeluda,chamada Luar.Coitada.Enfim,coisas da Marcinha.

Logo chegou Andréia,Odilon e por último Cecília.Eram os mesmos,mas com algo diferente.
Ficamos ali umas 2 horas e Andréia sugeriu que fossemos ao café de uma amiga dela ali nas redondezas,o café Maya.Passamos o resto da noite lá.Andréia já tinha saído da casa dos pais e morava em nova residência no Leme,mais próxima de seu novo emprego como chef do La Fiorentina.Inácio ia de vento em popa como gerente da filial da Fast Shop no Rio.Odilon trabalhava no caderno Morar Bem do jornal O Globo,mas sempre sonhando com uma vaga de repórter em um daqueles programas de viagens pelo mundo.Lilla tinha conseguido expor um de seus trabalhos na galeria Fortes Vilaça em São Paulo, um vidro de perfume antigo com pregos enferrujados e água dentro.E Cecília estava prestes a defender seu mestrado em ciências sociais.Eu?Eu estava de volta,com Caco,no Rio,continuava vendendo natura,agora teria que tentar retomar a minha clientela no Rio...Estava ali tomando chá.Estava ali, a procura de algo que ainda não tinha nem nome.Vontade de ir a outra festa na casa do Inácio,tomar alguma coisa que não fosse chá...Não, martini,nunca mais tomei.Depois daquele porre na casa do Oscar nunca mais pude nem sentir o cheiro.Que vergonha,vomitar na porta do banheiro e aparecer no hospital mostrando minha calcinha de oncinha pra todo mundo,gritando:quem é amigo da onça?Arghhgh(barulho de onça...)kkkk...Caco me fez sentir a pior mulher do mundo quando foi me buscar.Nem quero lembrar.Nunca mais tomei glicose na veia.

Eu ali com vocês achando que ia ser tudo igual...Tava tudo assim tão diferente...eu achando que iriamos dar festas no Inácio pra sempre,mas o pra sempre, sempre acaba.Como me lembraria Odilon.

Todo mundo cresceu e eu não sabia mais onde eu estava.Meu conforto era pensar que o que quer que acontecesse eu estava bem,pois estávamos todos juntos.Eu tinha chão.Eu tinha todos vocês.

Mas o pra sempre,sempre acaba...   

terça-feira, 10 de maio de 2011

porque saudade mata e ela não queria morrer tão cedo

Eu nunca me esqueci daquele final de 2004. Eu, Lilla, Odila e Andreia estávamos fazendo as últimas provas do vestibular e, ao mesmo tempo que felizes em cumprir uma etapa importante das nossas vidas, sentíamos também uma preocupação grande por conta da futura distância. Se não tinha mais escola, não tinha mais obrigação da gente se ver de segunda à sexta. Das 8 às 17 hs. Prometemos ficar juntos, prometemos que os futuros novos amigos não seriam melhores que os velhos, prometemos que nos veríamos pelo menos 1 vez por semana. Prometemos também não ficar só na promessa.

As provas do vestibular acabaram. Janeiro chegou com aquele calor insuportável e nosso programa preferido era ir à praia. Eu já não tinha mais hidrofobia pois as aulas de natação com a Lilla tinham cumprido com a sua função. Íamos todos à praia e víamos o pôr-do-sol. A Cecília era quem sempre dizia que em vez de gastar dinheiro com analista, era muito melhor se tratar diretamente com o mar. Acho que é por isso que até hoje nunca fiz análise. Prefiro as consultas gratuitas regadas a sal e sol.

