ANA PAULA SOUSA
ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA
Durante a projeção de "Os Residentes", na sexta-feira (26) à noite, no Cine Brasília, um espectador gritou: "Volta, Bressane!".
Tratava-se de uma evidente provocação ao jovem diretor que, ao apresentar o filme ao público, disse que seu desejo era oxigenar o cinema brasileiro. A referência a Júlio Bressane era, portanto, a seta mais fácil de ser atirada.
Mas outras setas viriam. O longa-metragem de Tiago Mata Machado, 36 anos, apresentado na terceira noite de competição, causou incômodo no Festival de Brasília.
A ausência de uma narrativa, as referências intelectuais e cinematográficas sobrepostas e o flerte com a arte contemporânea desceram, em boa parte da plateia e da crítica, como um prato indigesto.
Mas há que se admitir: "Os Residentes" não apenas traz uma proposta audiovisual como alcança, em sua montanha-russa de imagens, momentos de grande beleza plástica.
"Existe uma pretensão estética declarada no filme", delimita Machado, que foi crítico de cinema da Folha, trabalha como curador e teve um vídeo selecionado para a Bienal de São Paulo.
"Meu filme é uma manifestação contra a padronização estética e o pragmatismo do cinema brasileiro", prossegue, com o sotaque mineiro dando certa calma a sua fala reflexiva.
"Quando vejo o [José] Padilha falar que o filme dele ["Tropa de Elite"] é político, penso naquele cinema político dos anos 60, que era político no tema, mas reacionário na forma", diz, referindo-se a cineastas como Costa Gavras e Gillo Pontecorvo. "Meu filme pode ser visto como uma crítica a um cinema brasileiro que tenta mostrar que sabe seguir uma estética internacional."
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Cena do filme "Os Residentes", de Tiago Mata Machado, que causou incômodo em exibição no Festival de Brasília |
Durante o debate realizado na manhã deste sábado, no hotel Juscelino Kubitsheck, Machado foi questionado sobre o roteiro (ou falta de), o excesso de influências e suas reais intenções.
Para muitas das perguntas, simplesmente, não havia resposta. "Meu filme tem suas próprias regras, ele está o tempo todo rompendo o tom. Mas hoje impera a mentalidade da linearidade."
Antes do debate, em entrevista à Folha, como se pressentisse o que vinha pela frente, o diretor havia citado a "patrulha da verossimilhança". "Só não aceito que chamem meu filme de hermético", ressaltou. "Meu filme interpela o público."
"Os Residentes", que mostra um grupo ocupando uma casa vazia, procura discutir a própria arte. Os personagens, num manifesto estético, sequestram uma artista plástica. A convivência do grupo serve de pretexto para uma série de jogos.
Há desde um momento em que dois atores têm uma briga de casa, à la Godard dos anos 60, até cenas puramente visuais.
A imagem do caminhão a sugar um montanha de terra do chão ou a cena em que um muro de tijolos é erguido à frente de uma cortina cor-de-laranja são pura videoarte. Recortadas, cairiam como uma luva na Bienal. No Cine Brasília, pareceram intrusas.