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quarta-feira, 23 de março de 2011

ensaio 04

23/03, ufrj, sala vianinha
diogo, dodô, flávia, nina, fred, vítor e marília.

não é nada demais, é só que eu fico vendo eles assim sendo aquecidos pelo outro e o outro, na verdade, meio que apático, ou melhor, disponível. e fico vendo como talvez esse outro nessas condições seja preciso. sabem? imaginar a possibilidade de um toque (de um peso) sobre você, afagando as suas dores e dando adeus ao tempo que não passava. eu não sei, mas acho incrível essa possibilidade de se ser pelo outro. de ser forte pelo outro. de ser flexível pelo outro.

a marília tem uma coisa de intrépida que o fred é capaz de conter. a nina e o vítor juntos me causam dor, melancolia. ao mesmo tempo, sugerem suspense, incerteza. a dominique é como se estivesse num pause, prestes a explodir, sendo mexida pelo corpo da flávia.

é muito bom estar aqui com vocês. risos. é de fato muito bom.

a partir de sexta-feira, um rapaz chamado gustavo passará a vir aos nossos encontros. ele está começando a desenvolver a sua pós-graduação em antropologia da arte e o nosso processo de criação colaborativa será um campo de sua pesquisa. vamos recebê-lo.

outra coisa: quais vícios cada corpo traz? quais impedimentos que vemos ali postos em cena? para onde não conseguem olhar, de que forma não conseguem ver, com que velocidade não sabem andar, com que destreza conseguem correr de um tiro? vocês, atores, estão o tempo inteiro disponíveis, vencendo seus limites e aprimorando capacidades. mas e vossos personagens? eles têm essa capacidade?

dodô e fred me sugerem um pacto. há um silêncio velado entre os dois que só os dois sabem. me desculpem, eu aqui inventando essas coisas. ao mesmo tempo, a marília perto da nina me sugere um contrapor-se feroz. um embate de atmosferas e posturas.

ouvem-se risos.

o pano. este corpo. ele deseja quedar, apenas. os cinco juntos tentando segurar o inevitável. tentando fazer voar o concreto, crianda asas onde não há. como se convencerem disso? como nos convencerem de que isso é possível?

ATACOU! RECUOU! VOLTOU!

SUZUKI.

>>> Trajetória;

Vítor – carro estacionado \ até a frente da capela \ direto para a cafeteria \ em direção ao gramado e ao céu \ rumo ao banco, sentando-se \ para a cafeteria \ exita, exita, lento até a capela \ da capela ao banco, sentando-se no chão \ do chão até à cova.

Nina – do estacionamento até o banco, virando-se \ fica parada olhando o banco durante um tempo \ olha a capela \ avança lenta até ela \ estaca \ gasta tempo ali, olhando \ segue lenta até à cova.

Dodô – do estacionamento lenta até à capela \ da capela ao banco \ do banco até à capela \ estática diante a cova \ dali segue lenta rumo à cova.

Fred – entra e vai direto ao caixão \ retorna ao banco \ sai apressado até o estacionamento \ volta ao banco \ volta ao estacionamento \ retorna, passa pelo banco e se dirige à capela \ gasta tempo olhando, rodeia o caixão \ lento se dirige à cova e ali fica.

Marília – entra apressada em direção ao banco \ pára \ entra na capela apressada \ se retira mais lenta e senta no banco \ se levanta lenta e lenta segue até o interior da capela \ dali se retira lentamente e segue também lenta em direção à cova.

>>> Fala;

DOMINIQUE - (sem pausa) Eu não me entende aqui inteira se falta uma parta. Eu só queria que as horas voltassem. Eu disse, eu disse a gente não precisa compreender. Se eu tivesse fechado a janela.

NINA - (um tom grave) Eu tava na C&A comprando roupa quando o telefone tocou e eu recebi a notícia. Eu olhei no visor era ela. Eu desliguei. Achei que fosse alguma coisa boba e desliguei. Mas era a Tia Anita, chorando, e naquele momento eu sabia de tudo. Eu saí da loja deixei tudo lá com ela no telefone me dizendo o endereço e o horário. Eu tomei o carro e fui pra praia. Fiquei lá umas três horas, deixei o telefone ligado caso um de vocês quisesse falar comigo, mas eu queria primeiro – se possível – tratar com o mar.

