\\ Pesquise no Blog

quarta-feira, 30 de março de 2011

Sobre o jogo a presença o coletivo o VP

Estamos juntos.Conectados. Quando estamos lá jogando um jogo à partir das indicações. Não Escrevamos. Essa me parece a principal indicação. Acentuada à todo instante. Mas estamos abertos. É nitido, pelo menos para quem está no jogo. ME PERGUNTO, RESPONDER NÃO É TAMBÉM ESCREVER? Sem propor, mas as respostas são sinceras, simples, ou não. Sim, precisamos estar atento à tudo e selecionar como, quando e o que responder. Sem forçar. Simples e sincero. Esse é o jogo. Mas se eu recebo, depois de quase trinta minutos de jogo, fica impossível não responder ao que me toca. Se a Nina passa o por mim, e me atravessa e respondo virando a cabeça, ou abaixando-a, isso quer dizer sinceridade e resposta. Digo, meu olhar ao jogo não diminui, minha visão periférica não é interrompida. A gente é um corpo inteiro. Eu olho com os olhos, com o nariz, com os ouvidos, com os poros. Isso sim é visão periférica.  Existe barulho, temperatura, cheiro. Somos, na verdade, um só corpo. Todos somos os olhos, os ouvidos, o nariz. Creio não precisamos acentuar, para quem nos vê, que estamos conectados. Fiquei me questionando sobre essa noção, essa prova que parece que temos de dar à quem nos olha. Não sei não..

tarefa de casa para sexta-feira dia 01 de abril (não é mentira!)

Escreva em algumas frases, algumas linhas, alguns parágrafos tudo aquilo que passou pela sua cabeça no momento em que eu e Diogo revelamos à você a profissão (ou a situação) da sua personagem até o momento de hoje. Daquele dia, segunda-feira passada na sala Vianinha até hoje, o que você pensou, especulou, riu, chorou, se lamentou, vibrou com relação a essa escolha? Escreva e leve (apenas escrito não precisa ser decorado) pra gente na sexta-feira.

JUNTOS

Existe uma vontade. Existe uma tentativa: estarmos juntos. É essa a nossa busca nos exercícios de aquecimento (isso inclue os viewpoints também) daqui até o momento final. Respirar juntos, caminhar juntos, escutar apenas duas batidas no chão acompanhada por dez pernas. A escolha não é individual, é em grupo. Esqueçamos por alguns instantes do eu: eu faço, eu quero, eu vou. Como conseguimos desaparecer pra surgir então no coletivo? Isso tem a ver com generosidade, isso tem a ver com escuta. Abramos os olhos, os ouvidos e deixemos essa sombra coletiva percorrer o espaço. Olhos na linha do horizonte, nada de chão, de teto, de olhar pra dentro. Persigamos esse lugar, seco, árido, difícil, limitador. Preciso ver vocês como um só(o que nunca deixará de ser um só feito de vários.)
Saibamos abandonar, saibamos entrar com a mesma facilidade que conseguimos sair, sejamos espertos, cínicos, generosos, capazes de morrer e matar. E tudo isso junto. Deixemos a vontade que é só minha percorrer outros espaços quando ela for bem vinda. No nosso trabalho de aquecimento o que me move é o que move a todos. As palavras que voltam o tempo todo na boca minha e do Diogo deixem-as perseguir vocês, certas palavras tem sido muito usadas, todos os dias, escutem-as, enfrentem-as, mesmo que doa, que arda, não tem problema, deixa pinicar, deixa arder. É uma aposta. Continuemos o jogo....

ensaio 07

30/03, unirio, sala 301
diogo, dominique, flávia, fred, marília, nina e vítor.

ao ler, corremos o risco de nos lançar pela janela tomado pela emoção da narrativa. mas não. lemos e da mesma forma que respondemos a isso, sabemos também dosar nossas intensidades. não morram pela narrativa. não se matem.

longo jogo com viewpoints. duração longa: como se manter inteiro? é uma negociação invisível. o treinamento com viewpoints parte de um lugar zero, digamos assim. eu não sei é ir para um lugar zero ou se é para estabelecermos um objetivo concreto. a coisa do ladrão, por exemplo. saber não ser rendido.

nós diretores precisamos aprender urgentemente a ler e controlar a nossa necessidade de escrever.

 

trabalho com as falas.

atenção à acentuação de algumas palavras. não é questão de não acentuar, mas de ter consciência de que se acentua. que provocação o outro trouxe ao ler a minha fala?

para dodô o fred consegue ser mais direto. é isso. é isso. é isso. precisão, menos pausa. menos sentindo e foi isso foi isso foi isso. para nina o seu texto ganhou uma casualidade ao ser falado pelo vítor. para o fred, ao ouvir a marília falando seu texto – rolou um ciúme primeiro – e em seguida uma emoção maior, tem uma poesia mais perto dela e que ele costuma não trazer; um brilho nos olhos… marília, ao ouvir nina falando seu texto, achou legal ver o distanciamento e também com certas frases tem uma palavra que ressaltou (“imagem” e “hora”) e que ela, marília, costumava não ressaltar. para o vítor, a dodô deu um tempero, controlando melhor a emoção com o ritmo. para ele, ela fez perceber que alguns lugares poderiam ser potentes ao se tirar coisas.

trabalhar o auto-abandono. testar essa outra acentuação. decorar o mesmo texto.

 

o dia do enterro – parte II.

terça-feira, 29 de março de 2011

Como posso ser suicida se já me sinto morta ?

"Viver sem o Gilberto é pra mim uma sobrevida desumana. De todos os homens que passaram por mim quem me fez mais mal foi sem dúvida alguma, o Doda, pai da filha que nem mais contato pude ter, e quem mais me fez bem, em vida, foi o Gilberto.
Viver sem meus dois filhos e sem o amor da minha vida me dilacera por inteiro, é como se eu estivesse acordada passando por uma cirurgia cardíaca, sinto meu coração sendo cortado, um bisturi elétrico que não para nunca. Não agüento mais chorar, quando não estou soluçando de tanto chorar, fico com lágrimas calmas mas, elas não cessa, nunca! Não agüento mais viver, ou melhor, sobreviver. A comida não desce, sinto um nó na garganta, estou ficando cada dia mais magra, sinto minha pele se descolando do meu corpo. A dúvida é, se eu acabar com a minha vida, estou sendo suicida? Como posso ser suicida se já me sinto morta? Pior, uma morta que ainda sente a dor do corpo, do coração...

Minha cabeça não consegue pesar menos que 10 toneladas, eu não tenho mais paz, a cena da morte do meu amor me atropela constantemente, lembro do corpo do Gilberto no meio da rua mas, os olhos estavam abertos e eu achei que ele pudesse me ouvir...Falei muito com ele acho que ele deve ter ouvido mas, falei tarde demais. Eu disse que me casaria, que teria o filho, que ele não poderia morrer, molhei o rosto dele de tantas lágrimas e, nada de conseguir que ele se salvasse. Eu não me considero suicida, estou sofrendo mais dor agora do que quando sofri o acidente de carro. Agora não tem morfina, não tem nada que acalme essa dor, nada que faça parar essa sensação de perfuração no meu peito. Ainda por cima, o Doda parece nunca cansar de me humilhar, ele não se satisfará nunca mesmo. É o pior homem que já conheci em minha vida, um lobo em pele de cordeiro.

Fernando e Viviane,

perdoem a mamãe, mas, a solidão é uma prisão terrível, é como se eu estivesse trancada dentro de mim mesma, estou cansada, sinto muito a falta de vcs mas, confesso que com o Gilberto aqui era mais fácil suportar, eu o amo muito, não sei nem como posso continuar...aqui em casa ficou frio, me sinto fora do meu corpo às vezes, e, isso me dá uma pausa na dor, só que depois volta em dose mais pesada. Faz algumas semanas que sinto uma leveza no corpo, como se eu estivesse já com um pouco de aus~encia do mundo terreno. Morrer por amor deve ter algum atenuante...assim espero. Vou procurar o meu amor, vcs não precisam mesmo de mim. Um dia perguntem a Carla, tia de vcs, ou ao meu tio, e, saberão toda a verdade. Amo vcs e estarei olhando vcs lá de cima, do meio, não sei, de omde for...meu sonho é encontrar o Gilberto em Aruanda e virar guia espiritual. Vivi, ainda vamos nos encontrar em outras vidas, munca te bandonei, seu pai fez um plano milionário para tirá=la de mim, não tive saída.Fe, idem...vou estar torcendo por vc no futebol, na realização de seus sonhos.. O inacabado, o interrompido tem que ter um fim.

Doda,

Que um dia Deus te perdoe pelo que vc fez e faz comigo, com a Athina e com as crianças, tente ser alguém melhor, tenho pena da Athina...essa nunca vai conhecer um homem de verdade, um amor. Eu sofro agora, no entanto, fui plenamente feliz ao lado do Gilberto, homem de verdade, que mostra a cara, que não menti, não dissimula, e, assim ele foi até o final. Ele pulou do prédio por vergonha de ter sido vencido pelas drogas...uma pena. Quem devia se matar não se mata...

Mãe, Carla, Tio, Pai e Bruna, Maciel e Dantino,

Me perdoem...não deu, tentei por quase dois meses mas, a dor é infernal. Estou indo em paz e feliz de estar me retirando, não se preocupem, tenho certeza que Deus entende quem morre por amor. Não estou obssediada, estou muito ciente do que estou fazendo, minha vida se tornou uma mentira, e, vcs sabem, eu dempre optei pela verdade.

Meu amor Gilberto,

Vou te encontrar esteja onde vc estiver, no plano espiritual tenho chances de te ver, a famosa esperança, aqui, não. Senti vc e ouvi sua voz inconfundível me pedindo o vídeo e já está no ar. Te amo meu amor, quero correr para os seus braços. Somo o Romeu e Julieta do mundo pos-moderno. Vamos continuar criando, quero ao seu lado dar aulas de teatro para crianças aí no plano espiritual. Vou cuidar delas como gostaria de ter cuidado da minha Vivi...Eu sempre te disse para não copiar autores famosos. Para criar e vc criou! Mas, eu te copio com o maior prazer... Vou tbm em frente com dois anéis até o fim, tu és foi...minha vertigem, meu oásis, minha eterna paixão.

Cibele Dorsa

OS; QUERO SER ENTERRADA NO MESMO JAZIDO DO Gilberto. Não usei nenhuma droda, apenas calmantes e o antietanol...Por favor, quero ser velada em São Paulo e eterrada no mesmo jazido do Gilberto. Quero meu caixão em cima do dele."

Ficção e Vento


Obrigado pela descoberta, Vítor.

O Dia do Enterro – Parte II

Diogo Liberano

 

O corpo dela chegou sem pestanejar ao destino previsto. Os parentes então se foram, os curiosos se foram, os carros voltaram a soltar fumaça pelo escapamento e os coveiros se reuniram na cafeteria para beber o café da manhã e lavar as mãos. Não houve pássaro que fez alvoroço nem vento a mover alguma decisão. Eles permaneceram cravados no chão feito natureza morta destituída da possibilidade de render fruto. Ali cravados, eles faziam todo o sentido que até então não pareciam deter consigo.

Fazia um frio descomunal do lado de dentro. Era difícil dobrar a espinha. A moça do depois foi a primeira, com a face alva e avermelhada ela se virou contra o corpo da amiga e respirou lenta esvaziando de si própria aquela ira imensa que a afogava. O cara do celular desceu o caminho de pedras direto ao banco. E apesar de todo aquele movimento, a garota do cambalear e aquela do silêncio aproximaram-se mais do solo como se não acreditassem na morte como sendo só aquilo: um lacrar-se por completo no interior do mundo.

