Um atravessar deixa uma marca. Os amigos entram no apartamento da amiga Letícia com um objetivo: dividir os pertences dela.
Terminada essa etapa eles podem seguir, sim, podem, cada um pra sua casa carregando consigo os objetos escolhidos. Mas....
Não saem, não se vão. Ao cumprirem a tarefa solicitada algo ficou insuficiente, mas afinal, "o que é isso que nos tomou de assalto e que está nos engolindo? Porque estamos nos ferindo, nos agredindo quando poderíamos nos amar, nos tocar, nos tranqüilizar, nos entender?”
Quando a incompreensão do que está se passando ali dentro adquire a sua forma mais extrema e agressiva um dos amigos anuncia o ato radical que acabara de fazer: “eu acabei de trancar a porta e engolir a chave desse apartamento”.
Está feito.
Agora eles estão unidos sem possibilidade de dispersão, agora eles terão que se agüentar até que reúnam forças suficientes para abrir a porta e seguir, eles ali trancados exigindo do tempo uma pausa, uma parada, exigindo da vida um descanso, uma trégua, para que se compreenda minimamente onde cada um está dentro dessa história e onde cada um irá depois dessa narrativa. Eles precisam desse assentar, desse calar da boca e fechar da porta para que possam se olhar novamente depois do fato que inevitavelmente modificou rostos e nele desenhou traços. É impossível passar por um atravessamento sem ter o corpo por ele marcado.