Um mundo dividido entre dentro e fora da "Zona".
Na primeira parte do filme o stalker diz: "a Zona é um complexo sistema de armadilhas,se querem...são todas mortais.Não sei o que se passa aqui quando não tem ninguém.Mas quando aparecem pessoas, tudo começa a mexer.As antigas armadilhas somem,surgem novas, os lugares seguros tornam-se intransitáveis e o caminho ora é fácil,ora infinitamente emaranhado.É a Zona.Mas é,em cada momento,como a fizermos com o nosso espírito.Algumas pessoas tiveram que voltar da metade.Outras morreram mesmo na entrada do lugar.Tudo que se passar aqui,dependerá apenas de nós,não da Zona.
...
Ninguém volta pelo mesmo lugar que entrou."
Ao longo do filme percebemos que havia um personagem chamado Porco Espinho,que levava as pessoas de fora da Zona para a Zona.Vemos que a Zona é um lugar proibido,fortemente vigiado por militares.Aqueles que conduzem pessoas de um lugar a outro são foras da lei conhecidos como Stalkers.
Não chegamos a conhecer o personagem do Porco Espinho.Ele se enforcou.A várias explicações para o motivo de sua morte.Alguns dizem que ele entrou na Zona com fins interesseiros e colocou o irmão na trituradora.Outros dizem que foi porque ele percebeu que na Zona não se realizam todos os desejos,apenas os mais íntimos.Sabe-se que ele foi mestre do Stalker que conhecemos assim que o filme começa,que ele ficou rico e semanas depois algo se partiu dentro dele e ele se enforcou.
O Porco Espinho não é nosso foco(embora nos interesse muito).Nosso foco é o professor/stalker que tem mulher,uma filha com poderes paranormais,já foi preso várias vezes por levar pessoas a Zona e esta manhã abandonara a mulher e a filha em casa para levar um cientista/físico/pesquisador(?) e um escritor a Zona.
Vemos que chega-se a Zona através dos trilhos do trem.
Acho bonito como o som do trem corta a cidade lembrando a todos da existência da Zona e que sempre podemos nos arriscar a ir até ela.
O cientista e o escritor querem ir a Zona,pois souberam que dentro dela há um quarto onde é possível realizar seus desejos.
O porco espinho disse isso.
"Um desejo bom,querido,sincero se realizará.O importante é acreditar."
Mas os "aventureiros" ao longo de sua jornada se perguntam:Como se pode saber o nome daquilo que se quer?
"O mundo é regido pela lei do ferro fundido,lá o stalker tem felicidade,liberdade.
(...)
Pareceu nos que não se deveria destruir a Zona.Mesmo que ela fosse um milagre,faz parte da natureza,quer dizer,é esperança, em certo sentido.
Nada mais nos resta na Terra.Este é o último lugar que podemos vir."
Acho curioso,pois os homens arriscam a vida,arriscam não voltar para os braços daqueles que amam,mais para exercitar a sua capacidade de flexibilidade,matar a sede de viver algo mais,liberdade,felicidade,conhecer-se,entender-se melhor,questionar-se,enfrentar-se,do que de fato realizar um desejo.
Não me parece que eles realizam seus desejos,mas certamente com mais liberdade enfrentam juntos a si mesmos,seus desejos,esperanças e a imensidão da vida.
A Zona me parece a metáfora espacial da vida em estado bruto.Energia pura.O homem parece sempre querer beijar a energia pura.Flerta com ela sabendo que ela pode fulminá-lo com sua intensidade.Mas essa responsabilidade será sempre inteiramente dele.
Há pessoas naturalmente mais dispostas a transitar que outras.
"Stalker é,em certo sentido,uma vocação".
Acho EXTREMAMENTE tocante a sinceridade do questionamento e entrega de cada personagem.
Sempre seremos marcados por nossa época.Aqui acho especialmente bonito como o sonho comunista perfuma toda a narrativa.
Ao contrário de 12 Homens,onde temos alguém sensato que com paciencia conduz o raciocínio dos companheiros e do espectador,em Stalker todos os personagens tem o mesmo poder.Recebemos a perspectiva de cada um.Não sei,me parece mais igualmente dividido.A preocupação em mostrar os homens como iguais,mesmo que com sexo,função e desejos diferentes.É um lindo esforço.
O homem vive num mundo empobrecido pela lei do ferro fundido e ele quer sempre mais.
Esse querer mais me parece tão lindamente traduzido no poema que o Stalker diz.
Acho lindo o monólogo que o Di selecionou acima.
Gosto quando ele diz:
"Quando uma árvore cresce,é tenra e flexível,quando se torna seca e dura,ela morre.
A dureza e a força são atributos da morte,flexibilidade e a fraqueza são a frescura do ser.
Por isso, quem endurece nunca vencerá."
Acho que queremos juntos transgredir como eles as fronteiras.Matar a sede de vida que temos.Porque ainda temos flexibilidade e fraqueza.Porque estamos incrívelmente vivos.
Lembrei do poema do Pessoa dizendo que as pessoas não confessam nada extremamente vil.Sinto falta de expormos mais aqui nossas vilanias,nossas fraquezas.
Adoraria dizer o poema:
Agora o verão veio
E poderia não ter vindo
No sol está quente
Mas deve haver mais
Tudo aconteceu
Tudo caiu em minhas mãos
Como uma folha de cinco pontas
Mas tem de haver mais
Nada de mau se perdeu
Nada de bom foi em vão
Uma luz clara ilumina tudo
Mas tem de haver mais
A vida me recolheu
À segurança de suas asas
Minha sorte nunca falhou
Mas tem de haver mais
Nem uma folha queimada
Nem um graveto partido
Claro como um vidro é o dia
Mas tem de haver mais