\\ Pesquise no Blog

sábado, 14 de maio de 2011

A ZONA

O combinado era a gente se encontrar às sete horas no Chaika de Ipanema pra comemos muito e depois seguirmos para a casa do Ina no Leblon andando pela orla. Claro que todo mundo se atrasou. Eu liguei pra Lila umas seis e meia pra dizer que a praia tava muito boa e que eu não ia  sair dali pra ficar esperando o pessoal sozinha. Ela estava dormindo ainda, me atendeu com aquela voz de quem vai matar ou morrer. Disse que eu ficasse mais tempo lá sim, que já tinha avisado a todos que iria se atrasar e que provavelmente ‘ a Cecília ‘ iria se atrasar também.
Vinte minutos depois eu cansei de ficar sozinha e fui ver quem tinha respeitado o horário do encontro. Claro, Inácio e Rita.  
Estavam lá, rindo muito, sugar hight de açúcar com tando Milk shake e waffle. Resolvi comer uma salada, o que eles encararam com muitas criticas bem humoradas sobre como eu não queria perder o controle sobre nem um grama do meu corpo. Tudo bem.  Era sábado. Resolvemos ficar ali mesmo esperando pelos outros. O Inácio disse que a Lilla tinha saído na noite passada e ligou pra ele ás 6 da manha, bêbada,  pra dizer que o  amava. Pra mim ela só mandou uma mensagem. Fiquei com ciúmes.
A Andreia e o Odila estavam num transito vindo do Centro pra zona sul, acho que era dia de algum acontecimento publico no aterro, um desses shows que o Rio resolve que vai dar e parar a cidade. 
A Lilla chegou às oito, lindamente zoombie, com restos de maquiagem ainda nos olhos e pálida de ontem. Tinha um copo plástico de café na mão, chinelos e uma mochila muito cheia e pesada.  Perguntei para quê; ela disse que nunca se sabe. Sentou, pediu um suco de alguma coisa e ficou meio calada, como quem ainda está dormindo. Dréia e Odila ligaram pra mim   dizendo que iam direto pra casa do Ina, porque já estava tarde e eles não estavam com fome. O Inácio pagou a conta. Levantamos. Fomos de taxi pra casa por causa do enorme peso que a Lilla tinha inventado de trazer.
A primeira coisa que tínhamos que fazer quando chegávamos na casa do Inácio era tirar os sapatos e lavas as mãos. Ele não queria sujeira de rua nos tapetes nem nos sofás. Eu sempre gostei desse ritual, dava pra confiar que os tapetes eram tão limpos quanto as camas e assim a gente se permitia lá a quase tudo por quase todos os lugares. 
Nesses encontros para ver filmes, uma das ultimas coisas que fazemos era ver filmes. Esse dia não foi diferente. Perguntei qual era mesmo o que a Lilla queria passar. Ela disse que era um filme Russo que tinham falado muito bem e que ela queria ver, mas não sabia se a gente ia gostar. “ é meio lento, sabe.” Pensei que pelo menos não era francês. O Inácio não gostou da breve discrição e começou a narrar a lista de filmes que ele tinha e que a gente podia ver. Nos divertimos, parecia a lista de uma videoteca do jardim de infância, para cada filme três desenhos animados.
Abrimos vinho, tomamos cerveja, perguntamos um da sexta do outro. Sempre com a pergunta ‘e aí, encontrou sua alma gêmea?’. A Lilla encontrava em média três almas gêmeas por noite. O Inácio sete. A Rita sempre respondia, graças a deus, já encontrei a minha faz tempo. Odila e Andreia preferiram dessa vez, não responder a esta pergunta.
 Esquecemos Stalker durante duas horas.
Foi a Rita que puxou ‘ gente, o filme. Vamos?’ Todo mundo concordou.
Lilla abriu a mochila e tirou tudo de dentro dela, fazendo uma verdadeira bagunça na sala. E quando eu digo tudo, é porque eu não sei qual a categoria para as coisas que ela estava guardando. Roupas, biquínis, uns 4 livros, biscoito, um garrafa de dois litros vazia, caixinhas de som do computador, uma lona enrolada, um travesseirinho, e não lembro mais. Por ultimo veio o Stalker. ‘aqui, gente, é esse. Mas não quero reclamações”.  Inácio colocou o disco no seu DVD falante.
Apagamos a luz, e todos ficaram deitados no tapete branco limpíssimo. De cara deu pra ver que ‘lento era pouco, né Lilla’, como disse o Inácio. Tudo bem, estávamos todos lá de bom grado vendo a proposta da amiga, que calou-se de primeira e mergulhou na tela como não havia feito com a sala e os amigos.
Pra tudo a Rita falava. ‘O que é a Zona? Porque eles estão fugindo? Tadinha da mulher dele, gente, a zona deve ser um prostíbulo.’ A gente riu, com certeza. Era muito coisa de Rita. O Odila entrou na onda algumas vezes, contestando o roteiro como “porque eles pegaram o carro se o que levou eles a saírem do café foi o barulho do trem?” e algumas exclamações gerais como “nossa que lindo essa passagem. Realmente viver na idade média devia ser mais divertido.” Nessa todos concordaram, engraçado. Eu não. Idade média deveria ser bem chato, viver esmagado sob a força de deus. Mas eu sabia do que eles estavam falando. Estavam falando de frieza e ceticismo cínico sobre a vida. Eu concordava em algum lugar, mas estava querendo ser chata.  A Lilla ficou lá, só olhando, dando pequenos risinhos com os comentários do grupo, mas ela estava realmente interessada. As vezes ela olhava pra todo mundo e dizia, você estão vendo que lindo esse take? Vocês estão vendo a textura da parede? Gente, como faz pra ir pra Zona?
Com o tempo, ficava um intervalo maior entre um comentário e outro. Os comentários da Lilla, apesar de escassos, eram constantes. Quando a Rita parou de falar a gente sabia que era porque ela tinha dormido.  A Andreia e o Odila dormiram também, lá depois da segunda parte, abraçados.
Eu, Inácio e Lilla terminamos de ver. No final não tínhamos muita coisa pra dizer. Achamos lindo. Decidimos que íamos para a Zona. Lilla disse que a mochila dela já estava pronta. “Saímos amanha bem cedo.”, ela disse. E fomos dormir também.