E enquanto isso, o cara do café se mantia erguido e entretido nela ali ainda irascível. Entretido no outro que descera o caminho e entretido também nas duas ali ao chão lançadas. É sujo, ele disse, levanta, gente, mas elas não ouviram nada. Desaprendemos a ouvir, ele talvez tenha pensado. Foi informação demais, ele talvez tenha pensado. Ou não. Porque ela partiu irada sem olhar para trás. Ela desceu o caminho e sentou-se ao lado do cara do celular que no banco parecia outro, visto que o sol revelava as coisas como elas pareciam ser; tudo agora era bruto e rouco. A pele esburacada e o olho remelado. Eles ficaram ali um longo tempo se falando mas sem a exigência do se ouvir. Apenas para durar no segundo e seguir. Feito essa rima desenfreada.

Então foram os dois lentamente mirando a capela. Ela respirava lenta satisfeita pelo dever cumprido. Os dois no banco vendo a fresta pela qual o beija flor escapulira. E no entanto, tudo ali dentro ainda suava e tremia, tudo ainda ali agindo e transformando o cômodo numa caixa de vidro repleta de agonia. Eu quero ir embora. Ela disse. Vamos tomar café juntos. Ele tentou dizer.

Porque vindo com um copo plástico na mão ele cruzou a frente dos amigos e os fez calar. Atrás dele as duas meio que se abraçando meio que andando meio que tentando selar o medo e a morte e, quem sabe, por que não?, as duas meio que tentando resolver tudo aquilo que não teria solução. Elas pararam próximas ao banco. E frente a este, erguido, o cara do celular mantinha um braço esticado na tentativa de segurar o outro que enfim já tinha ido rumo à cafeteria. Ele ali com o braço esticado como se chamasse um ônibus que não viria. Ele sentou-se novamente porque o outro voltou com um copo plástico na mão. Eu nem vi de onde esse copo surgiu. Mas se fosse mentira pelo menos serviu para entreter a falta de sentido daqueles primeiros passos que todos tentavam dar.

Do lado de fora, quem os visse assim, pensaria, do quê estão brincando? Que forma confusa é essa de se relacionar que um não olha ao outro e que um outro não olha a um sequer? O cara do celular perguntou se a gente está esperando a mãe dela voltar para ficar ainda mais constrangido? A gente pode ir embora ou alguém ainda tá querendo viver mais um pouco tudo isso?

Ele jogou o copo no caixote de areia ao lado do banco e disse vocês perceberam que a tia Anita não fala que ela se matou? Nos olhares desencontrantes o desencontro ainda era o que poderia haver de mais reconfortante. Vamos. Não se moveram. Vamos, disse o cara do celular. Para onde. A moça do depois sempre no flagrante do que daquilo ali poderia surgir. Vamos tomar café juntos. Ele já bebeu café demais. Vamos beber Stella. Obrigado. Ficar bêbados. Rir e chorar. Que ela adora. A Lilla adora Stella. Ela adora.

Do lado oposto a eles uma brisa moveu a copa da árvore sobre a cova. Ela gosta de Stella, pensaram juntos, talvez tenham pensado, é difícil dizer o que eles pensavam nessa hora improvável. Acho por vezes que ela ainda não existiu por completo. Essa hora da qual tanto falamos e que não cabe no relógio, nem num peito, nem num terreno vasto e vazio. É que eles não tiveram força, era visível, eles não tiveram força para ser nada exceto a ignorância de quem ama. Não saber. Para onde ir. Nem nada. Apenas vagar.

Ele então voltou à cafeteria. O cara do café. Ele voltou. E nisso moveram-se os outros. Como se estivessem de fato costurados pelo absurdo que reinava sobre todos. Costura em lã fina capaz de serrar. O peito estrangulado. A vontade de gritar. Eu queria ficar junto. Ele disse meio sem saber a quem. Eu queria não ter que pedir porque sou sempre eu quem pede. Mas eu queria ficar junto com vocês. Não foi por isso que ela se foi? Porque não estávamos lá pra segurar seu impulso. Eu estava. Eu queria ficar junto com vocês, pra não criar motivo pra voltarmos a esse cemitério tão cedo. É só que vai ser duro demais sair daqui e voltar ao dia-a-dia.

Dentro da capela um vento investia contra o vidro da janela. Como se de dentro algo quisesse sair e estivesse pedindo me deixa partir. Ela então foi direta. Virou-se e adentrou o espaço, arregaçando as portas e atravessando para dentro das paredes as janelas. Ela saiu cambaleante. Da porta o rosto clamando alguma exatidão ou porto capaz de a firmar. Mas não tem mais nada aqui. Ela os falou confundida. Ela se foi. Não tá lá embaixo porque ela foi voando. Da janela. Enquanto a gente aqui acha que ela tá ali dentro ela ri dentro daquela caixa enquanto a gente acha que ficar aqui vai trazer ela de volta à vida. Ela não vai mais voltar.

Eu só queria que fosse ontem de novo. Disse um dos três ali sentados. Ela da porta da capela olhou como se em busca de um culpado por ter dito aquilo tão ousado. O que sobrara de ontem é só o hoje. Não dá para voltar. Eu disse a ela que se fosse para viver assim que era melhor não viver. E se eu dissesse que podia? E se eu tivesse dito que sim que ela poderia fazer o que quisesse e se eu tivesse a convencido de que tudo era sim possível, será que mesmo assim ela se teria ido de mim?

Ele estagnado. De nós, corrigiu. Ele da cafeteria recém-chegado. O corpo suando seco enquanto a garota do silêncio morria por dentro gritando e pedindo sem remendo alguém me tira de mim e me faz amar esse buraco! Ele inteiro a pegou de si e a abraçou como quem é capaz de se ferir para aliviar um amigo. Como quem pede despeja em mim essa culpa sua que ela é minha também se isso for lhe aliviar. Abraçaram-se. Beijaram-se. E choraram juntos.

Até que pela porta da capela viesse o beija-flor enlouquecido. No entanto, porém, neste agora, ele vinha preciso. Sem grito nem asas para além dos segundos, ele veio como se tivesse completado seu percurso. Uns viram. Outros fingiram ver. Outros eu não sei dizer. É só que era informação demais para fazer nascer uma manhã. Tinha coisa demais acontecendo. Tinha culpa demais brotando feito gota no orvalho. Feito lágrima, tinha muito verbo querendo ser atirado.

É que fora, eles ali desunidos, eram aos poucos atados de volta por essa ideia torta da Lilla. Ideia que dentre em pouco completaria já seu meio dia de vida. De fora, reluzindo quinas, eles só queriam limpar o vazio para se livrar daquela ânsia, daquela sensação que não tem nome mas que consome e mastiga. Eles de si sendo desabitados, batendo cabeças uns contra os outros e se reconhecendo incapazes, idiotizados.

Uma garota pássaro acaba de chegar no paraíso. Ela disse. É mesmo para lá que eu imaginava que ela pudesse ter ido. Eu não sei dizer quem disse o quê, mas era tudo fruto daquele inferno ali delicado e íntimo. No orvalho, a manhã vinha simples e dilacerante. Eu quero ir embora daqui. Ela disse novamente. Eu tô de carro. Eu vou de táxi. Espera. Eu não quero. Vamos juntos. Eu quero ficar só. Você quer sofrer só. Eu quero. Não faz sentido. Não faz. Ficar só. Estamos sós. Juntos. Não. Vamos todos. Não. Eu posso agora. Eu também. Eu também. Eu também. Eu não. Sem um não vai dar. Quem sabe então se você gritar mais alto ela não te escuta e resolve voltar pra completar a nossa excursão até à cafeteria?

Eles ouviram algum vento passando mudo como se batesse a ficha. Dentro, a terra abraçava a cova e ela no caixão ia se esquentando e ainda sorria. Talvez um bicho estranho e pequeno tenha roído uma pequena fissura lateral no caixão de mogno escurecido. Talvez outro inda mais fantástico tenha tocado uma melodia de farpas e a acordado de vez. Ela talvez tenha tomado um pouco de veneno para voltar a viver. Ela talvez tenha ficado pequena ante a imensidão daquele caixão. Talvez ela tenha atravessado a fissura e ido brincar direto no primeiro rio a cortar toda aquela terra.

Talvez o pavor desta madrugada tenha me feito imaginar coisa demais. Talvez eles desaprenderam a pensar. Mas disseram, sem dúvida, do cansaço, do medo, do ficar juntos, da noite, do ficar sozinho, da amiga. Dessa palavra imensa que ainda agora não pára de crescer: amiga. Disseram do impossível. Disseram que nada havia sido tão horrível quanto aquilo. Eles riram. Eles sim foram inverossímeis. É só que uma dor desse tamanho nunca é real. Uma dor dessa imensidão só pode clamar por delírio. Ali, onde as lágrimas já findaram e o corpo ainda baila descontrolado e desconhecido.

Ele entrou no carro. Com a certeza de quem não sabe se no segundo adiante vai querer respirar. O outro recuando em direção à cafeteria disse algo como a gente se encontra logo logo. Ele ligou o carro. Ligou o ar-condicionado. No bolso o celular vibrando e na vista as amigas se despedindo não como quem se despede mas como quem precisa de uma ação bem concreta para não despedaçar. As duas garotas se despedindo para enfim entrarem juntas e abraçadas no banco traseiro do carro.

A moça do depois acenou um adeus vendo o carro alcançando a estrada de pedras. O cara do café já havia partido quando ela se sentou no mesmo banco. Ela como se houvesse esquecido o que viria depois. Lacrada dentro de um cachecol que a afligia a pele e o respirar. Ela tirou o pano e – não se sabe porquê – o lançou adiante como fosse um dado capaz de lhe dizer quantos passos dar.

E no ar, movendo-se milimetricamente impreciso, ela leu através do pano: haverás de bailar frenética como um dragão à procura de abrigo. Mas era só um lenço. Disse a si mesma, isso é só um lenço. E nos olhos, retido à retina, o movimento do corpo-lenço em meio ao vento se clareava e escondia. É só um lenço, é só um lenço, ela repetia. Não como quem teme esquecer, mas como quem tão somente duvida.

Ela se chamava Letícia.


Ela gostava de Stella Artois.
Alguns amigos a chamavam de Lilla, com dois "L" porque tornava a coisa mais específica.
Ela morreu alguns segundos após se jogar do décimo oitavo andar do prédio em que morava com o pai, a mãe e o irmão.
Ela era radiante.
No dia do enterro, seu corpo estava frio.
Mas um pouco depois de ter sido enterrada, ele voltou a esquentar novamente.
Radiação é um assunto muito delicado.
Eu vou continuar falando sobre isso.
Eu vou continuar escrevendo sobre ela.

READ TO WRITE

Não é nada demais. Não pensem em exposição. Pensem só nos corpos e nem tanto em como eu estou, em como eu estava. Sem timidez. Para cavalgar será preciso a nudez, a brancura nos gestos e nas malhas. Não adianta vir todo rococó. Tudo acabará caindo e toda ornamentação servirá apenas à gravidade: o embrulho haverá de quedar.

A Nina hoje consumou em concretude a nossa maior poesia até então. O nosso pano esvoaçante hoje virou resmungo. Ela disse, logo depois de ter nosso pano tirado de si pelo Fred, ela disse algo como: pára, fred, vai estragar meu lenço. Era só um lenço. Toda aquela nossa ilusão do dragão voando era só um lenço. Ainda bem,

durmo hoje na certeza de que haverá mais dragões escondidos dentro de copos e nas cinzas dos cigarros. Dormirei concreto sabendo ser sonho a concretude da cama forrada a lençol vinho e fino. Dormirei confuso, sem saber dizer o que é vida e o que nela foi poesia.

