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sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

ATRAVESSADA

Hoje à tarde enviei um e-mail para uma amiga convidando-a para o meu espetáculo e logo em seguida ela me respondeu. Aqui estão os e-mails:

EU:
Oi Lê, a gente não se fala há muito tempo e eu aqui sinto vontade de saber como você está, não tenho notícias suas...
Estou reestreando um espetáculo e gostaria muito que você fosse ver. Eu gosto do espetáculo e gostaria de compartilhar isso com você. Você sabe o carinho e admiração que tenho por ti.
beijos grandes

ELA:
oi flávia querida,

acabo de abotoar um brinco de pérola
em minha orelha esquerda
e enganchar no furo da orelha direita,
em celebração à pintora mexicana frida kahlo,
um anzol de ouro de onde pende uma mão de boneca
feita de plástico cor da pele
de não mais que um centímetro.
imediatamente antes disso
vesti uma blusa florida
e uma saia preta de cintura alta.
calcei um sapato que se fecha com uma tira no tornozelo
e borrifei dois lances de perfume
um em cada um dos lados do pescoço,
assim bastante próximo do peito.
me pus à frente do espelho do guarda-roupas
e prendi parte do cabelo num coque embaraçado no alto da cabeça.
contornei meus olhos com um lápis marrom bem claro
de maquiagem discreta
e pintei, com as mãos bem leves, os lábios com batom vermelho
da cor do tomate quando está maduro.

ontem fui ao dentista
e meus dentes estão branquinhos
e minha boca está cheirosa.

estou pronta
e venho sentar-me diante do computador
para escrever.

em minha caixa de e-mails
aqui está
uma mensagem sua.

obrigada pelo seu convite,
quando a gente faz um trabalho que julga bom
sente vontade de compartilhar:
é muito prazeroso terminar um bom trabalho,
devolve ao corpo/alma tudo que lhe foi tomado
no árduo esforço de fatura...

não se chateie com a notícia de que não vou ver o espetáculo.

se não vou vê-lo
não deixo de desejar que ele continue
construindo sentidos e alegrias para vocês que o fazem
e para o público que a ele se entrega.

apenas não quero ver peça alguma de teatro em meses,
me dedico a outras linguagens e me desinteresso e me despojo com alegria dos
deveres de quem se encontra comprometido com a linguagem teatral:
não assisto e não penso teatro, neste momento.

meu compromisso e toda minha energia
agora percorre a escrita -
ler é um jeito de escrever,
escrever é um jeito de ler:
isto é tudo o que me apraz.

dito isto,
desejo
Merda,

que é para todos que têm cu
o melhor que se pode oferecer
porque
conforme o teatro me ensinou
onde cheira a merda,
cheira a ser

um grande beijo
L

A resposta dela me atravessou completamente. Estou zonza. E feliz.