Criado em 2008, o Teatro Inominável vem se destacando no panorama da jovem produção teatral carioca. Seus dois primeiros espetáculos, realizados de forma independente, continuam se apresentado em festivais e em temporadas na cidade do Rio de Janeiro: “Não Dois” (2009), do texto argentino “Paso de Dos” de Eduardo Pavlovsky e “Vazio é o que não falta, Miranda” (2010), da obra “Esperando Godot” de Samuel Beckett. Tendo este último, cumprido temporada de sucesso na ocupação artística Câmbio do Teatro Estadual Glaucio Gill, em setembro deste ano.
Desde seu surgimento, o Teatro Inominável investiga a produção de uma dramaturgia capaz de abarcar a inquietação característica de nossos tempos. Querendo dar continuidade a sua pesquisa, o coletivo se dedica agora à construção de uma dramaturgia atoral e coletiva a ser descoberta em processo: “Atravessamentos”. Em cena, uma ficção que será construída a partir dos fatos que nos fazem ser a geração que somos, aquela exasperada por um acerto de contas com uma realidade contraditória que nos perfura e desorienta.
Para desenhar com precisão os contornos dessa geração a ser posta em cena, tomamos como principal referência a construção discursiva, dramatúrgica e cênica do espetáculo “A falta que nos move” (2005) de Christiane Jatahy. Nesta peça, aclamada pela crítica e indicada a inúmeros prêmios, amigos por volta de seus 40 anos se encontram para um jantar e ficam à espera de outro amigo que não vem. Aos poucos, o desgaste da espera revela uma geração desiludida e despolitizada, crescida após o golpe militar no Brasil.
Para auxiliar a construção de uma dramaturgia que se alimentará de fragmentos trazidos pelos atores durante o processo de ensaio, o Teatro Inominável convida a atriz e diretora Marina Vianna, que atuou e foi co-autora de “A falta que nos move”, para realizar a supervisão geral do projeto “Atravessamentos”. Em contraponto a essa geração que ainda espera por um amigo que não vem para o jantar, “Atravessamentos” apresenta uma geração também alvo de inúmeras faltas, mas que não se contenta em ser refém disso. O que se coloca em cena, então, é um jantar entre amigos que se reencontram – meses após o suicídio de outra amiga – para buscarem possibilidades de reinvenção e resistência. Mas como continuar? Por onde recomeçar?
b) Justificativa do projeto, especificando os objetivos e as razões de solicitação do apoio;
O projeto se trata da montagem do espetáculo "Atravessamentos", que visa realizar uma temporada de 10 semanas no Rio de Janeiro, de quinta a domingo, totalizando 38 apresentações. A montagem terá direção de Diogo Liberano e Flávia Naves e será supervisionada por Marina Vianna. A dramaturgia, assinada por Diogo Liberano, será escrita em processo e terá co-autoria dos cinco atores: Dominique Arantes, Fred Araujo, Marília Misailidis, Nina Balbi e Vitor Peres. A direção de produção é de Rômulo Corrêa, com realização do Teatro Inominável.
É solicitado ao FATE o prêmio de R$ 50.000,00. Através deste, será possível realizar todas as etapas de produção do espetáculo, valorizando os profissionais envolvidos e possibilitando um valor reduzido dos ingressos durante as temporadas, estimulando o encontro do espetáculo com seu público. A estréia é prevista para setembro de 2011 no Teatro Municipal Sérgio Porto. Para o segundo mês solicitamos pauta no Teatro Estadual Glaucio Gill e no Teatro Municipal Maria Clara Machado - Planetário.
Para além da viabilização do espetáculo, este prêmio significa a valorização da produção dramatúrgica que vem sendo realizada por jovens artistas, ao mesmo tempo em que significa também o incentivo ao desenvolvimento de um novo coletivo que vem se revelando promissor dentro da cena teatral no Rio de Janeiro. Com “Atravessamentos” o Teatro Inominável estabelecerá encontros destes jovens artistas com profissionais de vasta experiência no mercado, viabilizando a troca e o amadurecimento de seus integrantes a partir deste contato.
