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quinta-feira, 24 de março de 2011

garota da ausência

"O meu celular tocou quando eu tava na C&A, fazendo compras. Nossa, foi péssimo, pior lugar pra receber uma noticia dessas, eu acho. Deu vontade de colocar fogo em tudo. Eu estava cheia de roupas nas mãos, e o celular tocou. Olhei no visor, era ela. Pensei que era qualquer coisa boba,e não atendi. Desliguei e coloquei no bolso outra vez. E seguidamente, o celular tocou outra vez, fiquei logo irritada e atendi, bufando, quase dizendo que eu tava ocupada, que ligava depois. Mas não era ela, eu reconheci pela voz. Era a tia Anita, chorando. Eu acho que eu soube o que estava acontecendo naquele segundo, antes dela explicar. Eu deixei tudo ali, saí da loja, com ela na linha, falando os detalhes, o endereço, a hora do enterro. Eu não fiz nenhuma pergunta. Eu não disse quase nada. Eu disse que estaria lá, que os meninos seriam rápidos para chegar, mas que eu demoraria mais um pouco. Fui fria. sai dali, entrei no carro e sumi, de mim. Fui pra praia.
Meu celular ficou ligado, se qualquer um de vocês ligasse eu estaria onde fosse, de pronto. Mas só se fosse necessário, só se me ligassem. Até então não, eu preferia tratar direto com o mar."



"Da porta o rosto saltando o caixão de mogno escurecido. Avançou lento se surpreendendo a cada passo com a própria saudade que crescia dentro de si feito um bicho faminto. Caminhou lento querendo se possível pular por sobre ela a fim de impedir que ela se fosse, para impedir que o tempo passasse ou, ao menos – ele pedia dentro de si – para que o tempo fosse generoso, que fosse a despedindo do mundo em câmera lenta. Ele chegou ao seu lado. O olhar fixo e marejado no queixo da amiga semi-cicatrizado, com escoriações a mostra, com aquela maquiagem que a fazia parecer mais cheia do que realmente estava. Ele ali contemplando o rosto dela, a sua ousadia, a sua dor, a sua incompreensão, ele olhando a noite naquela estrela adormecida, ainda mais linda e a cada segundo mais fria. Esticou as mãos e entre elas comprimiu as dela. Ele ali tentando lhe dar vida. Ele vendo dela a poesia que ele nunca acreditou acontecendo plenamente, bailando delirante dentro do ar preso na atmosfera."


Pensando que tudo aquilo que a gente acha que é o fim é só o começo. e isso é o mais assustador. o começo de alguma coisa que começou com um fim, que pode ser um fim se repetindo para sempre, lembrando a todo segundo ao que veio. mas pode ser também um terreno absolutamente desconhecido. algo que acontece depois do ponto final das coisas. algo que nunca, nunca vimos, e é desconhecido por todos os sistemas.