Quando estamos juntos na sala de ensaio e ao invés de seguir o suave e enigmático percurso do lenço cedo a tentação de dominá-lo e conduzi-lo até o outro;nesse momento arranjo um subterfúgio para não cavalgar o dragão que está lá na trajetória do lenço.
Quando no improviso,retrocedo antes de ser transformada pelo riso,mais uma vez retrocedo ao convite de um dragão que me convidou para uma cavalgada em plena quarta feira de manhã.
Quando no aquecimento por algum motivo não exploramos um ao outro como poderíamos e ficamos mornos sem entrar em ebulição,eis aí mais uma cavalgada perdida.
Quando nos comunicamos com ou sem palavras tentamos cavalgar um dragão.
O dragão está sim aqui dentro de mim.Seu tronco pesado repousa sobre a superfície da segunda camada do meu cérebro.Sua cabeça pende por minha garganta e sempre que ouve seu nome suas asas se agitam sobre meus olhos,e de sua boca uma imensa tromba de fogo queima minhas entranhas.Como quem grita:vai cavalgar!
Sinto a vida,seu som,sua fúria.Não sei que tromba de fogo um dia poderia me levar.
Mas sei que toda vez que não enfrento seu ardor,sinto como se tivesse abandonado a maravilhosa oportunidade de abraçar a vida,a minha própria vida com todo seu verdadeiro calor.
Uma cavalgada em pleno ensaio,uma cavalgada para Rita,uma cavalgada para Marília,sinto que todas entoarão a mesma canção.A velha canção que diz:Entregue-se.Receba e abandone as informações ao longo.Tenha sempre espaços vazios que possam ser subitamente preenchidos por fluidos lenços verdes flutuantes.Não prenda-o.Dance com ele.Deixe que ele a conduza.Seu corpo sabe cavalgar,foi feito para isso,deixe-o ir.Você sabe que se por um instante é possível a plenitude este instante ocorre durante uma cavalgada.Todos os outros momentos em que não estamos cavalgando estamos tentando cavalgar ou sendo assombrados por termos desistido de cavalgar.
Assim,sinto que o dragão é a figura mágica, forte,absurda e instintiva que nos representa mas não necessariamente nos habita.A cavalgada é a possibilidade de que por um momento quem somos,nosso corpo e nosso dragão sejam todos um só.Ela sempre pedirá em troca que nos arrisquemos.Sempre teremos medo de parecermos ridículos,incongruentes,estranhos ao entorno,teremos medo de não poder voltar àquilo que antes chamavamos de eu ou das pessoas mais próximas virarem subitamente extranhas.Mas sempre quando estivermos cavalgando poderemos e poderão nos ver plenos.Não como somos,mas como temos potencial para ser.
Os que estiverem mais vivos,todos estes cavalgarão.
Acho que quando alguém está próximo da morte já não ouve mais a música do dragão.