O espetáculo “Atravessamentos” quer atingir um público jovem ao retratar seus anseios e dificuldades na tentativa de dar conta de um mundo que os convida a morrer dia após dia. No horizonte temático do espetáculo, importa-nos abordar esta geração que não mais quer se permitir ser indiferente a tudo aquilo que a envolve. Oscilando na mira da violência urbana e do tráfico de drogas; atravessados pela degradação ecológica e por catástrofes naturais; e aprisionados no excesso de informações e em virtualidades inúmeras, nos transformamos em potenciais suicidas tão distantes somos colocados da própria vida. Mas como acreditar em algo que nos faça desautorizar tudo o que nos impede de construir – por nós mesmos – os rumos de nossa própria história?
É preciso resistir mais do que simplesmente agüentar. Resistir, para nós, diz respeito a se permitir reinventar. Não se trata de obter respostas, mas de cruzar os extremos que nos limitam para encontrar nesse movimento do atravessar um corpo capaz de ser afetado e de afetar. Um corpo que tenha cansado de ser indiferente e que, mesmo ainda alvo da instabilidade destes tempos, consiga dançar sobre ela, fazendo de sua batida irrevogável, poesia e canção.
Atravessamentos
de Diogo Liberano
de Diogo Liberano
Sinopse
Como de costume, cinco amigos se reúnem novamente para um jantar na casa de um deles. Dessa vez, porém, o encontro se dá alguns meses após o suicídio de uma das amigas que ali com eles deveria estar. O clima dificulta qualquer tipo de descontração e o encontro, inevitavelmente, os leva a falar sobre tudo aquilo que até aquele momento eles não sabiam bem como lidar.
Eis então que a realidade se revela com toda a sua complexidade e eles se percebem incapazes de resolverem certas coisas para as quais não parece haver solução. No entanto, como não tombar? Como seguir no curso do tempo sem ceder a um fim, tal qual fizera a amiga em comum? Cientes da necessidade de resistir, a questão que sobre eles se impõe diz respeito justamente ao como resistir, por meio de qual maneira?
Os cinco amigos chegam então a uma atitude desesperada: trancam-se dentro do apartamento e se obrigam a ficar ali até que encontrem alguma medida concreta que valide a sua permanência no mundo. Em pouco tempo, acabam reféns de um jogo dentro do qual parece restar a definição de sua própria existência, pois caso não encontrem um motivo que os faça ficar, por que então deveriam continuar?
Sobre a construção dramatúrgica
O texto de “Atravessamentos” será construído durante o processo de ensaios. Partiremos de uma escaleta primária (a seguir) que é justamente um roteiro sequencial de evoluções temáticas inevitáveis à nossa geração. Por meio da dissecação desses temas, problematizaremos o real a fim de revelar a sua fundação ruidosa. Através de sistemas de construção dramatúrgica desenvolvidos pelo dramaturgo espanhol José Sanchis Sinisterra e orientados pela pesquisa em dramaturgia atoral desenvolvida por Marina Vianna, tanto elenco quanto diretores e o dramaturgo tecerão o percurso desse jantar entre amigos que após um violento encontro com a realidade – proporcionado pelo suicídio de uma amiga – decidem buscar formas para continuarem suas vidas.
Personagens
São cinco jovens – entre 20 e 30 anos – que se constroem e revelam por meio de suas opiniões sobre os assuntos que irrompem durante o jantar. Pouco se sabe sobre seu passado ou sobre o que gostam ou acreditam, já que aquilo que os sustentam é justamente os seus discursos. Os personagens em “Atravessamentos” são, portanto, pontos de vista variados que ao coexistirem sobre um dado assunto, acabam por revelá-lo em sua complexidade originária.
