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domingo, 1 de maio de 2011

epílogo.

Como vocês sabem o meu tio Ignácio morreu há algumas semanas. Hoje eu, minha mãe e meu pai fomos ao apartamento dele ver como estão as coisas e pegar aquilo que queríamos. Curioso isso.. pensei na gente. Deu vontade de que vocês estivessem lá. Mas também fico me atentando para não ficcionalizar demais a realidade. Peça é peça e vida é vida, né ?

Pois bem, foi difícil entrar naquele apartamento. As pessoas vão e as coisas ficam. A jarra de suco na geladeira ficou do jeitinho que ele deixou antes do último gole. O último jornal que ele leu estava lá.. com uma foto da Camila Pitanga e do Lázaro Ramos. Aonde parou a loção pós-barba, o que restou da pasta de dente, a televisão no último canal que ele viu. Geladeira foi uma coisa que chamou a minha atenção. O queijo ralado tinha apodrecido. Pegamos os sabonetes ainda não abertos e levamos para casa.

Fui separando as coisas que queria ficar mas sempre vinha no pensamento: "será que ele tá vendo isso ? será que ele tá aqui ? Será que ele tá gostando disso ? Será que ele tá achando que eu tô feliz de ganhar estes 'presentes' ? Eu separei algumas roupas e fiquei pensando se usar roupa de alguém que já morreu faz mal. Sei lá, ele é meu tio. Não é possível que não me faça bem. Existiu um cuidado também em cuidar daquilo que ele passou a vida toda cuidando.. é muito louco isso, não me via no direito de jogar nada daquilo fora. Ele guardava de tudo. Ele guardou tanto que chegou a não usar muita coisa. Muita coisa na embalagem.

Enfim, esta foi a minha lista da vida real:

FRED:

- um cd do caetano veloso
- um cd do chico buarque
- um cd da maria bethânia
- um cd do paulinho da viola
- 4 casacos
- 1 calça social
- todos os álbuns, todas as fotos, todos os certificados de conclusões.. tudo que é história da família Araujo contada em fotos e em documentos. Bolentins, cartões-postais, cartas, fotos de gente que eu nem sei quem é.

Quando estávamos quase indo embora o telefone da casa dele tocou. A gente levou um susto. Minha mãe atendeu mas do outro lado da linha ninguém falou nada. Alguns minutos depois o telefone tocou de novo e nada. Silêncio do outro lado. Nestas horas, ou a gente finge que nada aconteceu ou a gente dá risada e brinca. Só nunca se conversa sério, nunca mostramos a fragilidade, nunca se enfrenta o dragão (às vezes eu acho que para aprender a cavalgar o dragão é imprescindível que o enfrente primeiro. Se não o enfrentamos de frente, nunca iremos subir em seu dorso.). Eu, minha mãe e meu pai prefirimos a segunda opção: rimos e fizemos piada. Mas todos estávamos tensos.


Quando cheguei em casa, vim pro quarto para separar as coisas. Botei o cd do Caetano e comecei a organizar o acervo. Tava tudo muito bem quando comecei a ler uma carta em que a Tia Fifita (irmã da minha vó e tia do meu tio) perguntava de Minas se eu já estava andando. Era uma carta de 1988. Eu chorei demais. E o Caetano rolando.. Pensei como a vida passa. Ela perguntando se o 'Frederico já estava andando' e eu, Fred, 22 anos depois lendo aquilo. 22 anos depois a Tia Fifita já tinha morrido, a Tia dindinha também (irmã da Tia Fifita), a minha vó também, o meu tio também e eu já andando há muito tempo. Deu vontade de dizer para a Tia Fifita que mesmo já tendo aprendido a andar, ultimamente eu tenho caído muito.