MARÍLIA – (um tom mais grave) Eram duas horas quando o Caco me ligou pra dar a notícia. Eu tava me arrumando pra ir ao cinema. Eram duas horas mas o tempo parou. Lembro que eu pensei. Logo me coloquei a correr e cambaleando em direção ao corpo dela. Interestelar.

FRED – (mais seco, mais grave) Não, não tá nada bem. Eu tô puto com minha aparente serenidade e controle. Eles acham que é riacho, mas é tsunami, dessas bem violentas. Eu não queria ter que manipular minhas próprias emoções nem ter descaso com tudo o que eu sinto aqui dentro. A vontade que eu tenho é entrar lá agora e falar bem alto que os Mutantes voltaram com a Rita Lee e tudo. Mas eu não posso, eu tenho controle. Aprendi a manipular emoções… Corpo, voz, articulação clara e movimentos precisam. Eu não posso derramar uma única lágrima porque o meu personagem só chora quando tá sozinho. Eu acreditei quando me disseram que eu devia ser sincero com meu próprio corpo.

VÍTOR - (mais rápido, mais agudo) Eu tô sentindo você aqui. Com energias positivas. Não acabou não. Quando eu sair daqui eu vou direto fazer o que a gente combinou, o que a gente se prometeu. Gosto de você. Todo dia, todo dia, todo dia, todo dia penso em você. Lá da minha janela eu tenho delírios, escutando sua voz, cantando em serenata, em sonho.

 

VÍTOR – Ta gravando? Eu tenho um amigo meu que quando quer falar algo importante ele fala “eu tenho que contar uma coisa muito importante, muito séria…” Depois que ela já tava na sepultura, eu cheguei pra ela, tentei conversar uma última vez, ela tinha energias positivas, essas energias eram dela. Eu tava sentindo. Eu tava sentindo minha amiga ali. Eu disse pra ela que eu gostava dela e que assim que eu saísse dali eu iria fazer aquilo que a gente prometeu. E eu fiz isso, eu disse “eu gosto de você”. Não, eu não vou chorar. Contei pra ela que todo dia, todo dia…;

DOMINIQUE – Eu, engraçado, eu cheguei eu fui uma vez na capela e depois eu sentei e fiquei cravada ali sem conseguir me mexer, naquele momento eu meio que tava falando comigo mesmo, pensando nas coisas que eu poderia ter dito. Na verdade eu fiquei pensando o que eu que eu deixei de fazer, o queque eu fiz de errado que eu n~´ao consegui impedir nada se realmente eu fiz. Enfim, eu fiiquei pensando se eu poderia ter dito… Eu não sei. Eu acho que eu só não sabia o que fazer. Eu queria um dia a menos na minha vida naquele momento pra conseguir entender e fazer diferente. Sei lá… É isso…

NINA – Eu cheguei atrasada no funeral. Atrasada não, mas bem depois. Eu não podia ir crua, daquele jeito, eu tava na C&A, o telefone tocou. Era ela. Tocou de novo, eu resolvi atender. Só que não era ela, era tia Anita chorando. E eu já sabia de tudo naquele momento. Eu não falei nada, eu fui fria, falei que vocês iam estar lá logo, mas que eu ia demorar. E eu fiquei lá umas três horas. Meu celular ficou ligado.

FRED – Foi um dia muito difícil mesmo assim. Eu lembro que meu telefone não parava de tocar, e era sempre alguém querendo saber alguma notícia, como eu tava, e eu tava muito desesperado. Eu lembro que meu celular vibrou, mas era um lembrete, porque eu tinha um teste. Eu peguei o telefone e comecei a descascar com o lembrete. Eu tava puto comigo mesmo. Eu tava demonstrando um controle que eu não tava sentindo verdadeiramente. Eu lembro que naquela época tava tendo tsunami no Japão. Ai eu falei que não era riacho, era tsunami. Que eu não queria manipular meus sentimentos nem ter descaso de… A gente se conheceu num show dos Mutantes. Eu quis gritar que eles tavam voltando. Mas eu não podia fazer isso, porque eu era controlado. Eu lembro também que um dia eu ouvi de um diretor que eu devia ser científico com o meu próprio peito. Eu queria ser o consolado. A insustentável leveza do ser, era uma referência muito importante. A insustentável leveza do ser, ou não ser, Hamlet. É isso. Bobo.