Acordarei pleno. Sem divisão. Acordarei ciente: faz tudo parte do processo.

segunda-feira, 28 de março de 2011

ensaio 06

28/03, ufrj, sala vianinha
diogo, dodô, flávia, nina, fred, vítor e marília.

às vezes eles ficam mais frenéticos nesse aquecimento de uso (que é um usando o corpo do outro para se aquecer, para se alongar e despertar). isso prova como alguns limites já foram esbarrados e como é preciso avançar para continuar fazendo algum sentido sensível.

meninos, é muito intenso vê-los caminhando pelo espaço.

http://www.china.org.cn/english/culture/205116.htm

Quando puderem, respondam: que dragão é esse que tentamos cavalgar?

Eu fico me sentindo meio mal estando aqui apenas escrevendo e não lado a lado suando com vocês. Mas é isso. Durante um tempo vai ser assim. Até termos essa dramaturgia tecida. Enfim,

Saber abandonar. Durante os viewpoints, pensar em LER ao mesmo tempo em que se ESCREVE. Saber medir esse jogo no qual vocês são autores.

Trajetórias:

- Fred tenta segurar Vítor na capela;
- Dominique apóia cabeça em Marília;
- Dominique apóia cabeça em Fred;
- Vítor deita no chão;
- Nina põe as mãos na cintura;
- Fred aplaude;

- Dodô vai tocar em Fred, que sai;
- Fred com as mãos na cabeça;
- Dodô e Fred esboçam um encontrar das mãos;

Fred disse “A gente não procura, né?”

 

Mudando de assunto: algumas coisas estão se fechando sobre as personagens. Escrevo a seguir alguns lugares que ficam, algumas escolhas já tomadas que a partir de agora vocês haverão de se apropriar para tornar corpo seu. Lembrando que todos os personagens tem exatamente a mesma idade que vocês têm hoje. Por nomes:

DOMINIQUE – a sua personagem é A GAROTA DO SILÊNCIO PROFUNDO. uma chef de cozinha.
FRED – o seu personagem é O CARA DO CELULAR. um economista.
MARÍLIA – a sua personagem é A GAROTA DO CAMBALEAR. uma jovem casada.
NINA – a sua personagem é A MOÇA DO DEPOIS. uma historiadora.
VÍTOR – o seu personagem é O CARA DO CAFÉ. um jornalista.

Entraremos num trabalho chamado PESQUISA DE CAMPO. Creio que o Gustavo poderá nos orientar melhor sobre isso.

 

Improvisação Pós-Enterro #1

- momento calmo e lento de risada coletiva;
- fred estático sem achar graça;
- falam muitto baixo;
- a posição da dodô no chão sendo alvo dos olhares dos três no banco;
- grupo das meninas (conversando) e dos meninos (conversando);
- “eu por mim acho que amanhã você não trabalha”;
- “fred, você vai estragar meu lenço”;

Improvisação Pós-Enterro #2

- “ela é testemunha da nossa tentativa. vamos tentar marcar um encontro? quando?”;
- “acho que hoje não tem nada a ver”;
- friends;
- as duas amigas deitadas ao lado da cova;
- vítor resmungão (ah, gente, olha as duas);
- “cadê você, nina?”;
- “gente, o cazuza tá enterrado aqui”;
- “agora é segunda”;

Improvisação Pós-Enterro #3

- falta lembrar de coisas que eles viveram juntos;
- abraço sincero;
- a posição de boliche;
- “desculpa, mas tudo o que eu falei é porque eu quero estar com vocês. mas eu sempre posso. agora eu não acho justo não acho que seja uma solução isso de sofrer sozinho”;
- “um grupo de amigos não é uma prisão”;

 

Improvisação Selecionada pelos Atores

Nina se retira, Fred se retira, Marília e Dodô se abaixam junto à cova. Vitor, cabisbaixo, contempla a cova.

Nina – Gente, o Cazuza tá enterrado aqui. Que chique?

Vitor – Gente, o chão da sujo.
Marília – Aqui é grama.
Vitor – Marília…

Nina – Marília, levanta daí. Tá sujo.
Marília – Que sujo, gente. Puta gramadão.

Fred canta. Vítor e Dominique, separados pela cova, conversam sobre lembranças.

Vitor – Me dá um abraço?

Abraçam-se. Marília se ergue e todos se aproximam do banco.

Marília – Vamos pra praia?

Fred canta Renato Russo. Vitor e Nina conversam silenciosos.

Vitor – A gente podia ir pra casa de alguem?
Dominique – Hoje?
Fred – Mas e a praia?
Vitor – Mas to sem roupa.
Fred – Pelado. A gente entra pelado.
Dominique – Gente, to menstruada.
Silêncio.

Marília – O que foi? Acho ótimo já topei. Quem cala consente.
Dominique – Eu vou pra casa.
Fred – Vai sofrer sozinha.
Vitor – Toma cuidado com o que você fala.
Fred – Oh, Dodô, eu não quero te magoar. Mas eu acho que se a gente tivesse com ela ontem…
Dominique – Eu tava lá com ela ontem.
Fred – !!!
Marília – Ei! Ok! Chega! Não era você que tava lá ontem a noite. Presta atenção com o que você fala.
Fred – Talvez eu só esteja pedindo ajuda.
Marília – Então pede.
Dominique – Vai à merda, Fred!
Fred – Eu tô na merda.

Fred – Eu esqueci de pedir desculpa. Isso é importante.
Marília – Então vamos pra praia?
Dominique – Gente, de verdade, eu preciso ir pra casa.

Os meninos arrastam Dominique.

Vítor – A gente se encontra.
Fred – No próximo enterro a gente se encontra.

domingo, 27 de março de 2011

ensaio de 25 de março

Um coração feito de tantos começa a surgir no corpo desse dragão. Eu sinto, e me delicio...

Alquimia feita de graça, susto, palavras, reconhecimento e estranhamento...esse é o nosso lugar, esse é o lugar de vocês que acompanho com tanta alegria.

Vítor: Gosto de você.

Dominique: Eu só queria que fosse ontem de novo.

Nina e Fred no improviso pós-enterro sentados no banco. Silêncio e silêncio e silêncio. Como é gostoso vê-los dando tempo ao tempo. E temos tempo, lembrem-se disso, temos tempo de nos permitir lugares não tocados, lugares talvez esquecidos e deixados de lado porque no tempo do agora muito coisa precisou e precisa ser encoberta, o espaço do nosso encontro é o lugar onde des-cobriremos aquilo que nos impede de enxergar. Abramos os olhos, esqueçamos do chão, vamos olhar o outro o espaço, com olhos de gato e corpo de bicho, porque somos tudo e mais um pouco, porque somos nada e mais um tanto. As coisas podem ser deslocadas, desprogramadas, podemos nos colocar em um tempo Tarkovskyano (Stalker) e deixar a água escorrer lenta e saborosa. Façamos escolhas, não temos nada a perder.

sábado, 26 de março de 2011

Se se morre de amor

Queridos,

não estamos falando mais nisso, mas é que me tocou ler essa notícia - tão fresca - e imaginar que ontem quando eu deitava para dormir, por volta de 02h, alguém se lançava do alto de um prédio.

http://oglobo.globo.com/cidades/mat/2011/03/26/atriz-cibele-dorsa-morre-ao-cair-do-7-andar-de-predio-no-morumbi-em-sp-924097196.asp

Depois de ler a notícia eu fiquei me perguntando sobre os motivos pelos quais se morre. O dessa mulher a gente pode intuir, ela pode ter dito (no twitter e tal), mas será sempre um mistério. Ou não. Talvez seja tudo muito simples e claro. Uma clareza que assusta.

Suicídio consumado, como diz a notícia.

que país é este?

comentário da marília após ler que a referência "requiem para um sonho" serve ao seu personagem:

ontem,voltei p casa depois do ensaio louca p tomar um banho e descançar.Quando desci no ponto de casa,ao invés de ir direto para meu predio,passei antes no Cate pra pegar um açaí e na locadora pra pegar uns filmes.
Que boa idéia.Entre eles peguei "Quincas berro d'água".
Sinto,Di.Mas "Réquiem para um sonho" não é o filme da minha personagem.
"Quincas bérro d'água" é.
Minha personagem é brasileira.Sinto falta de mais referências brasileiras na nossa lista.
"Réquiem"me remete a tudo que não pareciamos nos propor.A exposição do sofrimento interminavel da vida,lamentações e dramas sem fim.
A vida quer viver.Meu personagem quer viver.
Nosso velório me parece carregado de culpa e de coisas que não queremos dizer.
Eu quero o velório de Quincas.Os amigos juntos querem no fundo pegar aquele corpo e se apoderar dele.Transitar com ele pelos lugares que transitavam.Beber cachaça e não wisky.Embarcar juntos numa jangada com o corpo em meio a tempestade.Num grande aquecimento de uso em grupo.Em dado momento o corpo sem vida é jogado ao mar,onde passará a navegar pela eternidade.
Assim,nos encontraremos novamente com ela junto ao mar.

É difícil dizer isso.Mas sei que temos liberdade,personalidade e existência para isso.

Com todo amor.


marília, concordo plenamente que não seja o filme da sua personagem. traz apenas uma faceta já degringolada da relação com a medicação, que foi algo esboçado num dos nossos encontros passados. ao mesmo tempo, é ótimo passarmos a pensar a nossa peça em relação ao nosso contexto sócio-cultural. acho importantíssimo e que bom que isso partiu de vocês. vamos seguir pensando.
  

Para o ENSAIO 06 - SEG.28/03

FRED - Não tá nada bem. Eu tô puto com esse meu controle. Eu não quero mais ter descaso com o que eu sinto, nem ser forte o tempo inteiro. Minha vontade agora é entrar lá e gritar bem alto que os Mutantes voltaram com a Rita Lee e tudo. Só para ver o que acontece. Mas não. Eu tenho controle. Só me parece que se eu desmoronar vai todo mundo junto comigo. Sorte a nossa que o meu personagem só chora quando tá sozinho. Porque eles tão achando que é riacho isso aqui, mas é tsunami, dessas bem violentas.

NINA - Meu celular tocou quando eu fazia compras na C&A. Olhei no visor e era ela. Desliguei, mas ele tocou de novo e eu atendi irritada, só que não era ela. Era a tia Anita, chorando. Naquele instante eu soube de tudo antes dela falar. Eu saí da loja enquanto ela falava os detalhes do enterro. Eu quase não disse nada, exceto que os meninos chegariam antes de mim. Eu entrei no carro e fui pra praia. Meu celular ficou ligado, se vocês ligassem eu estaria de pronto. Mas é que eu precisava tratar direto com o mar.

DOMINIQUE - E se eu tivesse falado sobre os sorrisos que ainda viriam? Ou que tudo aquilo não passava de uma simples crise adolescente? A gente não precisa compreender tudo, eu disse a ela, mas vamos viver tudo isso porque se não vivermos, então vale à pena estar vivo? Eu só estou pedindo que algumas horas voltem. E se eu tivesse dito menos? Ou mais? Se eu tivesse dito sim, que ela poderia tudo? Se eu tivesse trancado as janelas e passado o cadeado? Eu só queria que hoje fosse ontem de novo. Mas como é que se faz?

MARÍLIA - Eram 14h quando o Caco me ligou. Eu tava saindo de casa rumo ao cinema e de repente o tempo parou. Lembro que eu ainda pensei: a Lila não existe mais? E fui correndo em direção à capela. Fui cambaleando em direção ao seu corpo, eu precisava ver sua imagem mais uma vez. Sentir o que está e o que não está mais aqui. Onde será que você dança a esta hora da noite, camaleoa? Rapte-me. Eu te peço. Adapte-me a uma vida boa.