Escaleta Primária
Prólogo – Da ausência (trazida pela morte).
Nesta primeira cena o que se objetiva é a construção da atmosfera deste reencontro marcada pela ausência da amiga que meses antes se suicidara. Primeiramente, encontram-se apenas quatro amigos (dois homens e duas mulheres). Todos incapazes de tocar no assunto responsável pelo silêncio que os envolve.
Cena 1 – Das máscaras (para amenizar a realidade).
Os amigos tentam se relacionar por meio das mentiras que escolheram para mascarar e amenizar a dor de sua realidade. Aos poucos, porém, a ausência da amiga vai se tornando presente, mas faltando-lhes coragem para lidar com o absurdo da situação, seguem fingindo ser possível continuar um jogo que, não sabem ainda, não se sustentará por muito mais tempo.
Cena 2 – Da falência (frente ao inexplicável).
A situação acaba se esgotando rapidamente, pois ao privarem-se da dor que se sentem eles se privam também de ser quem são. Um dos amigos percebe que algo fora inaugurado em suas vidas com a morte da amiga. Esse horror, esse buraco, esse vácuo na garganta, esse silêncio que grita... É preciso então falar sobre o que aconteceu e nisso as opiniões divergem acirrando ainda mais a discussão.
Cena 3 – Da dor (incapaz de ser falseada).
Tragados pela discussão do que até então estavam tentando não falar, os amigos acabam sendo violentamente tomados por certa angústia e passam a vagar perdidos em busca de uma explicação para a escolha feita pela amiga. Mas não encontram nada que pareça fazer sentido, pois o que resta é ainda a dor.
Cena 4 – Da clareza (difícil de ser assumida).
Um dos amigos irrompe violentamente a discussão e defende, frente aos outros, que há certos absurdos na vida que não têm solução. De maneira dolorosa e, talvez por isso, muito lúcida, o amigo convence os demais de que não se trata mais de sofrer a ausência apenas, mas, sobretudo, de convertê-la em alguma potência de vida.
Cena 5 – Da realidade (e de seu poder de transformação).
A quinta amiga que até então não havia chegado aparece de súbito no exato instante em que a discussão parecia de fato os levar para outro lugar. Ciente de que os amigos estariam presos à dor da perda, esta que chega intencionalmente depois, desvia-lhes a atenção ao trazer na mão uma notícia publicada num jornal que, de acordo com ela, a fez lembrá-los.
Cena 6 – Do ato (que pela morte instiga a vida).
A tal notícia narra um ato de resistência de seis jovens artistas que durante um protesto contra a demolição de um teatro na cidade do Rio de Janeiro acabam sendo soterrados e morrem. A violência do ato contamina os amigos que vêem na morte dos jovens artistas uma maneira potente de tornarem validas aquelas vidas.
Cena 7 – Do terror (de ter que responder ao próprio tempo).
A notícia de jornal logo se converte num espelho da realidade dos cinco amigos ali reunidos. Tanto o suicídio de sua amiga quanto a morte dos artistas na demolição do teatro se revelam como atitudes extremas em resposta aos paradoxos de sua realidade. Porém, percebem, é preciso continuar caso não queiram que a morte da amiga vire apenas memória. Para além do que sentem ou falam, é também preciso agir.
Cena 8 – Da ficção (como potência para um reinventar-se).
Uma medida desesperada é então proposta de maneira irrevogável: os amigos se trancam dentro do apartamento e decidem sair dali somente quando descobrirem alguma ação concreta capaz de validar a sua existência que seja apenas naquele momento. Então se não encontrarmos algum motivo que nos faça ficar quer dizer então que não fazemos diferença, é isso? Que devemos partir assim como ela fez?
Epílogo – Do ato final (ou quando os amigos saem pela porta do apartamento para entrar, de fato, dentro da própria vida.).
A ser descoberto em processo de ensaios.