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sábado, 14 de maio de 2011

OUÇO LILA DIZENDO

“começo a escutar vozes e não consigo me concentrar. Portanto estou fazendo o que me parece ser o melhor a se fazer...”.

Ouço Lila dizendo do rio, das águas, do mar. E que a origem e o fim tavam na água. A questão é que a vida era impossível dez minutos atrás quando o Inácio pra avisar da morte do pai da Cecilia. Foi foda. A gente ficou três minutos olhando pro chão sem perspectiva. O fato é que estávamos nas Paineiras e a Lila entrou numas de citar Virginia Woolf olhando pro fundo da carrasqueira. Eu demorei mas de fato no fundo depois de um tempo entrei na onda e até brinquei: “Lilaaah, vamo se jogar. Eu tenho coragem”. Ela dizia não. Mas depois: -“Vamo!”. Mas tinha medo e rimos muito.Na verdade depois do impacto da noticia veio uma vontade de vida muito grande. Num instante de uns 5 minutos só pensava na Lila. Ela pulou. Não no penhasco mas pro caminho de volta até o carro.Corta. Saimos de Santa Tereza em direção ao Cemitério do Caju. Ela quase causou um desastre. Na decida daquelas pirambeiras esqueceu que tava dirigindo e quase bateu o carro 3 vezes. Vamo direto pro cemitério. Chegamos não tão alegres, mas acabamos por ter uma crise de riso sem ter porque. Ela era foda tinha umas paradas que desencadeavam outras. O riso solto na porta do cemitério... o Inácio deu uma puta broncana gente. Falei pra ela se controlar pra assim eu me controlar. O Inácio desceu pra comprar umas águas pra mãe da Cecília . A Lila não se conteve, correu atrás dele e fez um “Bú” pro Inácio que quase se assustou. Aí a coisa ficou séria e ele saiu nervoso.  Mas se virou logo em seguida: -“Vocês juntos não tem jeito. Não vão aprontar .”. Depois soltou aquele riso espontâneo que só o Inácio tem e controlou logo em seguida pra não invalidar toda seriedade de antes.  A Lila enfiou os braços entre os meus e entramos na capela velório . Quando entramos fui direto ver o Jaime no caixão. Escutei um homem cochichando que tinha sido traumatismo craniano e que ele era alcolatra. Fiquei puto. Porra o cara não bebia sempre assim. Já a Lila foi falando e abraçando todo mundo. Eu tenho uma facilidade pra ouvir o que não quero. E ouvi uma velha comentando que a Lila era meio doida, mas muito educadinha. O rosto do Jaime tava muito esquisito mas a pinta que ele tinha do lado direito continuava lá e com esse simples detalhe a fita rebobinou e comecei a ver o dia do último jogo do Brasil na copa em 2006 que passamos na casa da Cecilia. A gente tava no meio do terceiro ano. O Jaime me deu uma garrafa de Whisky que ele tinha há anos porque soube que eu ia fazer jornalismo. Ah, ele era jornalista. Um puta cara legal. Contava apaixonado de toda luta estudantil mas ficava sem palavras quando chegava no assunto da tortura. Corta. Vou voltar pro enterro. Achei a Cecilia e dei um abraço nela. Naquele momento vi que eu e Lila tavamos tentando nos enganar e a coisa era séria sim. Não tinha palavras pra trocar. Nada bastava. Era um zona de dor.Em seguida entra a Andrea e não pude falar nada além daquele olhar sincero que eu tinha com a Cecilia. Ela sempre virava o rosto, mas ali não. Nosso olhar foi até onde queria e antes de se esgotar a Andrea disse seu comum: “Oi gente” e abraçou forte aos prantos a Cecília que não derramava nenhuma lagrima. Fiquei me perguntando em que lugar do corpo tava alojada aquela dor que ela escondia e que não se mostrava no rosto. A Lila veio depressa e abraçou nós três formando uma roda. Ela disse que depois dali ficássemos juntos. O Ina voltou e entrou na roda(Ina, Lia, Odila e Éia era uma das maneiras que brincávamos de chamar nossos nomes).  A Lila começou com a palestra. Cecilia continuava fria a tudo. O Inácio falou: “-Lila sem sermão, por favor”. Ela nem ouviu e emendou: “Juntos nós somos mais viáveis . Eu nem imagino a dor que a Cecilia ta sentindo...”