ONTEM quando o reencontrei. Ontem. Assim, eu vi um homem morto. Digo, pedra. Alguém que não reage e que o corpo carrega. Digo, assim sobre o excesso de atravessamentos que fizeram daquele corpo quase moribundo, em osso, não músculos, não carnes, não parece pulsar, como se a vidraça de tanto quebrada e cortar, agora petrificada está. Ficou em ossos, sustentando nem sorriso. Porque eu lembro. Não que eu tenho tantos acontecimentos para lembrar. Mas lembro. Não sei quanto tempo faz, do tempo de antes para o tempo de ontem. Mas vi, assim, que a vida é capaz de sugar. Depois do vazio vem o que? Eu estou no vazio. Hoje.
Atravessar é perigoso. Tem coisa mais instavél que atravessar-se ou deixar-se atravessar ou atravessar o outro? Como quando precisamos ir de um lado ao outro. Atravessamos uma ponte, um rio, um túnel, uma pista, uma RUA, um corredor.Viver no Rio de Janeiro é, por obrigação, viver atravessando morros, serras, túneis. Já pensou na instabilidade e na dor dos morros cavados para que os carros atravessem a cidade? Vamos eliminar os clichês. Sim, a questão é como se faz quando se é atravessado e crava-se um buraco na nossa existência. Ela não soube continuar. Eu, nós agora, cheios de vetores nos corpos, pedindo bebendo cantando uma tentativa de se reinaugurar. Na verdade, retiro o Re. Quero inaugurar todo dia. redescobrir. Descobrir-me do já dito. Sem perder a memória, é claro. Desculpem-mee, eu não sei porque comecei falando isso e também não sei continuar.
Acabo.
Aqui.
" Para apalpar as intimidades do mundo é preciso saber:
a) Que o esplendor da manhã não se abre com faca
b) O modo como as violetas preparam o dia para morrer
c) Por que é que a borboletas de tarjas vermelhas têm devoção por túmulos
d)Se o homem que toca de tarde sua existência num fagote, tem salvação
e)Que um rio que flui entre dos jacinto carrega mais ternura que um rio que flui entre dois lagartos
f)Como pegar a voz de um peixe
g)Qual o lado da noite que umedece primeiro
etc
etc
etc"
Manuel de Barros