Lembro que naquele ano as aulas na faculdade começaram no comecinho de fevereiro. Cada um foi por um caminho, num curso e numa Universidade diferente. Tivemos umas 3 semanas de aula e logo chegou o carnaval. Naquele ano, o carnaval serviu também para a gente matar a saudade um do outro pois já tínhamos iniciado nossos estudos e, involuntariamente, estávamos sem nos ver. O carnaval seria então a data oportuna para todos os beijos e abraços. Lembro da Lilla com uma fantasia de borboleta feita por uma amiga que ela tinha acabado de conhecer na faculdade. A Lilla falou durante o carnaval inteiro nesta menina.. eu me adiantei logo e lembrei à ela da promessa que fizemos poucos meses antes em não arranjarmos ‘novos melhores amigos’. A lilla riu. O Odila me deu um tapa nas costas e mandou eu parar de ser tão ciumento. A Cecília perguntou porque a tão adorada nova amiga não estava ali com a gente. E a Lilla, ainda rindo, explicou que a tal da Rita estava passando o carnaval com o namorado em Vassouras. Acabado o carnaval, o ano de fato começou para todos nós.

Depois que o colégio terminou, eu comecei a frequentar menos a casa da Lilla. Não por falta de convites mas é que minha mãe ficou doente e eu quis estar mais perto. Comecei a achar que já tinha perdido muito tempo sem ela e fiz questão de passar mais tempo junto. Agora, ela não morava mais no quartinho dos fundos do colégio pois com o dinheiro da venda da nossa casa em Villar dos Telles e com o dinheirinho que ela recebia da Tia Anita (sim, agora eu já sabia que o ‘agrado’ que eu entregava naquele envelope pardo toda semana era, de fato, dinheiro) nós conseguimos comprar um apartamentozinho em Copacabana. Durante todo o ano de 2005, eu me vi sem a Lilla. Ela lá no Leblon e eu aqui, em Copacabana. Ela estudando de manhã e eu, à tarde. Ela amando uma amiga nova que costurava e eu, com saudade da minha insubstituível amiga antiga.

Até que um dia ela manda um e-mail para todos nós falando da tal festa de Design de Interiores. Dizendo que a gente TINHA que ir porque saudade mata e ela não queria morrer tão cedo. O Odila foi o que mais fez charminho dizendo que não poderia confirmar a presença porque tinha pendências afetivas a resolver naquele sábado à noite. Na verdade, ele queria era mostrar para a Andreia que ele estava vivendo a vida dele depois do pé-na-bunda e estava sendo feliz e estava pegando todo mundo e estava muito melhor sem ela e blá blá blá. O Odilon sempre gostou de dar uma de gostoso e fazer charme. Acabou indo.

A festa seria na casa de um tal de Oscar, que nem a Lilla sabia quem era. Ia todo mundo da faculdade dela, inclusive a costureira especializada em carnaval. Eu não poderia perder a oportunidade de conhecer a menina.. vá que um dia eu precise fazer bainha numa calça jeans ? Combinamos de rachar uma Kombi e irmos todos juntos. Deu R$ 13 para cada um e a única que não pagou foi a Andreia, porque ela só tinha uma nota de 100. O coitado do motorista não tinha troco para ela e acabou que o pobre do Odilon quis impressionar e pagou os R$ 13 da ex-affair. Pobre Odilon mesmo porque quis dar uma de cavalheiro e acabou passando a noite toda sem ter dinheiro para comprar bebida. A kombi pegou a Lilla no Leblon, depois veio para Copa me buscar, seguiu para a casa da Cecília, Andreia e depois Odilon. A cada integrante novo que entrava na Kombi, a gente ia sentido que o coração ficava mais preenchido também. Depois dos 6 juntos, eu crente que esta seria a lotação máxima, me lembro que ainda faltava a costureira. Madureira. Ela não morava lá mas estava na casa de uma tia do namorado enquanto o apartamento deles ficava pronto em Botafogo. Enquanto íamos para Madureira, me lembrei do caminho que me levava para a casa aonde nasci. Deu vontade de saber se a Rua Montevidéu e a Rua Cuba continuavam lá. Me deu vontade de mergulhar na piscina do Pavunense e mostrar para a água que ela não me venceu e que hoje eu não preciso mais de bóias.

Toda esta minha divagação terminou quando chegamos em Madureira e, na esquina combinada, lá estava a costureira. Para uma costureira, esperava que ela se vestisse um pouco melhor. Ela entrou na Kombi e a Lilla foi logo nos apresentando. Não demorou muito para todos logo nos identificarmos com ela. Tirando o fato que de cada 10 frases, 9 continham o nome Caco, ela parecia uma pessoa igual a gente.