. A Cecília continuava impassível. A Andrea e eu chorávamos muito, não pelo que disse a Lila, mais pela Cecilia. O Inácio com deboche olhava incomodado pra Lila. E a gente ali numa roda abraçados no meio do velório. Lila podia ser tudo, até meio doida mesmo, mas ninguém unia tanto a gente quanto ela. Saiu da minha boca aquela música da Cássia Eller “mudaram as estações nada mudou..”. Cantamos baixinho juntos. Quando acabou a Cecilia disse que eu era muito brega com um sorriso forçado como de muito obrigado por tentar. Eu sempre fui brega mesmo. Sempre gostei de Amado Batista, Calcinha Preta e Reginaldo Rossi. O Inácio até disse que eu não era brega e que eu era sem noção mesmo. A Lila disse: “Caralho Inácio tu é muito sério hein cara. Quer se afirmar o tempo todo”. O Inácio não gostou nada. O pai da Cecilia num caixão ali do lado e a gente pensando que fugir do assunto resolveria. Até que se fez um silêncio terrível e ninguém de nós falou mais. Não tinha espaço pra nada. Só pra sentir que já tava chegando a hora do sepultamento. Trash isso. Lembrei de uma velha que comprei uma cocada um dia na Uruguaina quando dizia que pra morrer basta ta vivo. Me doía ver a Cecília daquele jeito. Sem chorar. Esforçando pra ta ali. Sempre me identifiquei com ela pra além do racional. Dos quatro ela era a que tinha o pensar mais parecido com o meu e foi a que mais demorei pra aproximar. Agora eu tava me vendo ali naquela situação dela por isso minha também. A Andrea tava chorando muito. Queria ajudar mas coitada não sabia nem pra onde ir. Inácio numa seriedade forçada que parecia ora divertida ora incoveniente. Lembrei das Paineiras e fiquei tão triste por não conseguir segurar aquele momento de compreensão que tive lá. Lembro que num momento a Cecília saiu pra ir no banheiro e ficou uns 40 minutos fora. Me preocupei e sai atrás dela. Ela tava sentada sozinha de baixo de uma planta no cemitério. Vi de longe. Não queria incomodar. Ela tava tratando com ela mesma. Ela tava chorando contida cantando uma música dos Beatles, eu acho que era Help. Não queria ficar bisbilhotando mas também me preocupava com ela. Ela falava coisas e repetia a palavra pai. Ela deitou em diagonal no chão do cemitério. Nesse momento eu chorei junto com ela. Que foda. Ela ficou sem uma das referências mais fortes da vida dela. O Inácio veio e falou no meu ouvido “Bú”, levei um susto, dei um grito, um pulo e acabei cortando a canela no pulo. A Cecília se assustou junto. E no meio dos soluços de choro dela eu me joguei e aquilo virou uma risada ótima. Inácio também abraçou a gente. Riso e choro juntos. E eu não conseguia falar nada pra ela. Minha canela tava doendo muito mas não queria estragar aquilo. Sem querer o sangue da minha canela foi parar na mão do Inácio e ele desperado falava: “Gente eu to sangrando, eu to sangrando”. Eu destraido perguntava “Que ta acontecendo??” Só que o sangue era meu. Tive uma vontade de ficar pelo menos uma hora sem vê-lo quando cai na real. E minha canela ainda tava doendo demais. Andrea e Lila lá dentro. A Andrea durmindo no ombro da Lila no corredor enquanto ela cantava uma melodia que eu nem sei direito o que era. Falamos algo sem importância pra não ser só silencio. O Inácio me contou que já tinha conseguido uma bolsa na Estácio e que ia fazer economia. A Cecília ficou horas olhando o caixão. Andrea realmente durmiu. A Lila conversava com a Elaine, mãe da Cecília, e eu anotava essas coisas que hoje passo a limpo com algumas novas impressões sobre o acontecido. Quase 5 anos depois Lila também já não está entre nós. E me lembro como se fosse agora de nós dois descendo o topo de Santa Tereza naquele carro mal dirigido tocando Help no rádio. A mesma música que Cecília cantava no cemitério enquanto eu a observava de longe. Realmente mudamos muito apesar de certas coisas serem as mesmas...

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Por Vítor Peres