VÍTOR - Eu sinto você aqui. Com energias positivas. Não acabou. Quando eu sair daqui eu vou direto fazer o que a gente combinou, o que a gente se prometeu. Gosto de você. Todo dia, todo dia, todo dia eu penso em ti. Lá da minha janela eu tenho delírios, escutando a sua voz cantando em serenata, em sonho: Babaloo é Califórnia, Califórnia é Babaloo.

Tarefa: trabalharemos com a apropriação da fala do outro. O objetivo é tomar a fala como se fosse sua, como se as questões dela fossem suas. Não podemos ver o esforço em fazê-las caber em suas bocas. Elas - as falas - nasceram de vocês.
DOMINIQUE - apropriação da fala do VÍTOR - apropriação da fala da NINA - apropriação da fala da MARÍLIA - apropriação da fala do FRED - apropriação da fala da Dominique.
Atenção! Façam os devidos ajustes do feminino para o masculino ou vice-e-versa. Tipo: Marília ao falar a fala do Fred não precisa dizer "Eu tô puto", mas sim "Eu tô puta"...
Decorem para segunda e analisem um pouco a edição que eu fiz nas suas falas.

A garota do cambalear /c

"Eram 14hrs quando Caco me ligou para dar a notícia.Eu estava saindo de casa para ir ao cinema.Eram 14hrs,mas de repente o tempo parou.Lembro que pensei:a Lila não existe mais?Logo me pus a correr cambaleando em direção ao seu corpo.Precisava ver essa imagem mais uma vez.Sentir o que está e o que não está mais aqui.Onde será que você dança a esta hora da noite,camaleoa?Rapte-me camaleoa.Adapte-me pra uma vida boa.Interestelar..."

Grande ps:
Ainda outro dia no ensaio disse que eu,Marília,tenho pressão baixa e convivo já há um mês com a sensação de estar constantemente embarcada.Tenho um delay para cada movimento.

Não sei o porquê.Sei que é assim.E sei que fiquei perplexa ao descobrir que minha personagem seria a princípio reconhecida como a garota do cambalear.

Lembro de estar cozinhando e pensando:quais são as condições de temperatura e pressão da minha personagem?

Marília tem pressão baixa e as extremidades frias.E a garota do camabalear?

Vendo "Quincas bérro d'água" eu vi a ação/atitude da garota do cambalear que a família jamais entenderia.Talvez ela cambaleie de bebada,com o corpo quente.Talvez ela tenha um lindo sapinho.Talvez no dia do enterro ela tenha colocado o sapinho dela sobre o corpo sem vida da amiga e o sapinho entrando por debaixo da blusa dela e pulado tenha feito parecer que seu coração ainda batia.Sem pudor,talvez ela tenha pego e levantado aquele corpo querido,dando a ele a vida que ele não tinha mais.

Talvez






























































.Interestelar..."

O Cara do Café

Eu tô sentindo você aqui. Com energias positivas. Não acabou. Quando eu sair daqui eu vou direto fazer o que a gente combinou, o que a gente se prometeu. Gosto de você. Todo dia, todo dia, todo dia, todo dia penso em você. Lá da minha janela eu tenho delírios, escutando sua voz, cantando em serenata, em sonho: babaloo é california. california é babaloo.



O Dia do enterro
"Com um copo de plástico na mão ele cruzou a pista e sobre o gramado ficou durante minutos, a contemplar o céu e aquele silêncio imenso que afagava todas as coisas. Bebeu outro gole. Sentiu o café lhe acariciando o interior. Quis por um minuto morrer. Quis no minuto seguinte aproveitar aquele instante único de sua vida e sofrer, com intensidade, aquele instante único recém-passado no qual ele perdera sua amiga. E voltou, entretido na busca por uma lixeira na qual jogar o saco plástico."

sexta-feira, 25 de março de 2011

ensaio 05

25/03, unirio, sala 602
diogo, dodô, flávia, nina, fred, vítor, marília, amiga da flávia e gustavo guimarães.

SUZUKI

Eu tava na C&A quando eu recebi a notícia.
Eu tava na C&A comprando roupa quando o telefone tocou e eu recebi a notícia.

TRAJETÓRIA

Relembrar a trajetória de forma prática; VÍTOR + NINA + DOMINIQUE + MARÍLIA + FRED

VÍTOR + NINA + DOMINIQUE – parágrafo do Fred

A fala de Fred sobre a chegada da mãe no enterro cria outro tempo (mais presencial) que se aglutina à cena, visto que faz com que a ação dos meninos seja lida como algo já passado. É interessante pensar nisso. Como inserir o dia do enterro dentro do encontro presente entre os amigos, dentro do encontro que acontece três meses após o enterro?

VÍTOR + NINA + DOMINIQUE + MARÍLIA + FRED – Dominique olhando sempre para Marília

Salta muito. Por isso é importante saber ser neutro. Para fazermos saltar o que nos interessa.

VÍTOR + NINA + DOMINIQUE + MARÍLIA + FRED – Todos se olhando e desolhando

Ar de total desconforto e comunhão de algum segredo que só eles sabem.

Gente, eu estava chorando fazia já quase um dia que acabou me dando vontade de rir. Por que não? Ah, eu ri mesmo. E vocês não me condenem porque foi eu mostrar os dentes que todos começaram imediatamente a rir também. Então é tudo palhaço. Vocês viram a cara dela? Eu sei que na hora que a gente riu o caixão já tava fechado, mas vocês se lembram antes? Ela tava com um sorriso escondido no canto da boca. Filha da puta.

IMPROVISAÇÃO

Nina posiciona os braços na cintura. Vítor olha o céu e Dominique se vira, caminhando lenta para lá e pra cá. Marília segue buscando um olhar onde ficar e Fred parado não diz nada.

Nina se retira e volta ao banco. Junto com Dominique. Vítor abraça Fred e todos recuam em direção ao banco. Os moços sentam-se no chão.

Silêncio. Nina batuca o tempo. Nina tosse. Os olhares perdidos. Nina vigia a todos e Vítor se levanta. Angustiado. Fred com o olhar congelado no adiante. Nina impaciente. Duas falas ao mesmo tempo.

Vocês não querem comer lá em casa?

Eu vou pra casa.

Pra minha?

Não.

Eu queria que todo mundo ficasse junto.

Vamos, Dô.

Eu prefiro ir pra casa mesmo.

E se a gente fosse pra sua casa todo mundo?

Todo mundo?

E se a gente marcasse amanhã?

Amanhã eu posso.

Tá querendo ficar sozinha?

A casa perto da repressa tá rolando?

Aluguei. Não.

Eu não posso.

Amanhã de noitinha?

Você pode quando?

Vítor esmurra a parede e chora.

É melhor pegar um café pra ele.

Acho que ele já bebeu o bastante.

Um cafezinho.

Obrigado. Obrigado.

Gente, então, não sei. Quando?

Posso hoje, posso… Posso depois de amanhã. Eu vou ficar um mmês fora.

A gente pode se encontrar quando o Fred voltar.

Em maio?

Daqui a um mês?

Tô meio sem saber. Eu sei dizer agora. Daqui a um mês eu não sei. Vou ficar meio assim, a mercê dos compromissos.

Marquem o dia que vocês podem e eu dou um jeito.

Sabe o que eu acho? Eu acho que a gente gosta de tá junto, mas a gente…

Vamos se encontrar?

Quem não pode amanhã?

Nina levanta o dedo.

Vocês podem se encontrar sem mim.

Não faz sentido.

Vocês perceberam que a Tia Anita não fala que ela se matou?

Então é isso?

Acho que a gente se liga, Fred?

E a gente se atende?

Eu acho que a gente tem que ficar junto. Não tem que esperar alguém morrer pra gente ficar junto.

Mas eu entendo a Dodô.

Eu vou pegar algumas coisas no apartamento da Lila e a gente pode se reencontrar.

É. Tem que esvaziar o apartamento no mês que vem.

Vamos fazer isso rápido.

Mas a gente tem que tirar as coisas do apartamento.

 

IMPROVISAÇÃO 2

Fred se dirige imediatamente ao banco, desolado.

Nina se retira de costas, com as mãos na cintura , disanciando-se do todo e vigiando os outros.

Vítor se ajoelha e fala com a amiga.

Fred aponta para alguma coisa e causa leveza em todos. Comentam alguma lápide.

Sabe que uma vez eu vi um texto assim, de lápide…

Eu escreveria Enfim magro…

Vítor corre.

Nina – Vítor, chega ai, vamos conversar…

Vítor grita CAROL!!! VOA!!! E retorna ao banco, Desculpa, eu prometi isso pra ela…

Vou comer bolo no cemitério?

A tia Anita (comendo) pediu pra gente ir ao apartamento. Pegar as coisas.

Vamos hoje?

Eu acho o seguinte. Eu acho que a melhor maneira é beber.

Desculpa, mas eu não vou poder hoje não.

Dodô, olha pra mim. Vamos beber.

Dodô, eu te deixo em casa depois. Ou aonde você quiser.

Gente, não. Não dá.

Eu tô com a cópia da chave do apartamento dela, a gente vai comprar várias Stelas, que é a cerveja que ela gosta.

Vamos, Dods?

Não.

Eu não quero ir assim faltando gente.

Faltando gente já vai tá.

Então não, né?

(FALTAM TRÊS MINUTOS)

Sábado?

Eu viajo domingo.

Quando você volta?

Eu volto na quinta.

Acho melhor antes.

Mas não sei, se for depois eu acho melhor depois.

Dodô, eu voto sexta.

Você não entendendo, Dodô.

Eu não tô entendendo o que tá acontecendo aqui.

Todo mundo pode sexta?

Não senti firmeza.

E a gente?

A gente vai tá junto.

Ela disse que não pode.

Eu vou de táxi.

Eu ligo qualquer coisa.

Como sempre.

 

IMPROVISAÇÃO – REPETIÇÃO

Fred – O que não mata engorda.

Vai deixar os pais fazerem esse trabalho. A gente tem que fazer esse trabalho.

Eu vou daqui a pouqinho no meu carro maior.

 

IMPROVISAÇÃO – REPETIÇÃO – TROCA DE PAPÉIS

Vítor interpreta Fred
Fred interpreta Vítor
Nina interpreta Dodô
Dodô interpreta Marília
Marília interpreta Nina

Esse jogo testa a nossa capacidade de observação do outro. Observar o outro é observar a si mesmo.

Vocês sabem o meu número: 967048.

Nina e Fred se olham, sentados, enquanto ele estala os dedos. Aqui jazz.

 

IMPROVISAÇÃO – FRED E NINA

Pós-enterro. São estranhos. No banco do cemitério.

Oi.

Oi.

E ai?

Você não vai me perguntar se tá tudo bem, né? Porque não está.

Tirando…

Tá melhor agora.

[…]

Eu tô bem também.

Eu sei.

[…]

Eu pergunto por você.

Ah, que coisa linda, Fred. Eu tava com saudade.

Não são estranhos. Estavam distantes.

Você fez outra tatuagem

 

IMPROVISAÇÃO – Marília e Dodô

Tá bom.

 

VÍDEO DA MAY FLOWER.


Referências:

“As Horas” – Para Dominique
”Requiem para um sonho” – Para Marília

quinta-feira, 24 de março de 2011

o cara do celular

“- Não, não tá nada bem. Tô puto com essa minha aparente serenidade. E controle. Eles acham que é riacho mas é tsunami, dessas bem violentas. Tô cansado de manipular as minhas próprias emoções.. não quero ter descaso com o que sinto aqui dentro. Não quero fazer rir toda hora nem ser forte o tempo todo. Parece que se eu desmontar todo mundo desmonta. Minha vontade é entrar lá agora e gritar bem alto que os Mutantes voltaram com Rita Lee e tudo só para ver o que acontece. Mas não posso. Eu tenho o controle. Aprendi que preciso manipular emoções corpo voz mente e íntimo. Corpo e voz. Articulação clara e precisão nos movimentos. Acreditei quando me disseram para ser científico com meu próprio peito. Não posso derramar uma única lágrima porque meu personagem só chora quando tá sozinho. Não quero ser suporte. Nem cínico. A insustentável leveza do ser. Ou não ser ? Eis a questão.”