Chegamos poucos minutos depois na casa do Oscar e, de imediato, pegamos bebidas. Ninguém entendeu porque o Odilon não brindou com a gente mas eu tinha sacado que ele não tinha dinheiro para a caipirinha. Eu, que tenho boas lembranças de momentos em que o Odila excedeu na bebida, fiz questão de deixar ele confortável e paguei algumas doses. Sem contar que ele tantas vezes já pagou o lanche para mim no recreio, agora seria a minha vez de retribuir a generosidade. Brindamos então todos os 6. Quer dizer, 7. A Rita falou que iria ficar só naquele brinde pois não costumava beber e o tal do Caco não gostava que ela bebesse sem ele por perto. A gente fez questão de não ouvir esta frase da Rita e fomos correndo para a sala dançar. Era incrível, bastava tocar Britney Spears para a gente se permitir ir além. A Cecília tirou o lenço que protegia o pescoço dela do frio e começou a jogar pro alto. A gente jogava o lenço de um pro outro e se jogava no chão. A gente ria porque aos poucos todo mundo foi entrando na brincadeira e em pouco tempo a festa toda jogava aquele lenço verde pro alto. A Britney já devia estar cansada do próprio playback e a gente continuava sem se cansar. A gente só parava para beber mais. A esta altura eu e Odilon já bebíamos no mesmo copo e nossos abraços eram mais demorados. A Lilla já começava misturar português com inglês e tudo para ela se resolvia gritando: “suck my dick, man !!”. A Cecília estava fazendo bico porque achava um absurdo festa brasileira sem música brasileira. Eu só ouvia ela no meio da sala clamando por Tim Maia e Jorge Benjor.. lembro da cena clássica dela subindo na bancada de vidro, pausando a música que tocava e cantando em alto e bom som: “Não. Não me abandone. Não me desespere. Porque eu não posso ficar sem você.”

Ela ia cantando e todós nós, respondendo em uníssono. A voz gravada de antes não fez falta alguma. Agora a festa inteira cantava tendo nossa Cecília como cantora-mór. O Odila, que foi correndo atrás da amiga achando que ela ia ser linchada por tamanha ousadia, já estava lá em cima da bancada, também fazendo peso sob o vidro. Eu peguei a Lilla pelo braço e fui correndo fazer parte daquele momento. Em seguida chegaram Andréia e Rita, com uma garrafa de vodka na mão. Estávamos todos ali. Dançando e cantando enlouquecidamente. A música ia acabando e um outro já iniciava uma outra canção. A garrafa da Rita ia passando de boca em boca. Dava para sentir a saliva dos 7 misturada naquele gargalo. Além de cantar, a gente criava as coreografias mais toscas também. Fomos de Araketu a Cazuza. Nossos corpos faziam pressão sob o chão de vidro. Vivíamos o presente sem nos importarmos com a queda. Se caíssemos, cairíamos felizes um em cima do outro. O corpo do outro amorteceria a queda. Lembro que a Lilla gritava: “até quando será que o vidro aguenta ? até quando é possível resistir ? até quando eu vou ter chão abaixo dos meus pés ? se eu não tenho chão eu caio. tudo acaba no chão. o chão é a última moradia do corpo. Vamos cair !! Não vamos ter medo de cair !! o chão é a moradia merecida pro corpo que viveu a vida toda plainando !”

A Rita calou a Lilla dizendo que estava bêbada, que tinha vontade de tirar a roupa, ficar pelada e ser chupada como ela nunca foi pelo Caco. O Odilon calou a Andréia com um beijo roubado. O Inácio calou a Cecília dizendo que Justin era muito melhor que Caetano. E todos foram calados pela buzina nervosa da Kombi, parada em frente a casa do Oscar. Saímos dali direto pro hospital. A Rita precisou de glicose no sangue.