18/03, unirio, sala 301
diogo, dominique, vítor, fred, flávia, marília e nina
com que força a marília massageia a nina. eu gosto. sinto que o corpo às vezes pede por um pouco mais de peso. e me pergunto: que dor é de um tamanho que eles aumentam, apenas pelo desejo/necessidade de sentir seu peso? eles disputam o sofrimento, quem dói mais, quem sofre mais?
o perfume do fred está solto pelo ar. fico pensando qual cheiro dela ainda sobrevive neles? em alguma coisa? algum perfume? uma lagartixa gorda sobe a parede. lá de cima ela consegue ver melhor o ensaio. é foda isso de acordar tão cedo para ensaiar, mas… é preciso tornar isso hábito, mas não acostumar.
massageiam-se. a sala estava suja. passamos uma vassoura e um pano úmido.
andam pelo espaço. vamos tentar ser cínicos, diz a flávia. é bem isso. como não anteceder dentes? como não entregar um excesso de informações desde o início? como ser sereno? vocês precisam ter essa ciência, ter esse descaso com o sentimento, serem científicos com o próprio peito e com as próprias emoções. nós somos manipuladores de tudo isso. do corpo, da mente e do íntimo. se não formos capazes disso, como seremos capazes de assumirmos o outro? como brincar de personagem se não sabemos abandonar nossos vícios e certezas? temos que abandonar.
eu fico me perguntando, ao vê-los assim tão corporalmente disponíveis, que coisa esses corpos podem dizer que não palavras? parece de fato que a resposta reside no corpo. a resposta para a nossa enxurrada de perguntas sairá do corpo. como exclamação profunda e irredutível. como sinal incontestável do aborrecimento de estar vivo e ainda assim desejante da vida.
uns sobre os outros. eu hoje tô excessivamente encantado com a concretude presente no peso. lembro-me da discussão declarada em A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO SER, sobre essa ambiguidade terrível que não tolera classificação: leveza ou peso. leveza ou peso. talvez nela reside um bastante do nosso texto, da nossa encenação. como transitar entre o leve e o pesado sem ter que fazer distinção? como ser inteiro a queda e o se erguer? como não-saber?
isso de ser usado pelo outro é bem aquilo que já havia sido escrito por mim no blog. algo como pode me usar. pode precisar de mim. eu te ajudo. poderia ser comigo. pode me pedir ajuda. eu vou entender. é como se a resposta mais sincera para tudo isso fosse um gesto e não um verbo, fosse um movimento e não uma frase. fosse um arrepio e não um ponto. é como se um deles tivesse ido reto em direção à porta e ameaçasse partir. é como se um outro fosse atrás e o impedisse de ir. mas impedição sem impedimento, sabem? impedição via convite ao amigo – oferta irrecusável. como se um corpo diante o outro simplesmente o abraçasse; quer convite mais sincero do que um abraço? como redescobrir essa arma que é o encontro? como re-fazer do beijo, do toque, da amizade a força maior de todas? eu acho que o impedimento não vem pelo tapa, mas sim pelo beijo.
eu queria dizer: vocês tem um ser humano a sua frente e não uma esteira elétrica. vocês tem algo maleável capaz de lhes oferecer resistência, peso, ruído e textura. quer dizer: usem o outro para atravessarem seus limites. usem o corpo do outro para ir até onde vocês ainda não foram, seja por falta de parceiro ou força.
(vou me alongar, estou com inveja)
muda o foco do olhar, diz a flávia. enquanto eu aqui preso às palavras. mudar a direção. de novo. mais uma vez.
conversamos um pouco sobre como ser página em branco. sobre como não anteceder dentes. sobre como saber zerar e não trazer consigo tantas informações.
qualidade de movimento. é engraçado isso. mas é prático e sincero. caminhando. alterando qualidades. como é essa qualidade e como é esse andamento, sem esquecer os barulhos do ambiente, sem esquecer a conexão com o espaço.
simplesmente cinco pessoas num espaço em branco. marília gira no centro da sala enquanto todos estão parados. é estranho. e vertiginoso.
sempre descobrindo o texto, como se não o lembrasse. clareza e limpeza. para quem eles olham? as mãos dizem tudo. e é preciso saber desligar e finalizar. informação criada junto ao espaço. o espaço como dramaturgia. gestual repetitivo. repetição do texto. a pausa é intenção. o poder do gesto único que irrompe e completa. o mexer da cabeça é informação. as pausas entre falas também são. muita informação também com o estado, a respiração e todo o resto. o gesto que não diz que vai acontecer, que surpreende.
trajetórias no cemitério
o que fica para continuarmos na busca pelos personagens:
NINA – Telefonar antes e estar metade do acontecimento não presente;
MARÍLIA – Não compreender como certas coisas, certos fatos, podem acontecer no meio do dia-a-dia;
VÍTOR – O impulso do café até a amiga, sozinho, a vontade dele de estar perto da amiga;
FRED – Ele que é o motorista que deu carona, que atende todos as ligações, que vai abraçar, que conforta e esse mesmo ele que em dado momento fica sozinho com a amiga morta na capela;
DOMINIQUE – O fato de ela ter estado com a amiga no dia anterior.
TAREFAS:
Para segunda:
- abandonar o parágrafo; neutralizar o texto;
- esclarecer a trajetória de seu personagem;
Para quarta:
FRED – o cara do celular construirá um diálogo que tenha sido falado por ele ao telefone na noite do enterro, enquanto os amigos estavam chorosos e desamparados. Neste diálogo ele dá o seu ponto de vista sobre a situação do enterro a um interlocutor desconhecido dos amigos que o pergunta sobre a situação;
VÍTOR – o cara do café deverá construir uma fala que foi dada por ele à amiga no instante em que seu enterro acabou. Quando as pessoas dispersavam, ele abaixado sobre o chão, falando com ela, já enterrada, dizendo que aquilo não encerraria nada, que aquilo não apagaria a presença dela. Uma declaração direta, sincera e enigmática.
DOMINIQUE – a garota do silêncio profundo construirá uma fala na qual se expressa a sua incompreensão sobre as coisas. Uma fala direta e clara, tomada pela vertigem de estar viva ali naquele instante. Será destinada a si própria, ali sobre si mesma desamparada. Será marcada por aquilo que não sabemos, mas que remói o seu íntimo e a atravessa.
MARÍLIA – a garota do cambalear nos dará os votos que disse na capela, quando parentes e amigos diziam palavras de conforto à amiga recém lacrada no caixão. É o relato mais sincero de todos que haviam sido ditos naquele instante, pois desbrava um pouco mais do mistério que se encerrou com ela, sem resposta, ainda vivo.
NINA – a moça do depois traz um relato de como foi que recebeu a notícia da morte, onde estava, a primeira coisa que fez e o que mais desejou naquele instante. Ela fala da distância dos amigos e da sua prontidão para estar ali naquele momento, mesmo atrasada.
Só fazer um adendo, disse a Nina, a Tia Anita é a mãe da amiga morta e não um tia.