"Até que viesse a mãe dela. Desamparada. Chorando não como quem chora, mas como quem pede – lágrima por lágrima – para morrer junto com a filha, como quem implora para ser levada, como quem clama a alguém que permita a ela doar sua própria vida para a filha. O choro da mãe feito desespero explícito da alma, feito sinfonia aguda e capaz de estourar ouvidos dos mais sensíveis. A mãe chegou trazendo consigo a certeza de que a dor seria desde já uma eternidade possível."

garota da ausência

"O meu celular tocou quando eu tava na C&A, fazendo compras. Nossa, foi péssimo, pior lugar pra receber uma noticia dessas, eu acho. Deu vontade de colocar fogo em tudo. Eu estava cheia de roupas nas mãos, e o celular tocou. Olhei no visor, era ela. Pensei que era qualquer coisa boba,e não atendi. Desliguei e coloquei no bolso outra vez. E seguidamente, o celular tocou outra vez, fiquei logo irritada e atendi, bufando, quase dizendo que eu tava ocupada, que ligava depois. Mas não era ela, eu reconheci pela voz. Era a tia Anita, chorando. Eu acho que eu soube o que estava acontecendo naquele segundo, antes dela explicar. Eu deixei tudo ali, saí da loja, com ela na linha, falando os detalhes, o endereço, a hora do enterro. Eu não fiz nenhuma pergunta. Eu não disse quase nada. Eu disse que estaria lá, que os meninos seriam rápidos para chegar, mas que eu demoraria mais um pouco. Fui fria. sai dali, entrei no carro e sumi, de mim. Fui pra praia.
Meu celular ficou ligado, se qualquer um de vocês ligasse eu estaria onde fosse, de pronto. Mas só se fosse necessário, só se me ligassem. Até então não, eu preferia tratar direto com o mar."



"Da porta o rosto saltando o caixão de mogno escurecido. Avançou lento se surpreendendo a cada passo com a própria saudade que crescia dentro de si feito um bicho faminto. Caminhou lento querendo se possível pular por sobre ela a fim de impedir que ela se fosse, para impedir que o tempo passasse ou, ao menos – ele pedia dentro de si – para que o tempo fosse generoso, que fosse a despedindo do mundo em câmera lenta. Ele chegou ao seu lado. O olhar fixo e marejado no queixo da amiga semi-cicatrizado, com escoriações a mostra, com aquela maquiagem que a fazia parecer mais cheia do que realmente estava. Ele ali contemplando o rosto dela, a sua ousadia, a sua dor, a sua incompreensão, ele olhando a noite naquela estrela adormecida, ainda mais linda e a cada segundo mais fria. Esticou as mãos e entre elas comprimiu as dela. Ele ali tentando lhe dar vida. Ele vendo dela a poesia que ele nunca acreditou acontecendo plenamente, bailando delirante dentro do ar preso na atmosfera."


Pensando que tudo aquilo que a gente acha que é o fim é só o começo. e isso é o mais assustador. o começo de alguma coisa que começou com um fim, que pode ser um fim se repetindo para sempre, lembrando a todo segundo ao que veio. mas pode ser também um terreno absolutamente desconhecido. algo que acontece depois do ponto final das coisas. algo que nunca, nunca vimos, e é desconhecido por todos os sistemas.   

trecho dia do enterro.

"No orvalho, refletia-se uma manhã triste e resignada. Havia uma árvore sobre a cova. Houve um instante em que só se moveram as lágrimas. Quando a tampa do caixão foi colocada a mãe se lançou ao chão sendo erguida, em vão, pois continua ali cravada até hoje. E lento, lentamente, o caixão foi ganhando o mundo para dentro, beijando a terra e se despedindo em silêncio."

dúvida

Nina olha pra mim e Diogo e pergunta: vocês sabem a gravidade do que vocês estão fazendo?
Eu respondo agora, apenas: Não sei, Nina. Não sei da gravidade. Mas se ela existir, prezo que seja feito ficção. Capaz de doer sim, mas também possível de se abandonar. Ou não. Não sei. Talvez daqui a pouco a gente venha a saber. Talvez não. Por isso, eu peço, vamos juntos e com calma.
    

23 de março

Dentro de mim um sorriso cresce e permanece. É assim que sinto ao me despedir do encontro de hoje. Fico orgulhosa por ter escolhido estar ao lado de cada um de vocês. E que bom que vocês também me escolheram. Nos escolhemos, de fato.

Os cheiros agora se misturam, as vozes se perfuram, os olhares se encontram. Que corpo é esse que está se formando? Que forma, cheiro, som tem esse corpo? Marília diz que está em delay, Nina diz que sente o tempo todo arrepios, vidas sendo atravessadas por outras vidas e fazendo surgir um algo inédito, um algo inominável e impalpável mas que ninguém duvida que não exista.
Vamos empunhar a espada, vamos sentir essa potência única que pertence a cada um de nós, vamos botar o pau pra fora e botar pra fuder, seremos vulgares, cavalheiros e damas, seremos cínicos, delicados e frágeis. Seremos monstros e dragões, soltaremos fogo, assustaremos o outro e juntos vamos embaralhar a ordem, arrebentar o risco e dinamitar a certeza que não nos abre portas.

Os textos de cada um, os textos pessoais, são lindos, lindos. Que surpresa boa, quero mais surpresas assim!

Dominique reivindicando, Vítor se entendendo, Fred se perguntando, Nina se desculpando, Marília se desfazendo. Vi todos em lugares diferentes do que estou acostumada a ver, quero ver mais disso.

Diogo e a amiga. Quanta vida traz uma morte. O vazio. O horror. O iogurte. A hipoglicemia.

C & A

Ela viu o porquinho atravessando a rua. Ela queria ser o porquinho, porque não existe um outro porco maior atrás do porquinho, porque o porquinho é só um porquinho. É só um porquinho.... e então ela se matou.

Delírio...

Rapte-me camaleoa.

Nina olha pra mim e Diogo e pergunta: vocês sabem a gravidade do que vocês estão fazendo?

quarta-feira, 23 de março de 2011

ensaio 04

23/03, ufrj, sala vianinha
diogo, dodô, flávia, nina, fred, vítor e marília.

não é nada demais, é só que eu fico vendo eles assim sendo aquecidos pelo outro e o outro, na verdade, meio que apático, ou melhor, disponível. e fico vendo como talvez esse outro nessas condições seja preciso. sabem? imaginar a possibilidade de um toque (de um peso) sobre você, afagando as suas dores e dando adeus ao tempo que não passava. eu não sei, mas acho incrível essa possibilidade de se ser pelo outro. de ser forte pelo outro. de ser flexível pelo outro.

a marília tem uma coisa de intrépida que o fred é capaz de conter. a nina e o vítor juntos me causam dor, melancolia. ao mesmo tempo, sugerem suspense, incerteza. a dominique é como se estivesse num pause, prestes a explodir, sendo mexida pelo corpo da flávia.

é muito bom estar aqui com vocês. risos. é de fato muito bom.

a partir de sexta-feira, um rapaz chamado gustavo passará a vir aos nossos encontros. ele está começando a desenvolver a sua pós-graduação em antropologia da arte e o nosso processo de criação colaborativa será um campo de sua pesquisa. vamos recebê-lo.

outra coisa: quais vícios cada corpo traz? quais impedimentos que vemos ali postos em cena? para onde não conseguem olhar, de que forma não conseguem ver, com que velocidade não sabem andar, com que destreza conseguem correr de um tiro? vocês, atores, estão o tempo inteiro disponíveis, vencendo seus limites e aprimorando capacidades. mas e vossos personagens? eles têm essa capacidade?

dodô e fred me sugerem um pacto. há um silêncio velado entre os dois que só os dois sabem. me desculpem, eu aqui inventando essas coisas. ao mesmo tempo, a marília perto da nina me sugere um contrapor-se feroz. um embate de atmosferas e posturas.

ouvem-se risos.

o pano. este corpo. ele deseja quedar, apenas. os cinco juntos tentando segurar o inevitável. tentando fazer voar o concreto, crianda asas onde não há. como se convencerem disso? como nos convencerem de que isso é possível?

ATACOU! RECUOU! VOLTOU!

SUZUKI.

>>> Trajetória;

Vítor – carro estacionado \ até a frente da capela \ direto para a cafeteria \ em direção ao gramado e ao céu \ rumo ao banco, sentando-se \ para a cafeteria \ exita, exita, lento até a capela \ da capela ao banco, sentando-se no chão \ do chão até à cova.

Nina – do estacionamento até o banco, virando-se \ fica parada olhando o banco durante um tempo \ olha a capela \ avança lenta até ela \ estaca \ gasta tempo ali, olhando \ segue lenta até à cova.

Dodô – do estacionamento lenta até à capela \ da capela ao banco \ do banco até à capela \ estática diante a cova \ dali segue lenta rumo à cova.

Fred – entra e vai direto ao caixão \ retorna ao banco \ sai apressado até o estacionamento \ volta ao banco \ volta ao estacionamento \ retorna, passa pelo banco e se dirige à capela \ gasta tempo olhando, rodeia o caixão \ lento se dirige à cova e ali fica.

Marília – entra apressada em direção ao banco \ pára \ entra na capela apressada \ se retira mais lenta e senta no banco \ se levanta lenta e lenta segue até o interior da capela \ dali se retira lentamente e segue também lenta em direção à cova.

>>> Fala;

DOMINIQUE - (sem pausa) Eu não me entende aqui inteira se falta uma parta. Eu só queria que as horas voltassem. Eu disse, eu disse a gente não precisa compreender. Se eu tivesse fechado a janela.

NINA - (um tom grave) Eu tava na C&A comprando roupa quando o telefone tocou e eu recebi a notícia. Eu olhei no visor era ela. Eu desliguei. Achei que fosse alguma coisa boba e desliguei. Mas era a Tia Anita, chorando, e naquele momento eu sabia de tudo. Eu saí da loja deixei tudo lá com ela no telefone me dizendo o endereço e o horário. Eu tomei o carro e fui pra praia. Fiquei lá umas três horas, deixei o telefone ligado caso um de vocês quisesse falar comigo, mas eu queria primeiro – se possível – tratar com o mar.

MARÍLIA – (um tom mais grave) Eram duas horas quando o Caco me ligou pra dar a notícia. Eu tava me arrumando pra ir ao cinema. Eram duas horas mas o tempo parou. Lembro que eu pensei. Logo me coloquei a correr e cambaleando em direção ao corpo dela. Interestelar.

FRED – (mais seco, mais grave) Não, não tá nada bem. Eu tô puto com minha aparente serenidade e controle. Eles acham que é riacho, mas é tsunami, dessas bem violentas. Eu não queria ter que manipular minhas próprias emoções nem ter descaso com tudo o que eu sinto aqui dentro. A vontade que eu tenho é entrar lá agora e falar bem alto que os Mutantes voltaram com a Rita Lee e tudo. Mas eu não posso, eu tenho controle. Aprendi a manipular emoções… Corpo, voz, articulação clara e movimentos precisam. Eu não posso derramar uma única lágrima porque o meu personagem só chora quando tá sozinho. Eu acreditei quando me disseram que eu devia ser sincero com meu próprio corpo.

VÍTOR - (mais rápido, mais agudo) Eu tô sentindo você aqui. Com energias positivas. Não acabou não. Quando eu sair daqui eu vou direto fazer o que a gente combinou, o que a gente se prometeu. Gosto de você. Todo dia, todo dia, todo dia, todo dia penso em você. Lá da minha janela eu tenho delírios, escutando sua voz, cantando em serenata, em sonho.

