Maurício Savarese
Do UOL Notícias
Em São Paulo
Para o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, e outras autoridades, os ataques promovidos por facções nos últimos dias são “atos de terror”. Analistas ouvidos pelo UOL Notícias preferem chamá-los de crimes, uma vez que são motivados exclusivamente pela perda de recursos financeiros e sem nenhum fim ideológico. Até esta sexta-feira (26), mais de 30 pessoas tinham morrido em confrontos no Estado.
“Na literatura internacional, um ato de terrorismo é entendido como um ato de violência que visa um objetivo político. Isso é o que faziam os irlandeses nacionalistas do IRA, os bascos separatistas do ETA, ou os radicais da Al Qaeda”, afirmou o professor Gunther Rudzit, coordenador de Relações Internacionais da Faap. “No Rio são meros marginais reagindo à perda do controle que eles tinham em comunidades.”
“Não faz sentido uma autoridade dizer que se trata de terrorismo. É comparar uma questão financeira com uma questão muitas vezes ideológica. Esses grupos criminosos do Rio não têm um objetivo político, não querem se tornar governo. Querem vender seus produtos ilegais sem sofrerem ação punitiva do Estado. E querem isso ainda que seja cooptando agentes do Estado.”
Ex-secretário nacional de Segurança Pública, o coronel José Vicente da Silva Filho concorda com a visão. “O terrorismo tem causa e o crime só se move pelo lucro. O terrorismo faz ação sem pré-condição, porque quer impacto. O banditismo não tem causa que não seja financeira, em última análise. A lógica do bandido é mostrar que é ativo e poderoso. No fim, eles sempre negociaram seus interesses”, afirma.
Em 2006, durante uma primeira onda de ataques no Rio de Janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva também classificou a iniciativa de terrorista. A ONU (Organização das Nações Unidas) não tem uma definição sobre o termo. Grupos que são terroristas para alguns países, como o palestino Hamas, comandam o governo na Faixa de Gaza e são chamados “lutadores pela liberdade” por países como a Síria.
Estratégias
Consultor de segurança da empresa NSA Brasil, Hugo Tisaka avalia que no sentido jurídico, crimes como os cometidos pelas facções no Rio de Janeiro também podem ser considerados terrorismo “por essência”. “É um ato que pretende restringir liberdade, destruir propriedade. E é isso que estamos vendo lá. Você está, no mínimo, destruindo patrimônio alheio e causando perdas civis”, afirma.
Mas vê diferenças entre crimes comuns e terrorismo. “Um amigo está indo à Nigéria para resgatar um sequestrado. Ali existem fins financeiros e uma justificativa ideológica: afastar quem não é muçulmano das riquezas do país. Aqui a justificativa é corrente de ouro, dar volta de helicóptero”, afirma.
Para Tisaka, há confusão entre crime e terrorismo porque, em especial no Rio de Janeiro, os traficantes não deixam suas comunidades quando enriquecem e são provedores de familiares, amigos e vizinhos. “Em São Paulo, o traficante que ganha mais é preso apenas em bairro rico. No Rio, eles melhoram a vida da comunidade e ficam lá. Isso dificulta ação da polícia porque eles têm poder real no lugar.”
O cientista político Rudzit, da Faap, avalia que para resolver a crise de segurança “uma simples ação militar não vai resolver”. “O traficante Marcinho VP está há 11 anos na prisão e continua comandando de lá. Se as lideranças vão perdas ou mortas, a hierarquia sobe. E a hierarquia tem vínculo forte nas comunidades”, afirma. “Dizer que é terrorismo ajuda a glorificar a bandidagem. E não é disso que precisamos.”