Eu tô com medo de ir embora, medo de sair.
Desculpa, essa fala não é minha. Eu não tô com medo. Eu tô com uma coragem escrota de ser grande. Eu estou de fato decidida sobre isso. Eu não tô com medo de dar tchau para vocês. Eu tenho sido tudo aqui, da mesma forma que lá fora. Eu vou continuar a tremer quando fico nervosa, ou quando ralo beterraba. Essa é minha maneira agora. Eu não vou sorrir mais tantas vezes ao dia, assim como não sorri muito nesse nosso encontro. É a sinceridade que posso me dar. Eu não tenho medo de ir embora, mesmo. E acreditem, porque tenho certeza do que são vocês em mim. Tenho certeza. Eu tô inteira nessa sala, ou na cozinha, ou no quarto. Eu não tô com medo de ir embora, porque decidi chamar vocês para um jantar quinzenal lá em casa, e sei que farão esforço para aparecer. E sei que podem não aparecer e eu jantar olhando para a parede branca. Eu não to com medo, porque meu medo se encerrou à três falas atrás. Desculpa, eu cresci. Eu acho. Eu acho que tô descobrindo como me tornar aquilo que sou, sabe? Eu queria sim, poder ter nossos abraços e gritos e choros compartilhados com mais frequência. Queria muito. Mas também, aprendi sobre essa ausência. E acho legal. Quando digo que me apaixonei pela idéia que nem tudo daria certo para mim, estou tentando dizer que eu me virei em 180 graus, e gostei da idéia. Gostei de me relacionar com a impossibilidade de certezas. Eu não to com medo porque eu tenho certeza que nós não vamos nos perder uns dos outros.
Posso estar falando assim para me proteger do meu medo. Não sei. É possível. Eu tenho andado um pouso desconfiada de tudo mesmo. Sobretudo do fato de não ter medo de cruzar a porta. Aquela porta ali diz algo sobre crescer, não há medo nisso. Eu fui sincera aqui, assim como tenho sido com os meninos do restaurante. Mesmo que eu prefira ralar cebola para chorar, mesmo que eu chore até com as ervilhas. E daí? Isso é bom né? Estou pensando sobre o medo de sair daqui. Queria ter uma resposta. Talvez tenha algo a ver com amar. Com amar tanto esse encontro, esses corpos, esses sorrisos. Eu quero olhar para a gente assim misturados. Porque eu acho que é a única possibilidade de conseguir dizer algo sobre amor. É quando eu seguro na mão de um de vocês. Não tem grito entalado na garganta, não tem fingimento, não tem necessidade de que entendam meu grito lá fora. Eu grito porque meu estômago pede, e não preciso explicar para ninguém. É sobre ser. Eu tenho medo de ter certeza de muitas coisas, eu quero levar bandas. Sabe? E aí eu vou rir. Ou chorar. Eu tô muito. Mesmo. Eu não tô com medo de esquecer a cor do tapete, eu posso. Eu posso daqui a dois meses não lembrar das almofadas amarela, azul e vermelha. Mentira. Tem coisas que são impossíveis. Eu estou tentando falar sobre o medo de atravessar a porta. Não to encontrando ele. Eu quero atravessar a porta. Por favor venham comigo. Queria que todo mundo pudesse atravessar, mas compreendo os tempos. É tão bom respirar o cheiro da gente aqui, misturados. Parece único. É único. Nossa! Entendi! Eu tenho medo de ir e deixá-los tacados nesse chão. É sobre isso meu medo. Sobre a impossibilidade de deixar qualquer um de vocês aqui, mesmo que com sorriso no rosto. Não posso. Eu só vou partir quando só aqui restar a tela que não tá pintada, em branco, e a pelúcia. Vocês eu não deixo. Medo sempre tem a ver com amor? Com amar demais?