 

VÍTOR – Ta gravando? Eu tenho um amigo meu que quando quer falar algo importante ele fala “eu tenho que contar uma coisa muito importante, muito séria…” Depois que ela já tava na sepultura, eu cheguei pra ela, tentei conversar uma última vez, ela tinha energias positivas, essas energias eram dela. Eu tava sentindo. Eu tava sentindo minha amiga ali. Eu disse pra ela que eu gostava dela e que assim que eu saísse dali eu iria fazer aquilo que a gente prometeu. E eu fiz isso, eu disse “eu gosto de você”. Não, eu não vou chorar. Contei pra ela que todo dia, todo dia…;

DOMINIQUE – Eu, engraçado, eu cheguei eu fui uma vez na capela e depois eu sentei e fiquei cravada ali sem conseguir me mexer, naquele momento eu meio que tava falando comigo mesmo, pensando nas coisas que eu poderia ter dito. Na verdade eu fiquei pensando o que eu que eu deixei de fazer, o queque eu fiz de errado que eu n~´ao consegui impedir nada se realmente eu fiz. Enfim, eu fiiquei pensando se eu poderia ter dito… Eu não sei. Eu acho que eu só não sabia o que fazer. Eu queria um dia a menos na minha vida naquele momento pra conseguir entender e fazer diferente. Sei lá… É isso…

NINA – Eu cheguei atrasada no funeral. Atrasada não, mas bem depois. Eu não podia ir crua, daquele jeito, eu tava na C&A, o telefone tocou. Era ela. Tocou de novo, eu resolvi atender. Só que não era ela, era tia Anita chorando. E eu já sabia de tudo naquele momento. Eu não falei nada, eu fui fria, falei que vocês iam estar lá logo, mas que eu ia demorar. E eu fiquei lá umas três horas. Meu celular ficou ligado.

FRED – Foi um dia muito difícil mesmo assim. Eu lembro que meu telefone não parava de tocar, e era sempre alguém querendo saber alguma notícia, como eu tava, e eu tava muito desesperado. Eu lembro que meu celular vibrou, mas era um lembrete, porque eu tinha um teste. Eu peguei o telefone e comecei a descascar com o lembrete. Eu tava puto comigo mesmo. Eu tava demonstrando um controle que eu não tava sentindo verdadeiramente. Eu lembro que naquela época tava tendo tsunami no Japão. Ai eu falei que não era riacho, era tsunami. Que eu não queria manipular meus sentimentos nem ter descaso de… A gente se conheceu num show dos Mutantes. Eu quis gritar que eles tavam voltando. Mas eu não podia fazer isso, porque eu era controlado. Eu lembro também que um dia eu ouvi de um diretor que eu devia ser científico com o meu próprio peito. Eu queria ser o consolado. A insustentável leveza do ser, era uma referência muito importante. A insustentável leveza do ser, ou não ser, Hamlet. É isso. Bobo.

MARÍLIA – Eu fico pensando como certas coisas de repente acontecem no meio do dia. Eu não sei, a vida surpreende a gente, era duas horas, você me ligou pra dar a notícia. Eu tava indo ao cinema. A sensação de que o tempo pára. Como assim ela não existe mais? Eu não sei, veio um desespero. Eu já cheguei, acho que encontrei vocês, mas eu fui direto, “deixa eu ver esse corpo ai”. Eu não sei, é esquisito também, você vai no ímpeto mas ai encontra umas coisas difíceis. Sei lá, aquela capela, aqueles discursos. Depois, eu me lembro de chegar pertinho dela e falar a minha fala com ela. Onde é que ela tava aquela noite.

 

VÍTOR – Então. É… depois daquilo tudo, quando eu, vocês tavam indo embora, eu não vou chorar, eu fiquei sozinho com ela, mas enfim, todo mundo tinha ido embora, eu senti a presença dela ali, eu senti verdadeiramente mesmo, com energias positivos, eu tava sentindo energia, podia ser uma loucura da minha cabeça, mas eu tava sentindo, eu disse pra ela que aquilo ali não tinha acabado, engraçado isso depois de um tempo a gente tem vontade de rir, mas ao mesmo tempo dói, eu falei pra ela que quando eu saísse dali eu ia direto… às vezes me dá uma vontade de gritar o nome dela… eu queria contar pra vocês que todo dia eu ia tirar uma parte do meu tempo e ia ficar lá da minha janela. a voz dela dizendo “babaloo é califórnia, califórnia é b…”

VOCÊ CHEGOU A PERGUNTAR SE ELA ESTAVA BEM

SIM E ELA DISSE QUE NÃO TAVA BEM

E O QUE MAIS

DISSE SOBRE COISAS DE FAMÍLIA, DE AMOR, DE OUTRA PESSOA.

E O QUE QUE VOCÊ FEZ

EU OUVI. E OUVI E FALEI ALGUMAS POUCAS COISAS. MAS AI ELA DISSE QUE ERA BOBAGEM E QUE TAVA TUDO BEM. ACHO QUE EU SAI DE LÁ QUASE MEIA NOITE. VOCÊ NÃO SE ARREPENDE?

DOMINIQUE – No dia anterior, do enterro, ela tinha me ligado cedo e a gente meio que passou o dia quase inteiro. Nós ficamos juntas, ela me disse que não tava bem, a gente saiu e a gente foi andar de bicicleta. Tava um sol incrível, tava claro, não era aquele sol quente, abafado, e aconteceu uma coisa muito inusitada, no meio da zona sul, um porquinho atravessou a rua. foi muito estranho. que isso? era um sinal. a gente parou, a gente não tava conseguindo entender. é um sinal. gente, o sinal tava fechado. “vamos atrás do porco”. não, bicho fedorente.

ele era rosa, mas ele era pequenininho, mas tava bem distante assim. eu acho que era um porco mesmo. não tinha um outro animal rosa daquele jeito. a gente voltou pra casa. a tia anita tava lá. a gente comeu pizza. a gente voltou pro quarto. a gente conversou sobre mil coisas. sobre como ela tava meio perdido.

e eu falava a gente tem que se perder pra se achar depois.

perdida em tudo. pessoal. uma relação estranha dela em relação aos pais, com a tia anita e o tio jorge. ela demonstrava um incômodo de estar ali, com a nossa idade. enfim, a gente já morando sozinho. até porque ela não tava num emprego instável ainda. tava tudo ruim, mas não parecia. tão. não sabia que vinha de tanto tempo. ela era muito superficial.

o porquinho morreu.

a gente não sabe. engraçado o porquinho. ele acabou entrando no meio de todas as conversas. e falou da coragem do porco de atravessar a rua sem olhar pros carros. era um porquinho pequeno e livre. o porquinho podia não ter o que comer; e ela falava isso. sem nenhum grande porco pra acompanhar ele.

 

MARÍLIA – Era duas horas da tarde quando o Caco. O Caco me ligou. Eu tava indo no cinema. Ai, duas horas da tarde. Parece que o tempo parou. Eu pensei assim. A Lila não existe mais. Eu só quis sair correndo assim, querendo saber que que tava ali que não tava ali. Onde é que você tá dançando hoje? 

terça-feira, 22 de março de 2011

Fala

A garota do silêncio profundo construirá uma fala na qual se expressa a sua incompreensão sobre as coisas. Uma fala direta e clara, tomada pela vertigem de estar viva ali naquele instante. Será destinada a si própria, ali sobre si mesma desamparada. Será marcada por aquilo que não sabemos, mas que remói o seu íntimo e a atravessa.


Não me entendo aqui, inteira, sem uma parte. Como se fica assim, em pé com os pés cravados gritando uma volta? Eu só estou pedindo que algumas horas voltem. Que algumas horas retornem, vamos, por favor. Que alguma coisa se mova e nos mova desse buraco. E se eu tivesse falado sobre os sorrisos que ainda viriam? Ou que tudo aquilo era uma simples crise adolescente num corpo adulto? A gente não precisa compreender, eu disse, vamos viver, se não vale a pena estar vivo, não é? E se eu dissesse mais, ou menos. Se eu tivesse dito sim, que ela poderia tudo. E se eu tivesse trancado as janelas e passado cadeado? Eu só estou pedindo para ser ontem de novo. Não sei como se faz.

segunda-feira, 21 de março de 2011

ensaio 03

21/03, ufrj, sala vianinha
diogo, fred, vítor, flávia, marília e dominique

aquecimento de uso – testar limites seus e os limites do outro; sem nina e sem dodô.

como cavalgar um dragão! ou um pano. é só uma questão de escolha. como manusear esteticamente este jogo. o som que fazemos no chão. o chão que fazemos com o jogo. em quais alturas estamos e operamos.

jogar bobinho com o pano.

caminhadas pelo espaço, andanças atentas ao andamento e à duração. empunhar a espada, solicita a flávia. que falta a nina faz. quem foi que matou? voltar a caminhar como se nada tivesse acontecido.

]trajetória;

um por um - no dia do enterro – mostrando a trajetória de seu personagem (atenção à duração dos deslocamentos e dos tempos em que gasta em cada ponto)

O CARA DO CELULAR -
A GAROTA DO SILÊNCIO PROFUNDO -
O CARA DO CAFÉ -
A GAROTA DO CAMBALEAR -

todos juntos percorrendo a trajetória sem relação entre eles (daqui brotará a relação espacial);

repetir a trajetória com todos incluindo o parágrafo decorado em qualquer momento da trajetória, experimentando ter sempre um texto sendo dito como se narrassem o encontro, podendo pausar o texto em um ponto e continuá-lo em outro; experiência interessante.

improvisação:

O CARA DO CELULAR – Fred Araújo

Estar realizando uma ação específica e receber um telefonema da mãe da amiga morta, três meses após o enterro. A mãe pede a ele que se reúna com os outros, no apartamento da amiga, para que dividam entre si os pertences dela.

Experimentar a habilidade de lidar de forma prática com algumas situações absurdas.

1. Relaxando, ela liga;

2. Escândalo, gritando… “Debaixo do tapetinho. Oi, tia Anita. Vamos os cinco”;

3. No dentista. “Não tá tudo ótimo. Os cinco? Debaixo do tapetinho. Não, pode falar. Ah? Tá. Eu vou ligar pra eles agora. Debaixo do tapetinho. Beijo”;

4. Tentando o suicídio, liga a tia Anita. “Não, tia. Não chora não. A gente tem que ser forte nessa vida. Ela não ia ficar feliz de te ver assim. isso… Eu vou. Eu vou ligar pra eles agora e a gente passa lá. Debaixo de tapetinho. não chora. ela vai… Tá. 17h30, 17h40 eu tô ai. Um beijo, fica bem, tchau”;

5. Transando. “Fala, fala, fala… Vou claro, que dia você quer… Claro, eu ligo, eu ligo… Canta a música que ela gostava, canta. Quem acredita sempre alcança...”. Repetição saindo da ação anterior. “Eu tenho o telefone de todo mundo. Eu ligo pra cada um deles. Eu passo na casa de cada um. A gente pega embaixo do tapete. Ela tá bem agora. Tá descansando, né? É. Claro. Quem acredita sempre alcança. Pode deixar. Eu vou pegar todo mundo. A gente faz a partilha. Eu vou ligando de cinco em cinco minutos pra te falar quem ficou com o quê”.

FLÁVIA – PRAGMATISMO.

A GAROTA DO SILÊNCIO PROFUNDO – Dominique Arantes

Estar realizando uma ação específica e ser tomada por algo externo que exploda em si a dor em relação à perda da amiga, que ela prontamente maqueia.

Experimentar a habilidade de fingir que nada é com ela. A habilidade única de maquiar a dor e seguir adiante, cínica porém machucada.