MARÍLIA – Eu fico pensando como certas coisas de repente acontecem no meio do dia. Eu não sei, a vida surpreende a gente, era duas horas, você me ligou pra dar a notícia. Eu tava indo ao cinema. A sensação de que o tempo pára. Como assim ela não existe mais? Eu não sei, veio um desespero. Eu já cheguei, acho que encontrei vocês, mas eu fui direto, “deixa eu ver esse corpo ai”. Eu não sei, é esquisito também, você vai no ímpeto mas ai encontra umas coisas difíceis. Sei lá, aquela capela, aqueles discursos. Depois, eu me lembro de chegar pertinho dela e falar a minha fala com ela. Onde é que ela tava aquela noite.

 

VÍTOR – Então. É… depois daquilo tudo, quando eu, vocês tavam indo embora, eu não vou chorar, eu fiquei sozinho com ela, mas enfim, todo mundo tinha ido embora, eu senti a presença dela ali, eu senti verdadeiramente mesmo, com energias positivos, eu tava sentindo energia, podia ser uma loucura da minha cabeça, mas eu tava sentindo, eu disse pra ela que aquilo ali não tinha acabado, engraçado isso depois de um tempo a gente tem vontade de rir, mas ao mesmo tempo dói, eu falei pra ela que quando eu saísse dali eu ia direto… às vezes me dá uma vontade de gritar o nome dela… eu queria contar pra vocês que todo dia eu ia tirar uma parte do meu tempo e ia ficar lá da minha janela. a voz dela dizendo “babaloo é califórnia, califórnia é b…”

VOCÊ CHEGOU A PERGUNTAR SE ELA ESTAVA BEM

SIM E ELA DISSE QUE NÃO TAVA BEM

E O QUE MAIS

DISSE SOBRE COISAS DE FAMÍLIA, DE AMOR, DE OUTRA PESSOA.

E O QUE QUE VOCÊ FEZ

EU OUVI. E OUVI E FALEI ALGUMAS POUCAS COISAS. MAS AI ELA DISSE QUE ERA BOBAGEM E QUE TAVA TUDO BEM. ACHO QUE EU SAI DE LÁ QUASE MEIA NOITE. VOCÊ NÃO SE ARREPENDE?

DOMINIQUE – No dia anterior, do enterro, ela tinha me ligado cedo e a gente meio que passou o dia quase inteiro. Nós ficamos juntas, ela me disse que não tava bem, a gente saiu e a gente foi andar de bicicleta. Tava um sol incrível, tava claro, não era aquele sol quente, abafado, e aconteceu uma coisa muito inusitada, no meio da zona sul, um porquinho atravessou a rua. foi muito estranho. que isso? era um sinal. a gente parou, a gente não tava conseguindo entender. é um sinal. gente, o sinal tava fechado. “vamos atrás do porco”. não, bicho fedorente.

ele era rosa, mas ele era pequenininho, mas tava bem distante assim. eu acho que era um porco mesmo. não tinha um outro animal rosa daquele jeito. a gente voltou pra casa. a tia anita tava lá. a gente comeu pizza. a gente voltou pro quarto. a gente conversou sobre mil coisas. sobre como ela tava meio perdido.

e eu falava a gente tem que se perder pra se achar depois.

perdida em tudo. pessoal. uma relação estranha dela em relação aos pais, com a tia anita e o tio jorge. ela demonstrava um incômodo de estar ali, com a nossa idade. enfim, a gente já morando sozinho. até porque ela não tava num emprego instável ainda. tava tudo ruim, mas não parecia. tão. não sabia que vinha de tanto tempo. ela era muito superficial.

o porquinho morreu.

a gente não sabe. engraçado o porquinho. ele acabou entrando no meio de todas as conversas. e falou da coragem do porco de atravessar a rua sem olhar pros carros. era um porquinho pequeno e livre. o porquinho podia não ter o que comer; e ela falava isso. sem nenhum grande porco pra acompanhar ele.

 

MARÍLIA – Era duas horas da tarde quando o Caco. O Caco me ligou. Eu tava indo no cinema. Ai, duas horas da tarde. Parece que o tempo parou. Eu pensei assim. A Lila não existe mais. Eu só quis sair correndo assim, querendo saber que que tava ali que não tava ali. Onde é que você tá dançando hoje?