1. Vendo TV;

2. Guarda-Roupa;

3. Chegando na casa do Tio Jorge e na Tia Anita para arrumar as coisas da amiga;

4. Constrangimento no super mercado;

5. Recebendo os amigos, falando da bebida;

FRED DISSE “FRAGILIDADE”.

O CARA DO CAFÉ – Vitor Peres

Estar realizando uma ação específica e ser tomado de si por uma pausa brusca dentro da própria realidade. Pausa aberta pela falta da amiga. Ele vive a pausa e no segundo posterior, retorna à vida.

Experimentar a possibilidade de lançar por sobre a vida um olhar diferenciado, num tempo outro e com outras qualidades.

1. Rezando;

2. Limpando o chão com pano molhado;

3. Treinador de futebol; (é bom quando volta)

4. “Acabei de perder uma amiga, uma pessoa que eu amava. Eu tenho que tá junto com meu amigo. Eu prometi isso pra ela. Que a gente ia ficar junto. Eu juro que eu to dando tudo de mim, eu juro. (Pausa) Oi?”;

5. Receita. “Manjericão. Compra carne moída. E quatro ovos. Você pega o ovo e bota dentro… O ovo, você deixa por dois minutos com o fogo desligado”.

A GAROTA DO CAMBALEAR – Marília Misailidis

Estar realizando uma ação específica e reagir a esta ação tendo como resposta a dor da perda da amiga. A morte da amiga serve de resposta a tudo o que vive.

Experimentar a possibilidade da perda servir de pretexto e de resposta para tudo. Testando a validade da própria dor.

1. Tomando um banho;

2. Falando dos remédios – hipocondríaca - “Também depois de tudo o que aconteceu, foi muito difícil levar a vida sem ela. Depois do enterro dela eu engordei dez quilos. Problema pra dormir também, eu não conseguia mais trabalhar nem fazer nada. Uma amiga falou é ótima. Tô triste, só penso nela. Foi uma delícia. Sonho com ela. Às vezes eu falo com ela, sinto ela, sinto ela aqui. Tem gente que acha que esse remédio não tá me fazendo bem. Já resolvi. Acho isso tão engraçado. Esse negócio com ela foi muito…”

FRED - ATRAVÉS DE PALIATIVO, ELA FAZ USO DE UMA FUGA MUITO ESPECÍFICA.
VÍTOR – A DOR DELA É MAIS DESESPERADA.
FLÁVIA – MEIO ESTÉRICA.

A MOÇA DO DEPOIS – Nina Balbi

Estar realizando uma ação específica e irromper sobre ela questionando a sua posterioridade, o que virá depois, como será depois, como lidar com o depois e como construí-lo.

Ela experimentando a sua capacidade de ser prática e estar ligada sempre ao futuro.

sábado, 19 de março de 2011

trajetória - 'o dia do enterro'

Ele chegou dirigindo seu próprio carro e dando carona para um amigo e para uma amiga. Desceram os 3 e caminharam em direção à capela. Tão logo frente a ela se puseram, um dos amigos de imediato se retirou. Ficaram Ele e Ela, imóveis. Ela escorada Nele.
Então foram os dois lentamente entrando na capela. Pararam a cerca de um metro e ali ficaram por alguns segundos, tempo suficiente para que Ela se retirasse bruscamente. Ele ali. Sozinho e parado. Avançou até Ela e beijou suas mãos. E saiu da capela.
Encontrou Ela no banco e sentou-se ao seu lado. Ele se aproximou também e ficaram os três assim: próximos e apertados. A noite se despedindo e Eles sentados. A mãe desamparada e Eles sentados.
Ele passou um braço por trás da amiga e a confortou, desconfortável. O celular Dele vibrou, Ele atendeu se erguendo e indo ao local onde estacionara seu carro. Foi falando leve e calmo pedindo que Ela viesse. Que viesse que viesse e que viesse. E sentou-se de volta ao banco.
Cruzando o jardim gramado e o chão de pedras, Ela veio cambaleante. Abraçou os amigos por inteiro e entrou na capela, sem hesitar. Ele saiu para tomar outro café. Ela no banco começou a chorar e Ele, que desligara novamente o celular, sentou-se ao seu lado e a confortou.
Ela saiu da capela cambaleante e veio ao encontro dos dois amigos, sentando-se também no banco. Ele, com outro café nas mãos, caminhou direto ao interior da capela.
Ele saiu da capela e foi em direção aos três amigos sentados no banco. Sentou-se também, no chão e de frente. O celular Dele vibrou. Ele se ergueu em direção ao estacionamento, chegando a tempo de segurá-La.
Entraram juntos na capela, os cinco. Os amigos ao redor do caixão, um a um Dela se aproximaram. Entrou também um beija-flor enlouquecido e Ele abriu a janela.
Caminharam da capela até a pista de pedra e desta até a cova. Viram a pá nivelando a existência da amiga que ali terminava.




A seguir, os cinco voltaram à capela e se trancaram. Ficaram Eles, sozinhos, acompanhados apenas das pelúcias correspondentes a cada ano de vida da amiga. E prometeram só sair dali quando descobrissem juntos como continuar.

sexta-feira, 18 de março de 2011

ensaio 02

18/03, unirio, sala 301
diogo, dominique, vítor, fred, flávia, marília e nina

com que força a marília massageia a nina. eu gosto. sinto que o corpo às vezes pede por um pouco mais de peso. e me pergunto: que dor é de um tamanho que eles aumentam, apenas pelo desejo/necessidade de sentir seu peso? eles disputam o sofrimento, quem dói mais, quem sofre mais?

o perfume do fred está solto pelo ar. fico pensando qual cheiro dela ainda sobrevive neles? em alguma coisa? algum perfume? uma lagartixa gorda sobe a parede. lá de cima ela consegue ver melhor o ensaio. é foda isso de acordar tão cedo para ensaiar, mas… é preciso tornar isso hábito, mas não acostumar.

massageiam-se. a sala estava suja. passamos uma vassoura e um pano úmido.

 

andam pelo espaço. vamos tentar ser cínicos, diz a flávia. é bem isso. como não anteceder dentes? como não entregar um excesso de informações desde o início? como ser sereno? vocês precisam ter essa ciência, ter esse descaso com o sentimento, serem científicos com o próprio peito e com as próprias emoções. nós somos manipuladores de tudo isso. do corpo, da mente e do íntimo. se não formos capazes disso, como seremos capazes de assumirmos o outro? como brincar de personagem se não sabemos abandonar nossos vícios e certezas? temos que abandonar.

 

eu fico me perguntando, ao vê-los assim tão corporalmente disponíveis, que coisa esses corpos podem dizer que não palavras? parece de fato que a resposta reside no corpo. a resposta para a nossa enxurrada de perguntas sairá do corpo. como exclamação profunda e irredutível. como sinal incontestável do aborrecimento de estar vivo e ainda assim desejante da vida.

uns sobre os outros. eu hoje tô excessivamente encantado com a concretude presente no peso. lembro-me da discussão declarada em A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO SER, sobre essa ambiguidade terrível que não tolera classificação: leveza ou peso. leveza ou peso. talvez nela reside um bastante do nosso texto, da nossa encenação. como transitar entre o leve e o pesado sem ter que fazer distinção? como ser inteiro a queda e o se erguer? como não-saber?

isso de ser usado pelo outro é bem aquilo que já havia sido escrito por mim no blog. algo como pode me usar. pode precisar de mim. eu te ajudo. poderia ser comigo. pode me pedir ajuda. eu vou entender. é como se a resposta mais sincera para tudo isso fosse um gesto e não um verbo, fosse um movimento e não uma frase. fosse um arrepio e não um ponto. é como se um deles tivesse ido reto em direção à porta e ameaçasse partir. é como se um outro fosse atrás e o impedisse de ir. mas impedição sem impedimento, sabem? impedição via convite ao amigo – oferta irrecusável. como se um corpo diante o outro simplesmente o abraçasse; quer convite mais sincero do que um abraço? como redescobrir essa arma que é o encontro? como re-fazer do beijo, do toque, da amizade a força maior de todas? eu acho que o impedimento não vem pelo tapa, mas sim pelo beijo.

eu queria dizer: vocês tem um ser humano a sua frente e não uma esteira elétrica. vocês tem algo maleável capaz de lhes oferecer resistência, peso, ruído e textura. quer dizer: usem o outro para atravessarem seus limites. usem o corpo do outro para ir até onde vocês ainda não foram, seja por falta de parceiro ou força.

(vou me alongar, estou com inveja)

 

muda o foco do olhar, diz a flávia. enquanto eu aqui preso às palavras. mudar a direção. de novo. mais uma vez.

conversamos um pouco sobre como ser página em branco. sobre como não anteceder dentes. sobre como saber zerar e não trazer consigo tantas informações.

 

qualidade de movimento. é engraçado isso. mas é prático e sincero. caminhando. alterando qualidades. como é essa qualidade e como é esse andamento, sem esquecer os barulhos do ambiente, sem esquecer a conexão com o espaço.

 

simplesmente cinco pessoas num espaço em branco. marília gira no centro da sala enquanto todos estão parados. é estranho. e vertiginoso.

 

sempre descobrindo o texto, como se não o lembrasse. clareza e limpeza. para quem eles olham? as mãos dizem tudo. e é preciso saber desligar e finalizar. informação criada junto ao espaço. o espaço como dramaturgia. gestual repetitivo. repetição do texto. a pausa é intenção. o poder do gesto único que irrompe e completa. o mexer da cabeça é informação. as pausas entre falas também são. muita informação também com o estado, a respiração e todo o resto. o gesto que não diz que vai acontecer, que surpreende.

 

trajetórias no cemitério

 

o que fica para continuarmos na busca pelos personagens:

NINA – Telefonar antes e estar metade do acontecimento não presente;

MARÍLIA – Não compreender como certas coisas, certos fatos, podem acontecer no meio do dia-a-dia;

VÍTOR – O impulso do café até a amiga, sozinho, a vontade dele de estar perto da amiga;

FRED – Ele que é o motorista que deu carona, que atende todos as ligações, que vai abraçar, que conforta e esse mesmo ele que em dado momento fica sozinho com a amiga morta na capela;

DOMINIQUE – O fato de ela ter estado com a amiga no dia anterior.

 

TAREFAS:

Para segunda:

- abandonar o parágrafo; neutralizar o texto;

- esclarecer a trajetória de seu personagem;

 

Para quarta:

FRED – o cara do celular construirá um diálogo que tenha sido falado por ele ao telefone na noite do enterro, enquanto os amigos estavam chorosos e desamparados. Neste diálogo ele dá o seu ponto de vista sobre a situação do enterro a um interlocutor desconhecido dos amigos que o pergunta sobre a situação;

VÍTOR – o cara do café deverá construir uma fala que foi dada por ele à amiga no instante em que seu enterro acabou. Quando as pessoas dispersavam, ele abaixado sobre o chão, falando com ela, já enterrada, dizendo que aquilo não encerraria nada, que aquilo não apagaria a presença dela. Uma declaração direta, sincera e enigmática.

DOMINIQUE – a garota do silêncio profundo construirá uma fala na qual se expressa a sua incompreensão sobre as coisas. Uma fala direta e clara, tomada pela vertigem de estar viva ali naquele instante. Será destinada a si própria, ali sobre si mesma desamparada. Será marcada por aquilo que não sabemos, mas que remói o seu íntimo e a atravessa.

MARÍLIA – a garota do cambalear nos dará os votos que disse na capela, quando parentes e amigos diziam palavras de conforto à amiga recém lacrada no caixão. É o relato mais sincero de todos que haviam sido ditos naquele instante, pois desbrava um pouco mais do mistério que se encerrou com ela, sem resposta, ainda vivo.

NINA – a moça do depois traz um relato de como foi que recebeu a notícia da morte, onde estava, a primeira coisa que fez e o que mais desejou naquele instante. Ela fala da distância dos amigos e da sua prontidão para estar ali naquele momento, mesmo atrasada.

 

Só fazer um adendo, disse a Nina, a Tia Anita é a mãe da amiga morta e não um tia.

quinta-feira, 17 de março de 2011

O Dia do Enterro

Diogo Liberano

 

O corpo dela chegou antes de todo mundo. Foi rapidamente transportado para o hospital e de lá para a capela. O cemitério ficava no alto de um morro. Não era bem um morro, mas sem dúvida algum lugar sobre o qual se estava mais perto do céu e mais distante dos prédios. Dali se podia ver a cidade sobre a qual a noite caia inteira e lentamente. Assim como as estrelas, a lua naquela noite também havia se escondido, apavorada. Um carro subiu a encosta de pedra flagrando com seu farol a brisa ventando de leve o gramado esverdeado dos canteiros. Eram três pequenas capelas. A dela estava acessa e solitária. Ela ali no centro da sala aguardando os primeiros cumprimentos, enquanto através de duas grandes janelas vidraçadas se via o carro estacionando logo adiante.

Fazia um frio descomunal. O sol sumira tão logo a viu se lançar do alto de seu prédio. A natureza, então, comovida, passou o dia inteiro meio tímida, em luto profundo. Até que o carro parou, quase sem fazer barulho. Dele desceram dois amigos e uma amiga, escorada num deles. Caminharam até a frente da capela e tão logo frente a ela se puseram, um dos amigos de imediato se retirou, indo em direção a sabe-se lá onde. Sozinhos, os outros dois, ali, ficaram imóveis. Mas não houve nada. Exceto o pranto, descendo inteiro e sem freio pela vista da amiga do lado de fora, cega de dor.

E enquanto isso, o outro que dali havia se retirado encontrou mais adiante uma cafeteria envelhecida cheirando a café queimado. Ele pediu um café, colocando sobre o balcão sujo a óleo algumas moedas e se sentando, apaziguado. Ele bebeu o café, pensou, pensou, não havia nada mais a ser feito. Ele ouviu o som que saia do televisor e respirou fundo. Sabia que a noite estava apenas começando.

Então foram os dois lentamente entrando na capela. Como se lentos pudessem sugerir à amiga restar tempo para dar-lhes um susto e se erguer. Eles pararam a cerca de um metro dela e ali ficaram por alguns segundos; tempo suficiente para que a amiga se retirasse bruscamente e deixasse o amigo ali, querendo ser forte para mudar o curso das coisas. Ele permaneceu parado, entretido na amiga escondida sob flores amareladas e doentias. Medindo quantos não conseguiriam estar ali para um último abraço. Apavorado e destemido, ele então avançou até ela e beijou suas mãos, saindo da capela com medo da própria vida e de tudo aquilo que ainda não conseguia compreender.

Com um copo plástico na mão, ele cruzou a pista de pedras e sobre o gramado ficou durante minutos, a contemplar o céu e aquele silêncio imenso que afagava todas as coisas. Bebeu outro gole. Sentiu o café lhe acariciando o interior. Quis por um minuto morrer. Quis no minuto seguinte aproveitar aquele instante único de sua vida e sofrer, com intensidade, aquele instante único recém-passado no qual ele perdera sua amiga. E voltou, entretido na busca por uma lixeira na qual jogar o copo plástico.

Do lado de fora, a amiga sobre o banco apenas chorava. Ele se aproximou, sentou-se ao seu lado, incapaz de dizer algo. Dentro talvez soubesse, não havia conforto possível para aquele dia. E veio então o outro e sentaram-se os três ali próximos e apertados. E o tempo passou. E junto à neblina, mais pessoas foram chegando, enquanto os amigos viam nelas seu choro se multiplicando. Não era dor única e pessoal, era a dor do mundo pedindo licença para acontecer. Era o mundo doendo querendo gritar e tremer. Era o céu querendo quedar depois de ter sido atravessado por ela feito um pássaro. A noite se despedindo e eles sentados, pensando sobre o que poderiam ter feito, sobre como poderiam tê-la impedido, eles pensando na surpresa, no susto, no seu suicídio.

Até que viesse a mãe dela. Desamparada. Chorando não como quem chora, mas como quem pede – lágrima por lágrima – para morrer junto com a filha, como quem implora para ser levada, como quem clama a alguém que permita a ela doar sua própria vida para a filha. O choro da mãe feito desespero explícito da alma, feito sinfonia aguda e capaz de estourar ouvidos dos mais sensíveis. A mãe chegou trazendo consigo a certeza de que a dor seria desde já uma eternidade possível.

Ele jogou o copo no caixote de areia ao lado do banco. Ele se surpreendeu de leve com a quantidade de cigarros que ali haviam sido apagados. Ele passou um braço por trás da amiga e a confortou, desconfortável. Juntos ali de longe, vendo o horror da mãe sendo socorrida por seu filho que sobrara. No bolso da calça de um dos amigos o telefone celular vibrou. Ele atendeu se erguendo e indo em direção ao local onde estacionara seu carro. Foi falando leve e calmo, dizendo que viesse, que viesse porque ele a esperaria, que viesse porque o enterro seria pela manhã, porque daria tempo ao menos de vê-la antes de partir, que viesse, enfim, que ela poderia vir. E sentou-se de volta ao banco.

Do lado oposto a eles, cruzando o jardim gramado e o chão de pedras, ela veio cambaleante em explícito desespero. Ela trocando os passos e soluçando, havia sido pega de surpresa pela notícia, viera de outra cidade e no entanto conseguira. Ali estava, abraçando os amigos tão por inteiro que se poderia supor que ela tivesse mais braços do que de fato tinha. Abraçou-os a fim de sentir calor e disse ser bom estar ali, apesar de tudo, que era bom tê-los de novo ali reunidos. E entrou na capela, sem hesitar.

Ele voltou à cafeteria. Ela lá fora voltou a chorar. Ele que desligara novamente o celular sentou-se ao seu lado e se pôs a conversar. Porque ela não conseguia não perceber tudo que ao seu redor gritava de dor. Ela viu a dor da mãe. A perdição do pai. Ela ali vendo o irmão da amiga tentando ser forte. Ela vendo sua amiga se retirar do mundo, sem pedir licença. Ela que esteve na noite anterior ao lado da amiga, mas que agora, no entanto, ainda que ao seu lado se sentia tão só. Eles ali falando como se falar pudesse resolver o instante. E ele lá pedindo outro café. Ele inventando pretexto para resistir.

Dentro da capela, a amiga recém-chegada era abraçada pela mãe de sua amiga. Era revirada e questionada, mexida por inteiro, como se tivesse em si, em seu corpo e face lacrimejantes, alguma resposta. Mas nela havia apenas o silêncio. Estampado. Ninguém poderia supor palavra. Das coisas ao redor, das pessoas, dos parentes, só o que havia era a suspensão. Nela, o silêncio como resposta ao vasculhar incessante da mãe em busca de um motivo capaz de trocar a escolha da filha por um acidente qualquer.

Ela saiu da capela cambaleante. Mas caminhando em direção aos amigos percebeu como nunca se está destruído por completo. Não conseguia compreender como podia um horror ser tão imenso. Não conseguia compreender como certas coisas podem de fato nascer no meio do dia-a-dia. Ela no banco já se sentando com os dois amigos e ele que de lá vinha caminhando, com outro café nas mãos, indo direto ao interior do quarto.

Da porta o rosto saltando o caixão de mogno escurecido. Avançou lento se surpreendendo a cada passo com a própria saudade que crescia dentro de si feito um bicho faminto. Caminhou lento querendo se possível pular por sobre ela a fim de impedir que ela se fosse, para impedir que o tempo passasse ou, ao menos – ele pedia dentro de si – para que o tempo fosse generoso, que fosse a despedindo do mundo em câmera lenta. Ele chegou ao seu lado. O olhar fixo e marejado no queixo da amiga semi-cicatrizado, com escoriações a mostra, com aquela maquiagem que a fazia parecer mais cheia do que realmente estava. Ele ali contemplando o rosto dela, a sua ousadia, a sua dor, a sua incompreensão, ele olhando a noite naquela estrela adormecida, ainda mais linda e a cada segundo mais fria. Esticou as mãos e entre elas comprimiu as dela. Ele ali tentando lhe dar vida. Ele vendo dela a poesia que ele nunca acreditou acontecendo plenamente, bailando delirante dentro do ar preso na atmosfera.

Os três amigos ali no banco sentados. Ele saiu da capela e vendo-os ali de imediato se pôs a chorar, como numa declaração de amor dada à importância do encontro, ao amor imenso que nutriam entre si. Ele se sentou de frente ao banco, no chão. E ficaram ali, falando baixo, resmugando do frio, do horror, rindo em sorrisos velados. Eram tão jovens, tão propensos às maravilhas da vida. Tinham sido pegos de surpresa. Era isso. No bolso o celular vibrou. Ele se ergueu em direção ao estacionamento, chegando a tempo de segurá-la. Ela que sempre chegara no depois chegou depois, mas foi a tempo.

Abraçaram-se. Beijaram-se. Choraram. Entraram juntos na capela e, um a um, dela se aproximaram e disseram aquelas coisas todas sobre amor e eternidade. Os amigos ao redor do caixão querendo criar raíz. Putos com a ousadia dela. Cheirando a luto, de mãos tristes clamando por quentura. Eles ao redor dela tatuavam em si próprios o maior buraco até então de sua existência. Eles ali como em tantos outros momentos.

E então pela porta entrou voando um beija-flor enlouquecido. Suas asas, frenéticas, trepidavam enquanto ele se chocava contra o vidro transparente das janelas. Ele ali batendo-se sem fim contra elas criando um réquiem de notas agudas e arranhões, de riscos e investidas sem fim rumo à transparência daquela noite. Era ela querendo partir. Pensou um deles. Pensaram, talvez, todos eles. Ou não. Talvez não fosse ela pedindo licença para completar a sua ida, o seu salto. Talvez não fosse ela. Mas abriram a janela.

E lá fora a luz da manhã trouxe consigo o irmão dela, entrando na capela carregado de bichos imensos e pequenos, com pêlos curtos e aparados, com crinas dentes expostos e rabos, de cores estranhas e marcados. Ele com quase uma pelúcia para cada ano de vida da irmã, dispondo sob o caixão a imagem que dela talvez ele fosse gostar de conservar. E então pela porta da capela entrou um senhor, entraram familiares e amigos, entraram todos os silêncios do mundo e uma profusão de gargantas secas molhadas a vácuo. O senhor de cabelos brancos disse alguma coisa em nome de Deus, o pai disse alguma coisa, a mãe falou nada. Houve homenagens, palavras vãs e o movimento, do pai junto ao filho carregando o caixão da capela até a pista de pedra e desta até a cova, aberta numa encosta de gramas lacrimejantes.

No orvalho, refletia-se uma manhã triste e resignada. Havia uma árvore sobre a cova. Houve um instante em que só se moveram as lágrimas. Quando a tampa do caixão foi colocada a mãe se lançou ao chão sendo erguida, em vão, pois continua ali cravada até hoje. E lento, lentamente, o caixão foi ganhando o mundo para dentro, beijando a terra e se despedindo em silêncio.

Eles viram a terra ganhando a cova novamente, viram a pá nivelando o terreno, eles viram os parentes indo embora, a mãe sendo carregada, o pai perdido sobre as próprias pernas e, de longe, através da janela da capela, viram as pelúcias ocupando o lugar da existência da amiga, que ali se terminava. Perdoem-me, mas eu não saberia narrar o que aconteceu a seguir.