"Embora possa o poeta eventualmente filosofar, não pretende, como o filósofo,construir um sistema coerente de idéias, no qual inserir-se-ia a realidade.Por isso, enquanto o que o filósofo afirma deve manter coerência com o seu sistema de idéias, o poeta, por pensar fora de qualquer sistema, fala das revelações que a vida lhe proporciona sem se preocupar com a coerência ou incoerência do que afirma. A coerência que busca não é lógica, mas poética, e limita-se ao âmbito do poema. A sua reflexão sobre o real é aberta, descomprometida com "a verdade", tanto com a verdade filosófica como com a verdade científica, já que a poesia tampouco é ciência. Por isso costumo dizer que a verdade da poesia é a que comove. O poeta é, portanto, do ponto de vista da lógica formal, incoerente, e nessa incoerência reside a razão de ser da poesia, enquanto fato, enquanto fator constitutivo do homem como inventor de si mesmo.
Exemplifico: o poeta,digamos, é avassalado pelo cheiro de um jasmineiro na noite e, por não pretender explicar nada mas apenas expressar aquele acontecimento extraordinário na história do homem (porque assim é para ele), tenta transformar em verbo o vivido, para que os demais homens o conheçam e o vivam na leitura. Pouco importa o que seja o cheiro do jasmim segundo a ciência, pouco importa o que já disseram sobre o cheiro do jasmim outras pessoas ou ele mesmo: o poeta começa do zero, e não porque assim o deseje mas porque a vida lhe impõe.
A formulação filosófica, por necessitar de coerência, simplifica o vivido; a objetividade científica, por eliminar o conjuntural, o exclui. Ao poeta o conhecimento só importa enquanto vida: a poesia revela, em cada palavra, em cada verso, em cada metáfora, a atualidade do atual, ou seja, revela que este jarro que vejo em minha sala é parte do universo infinito como a constelação de Andrômeda e é parte da história humana tanto quanto a guerra no Iraque ou o doce olhar da menina na foto.
E porque começa sempre do zero, a poesia, que não evolui, acrescenta à experiência humana um outro tipo de conhecimento, que não explica os enigmas da existência nem revoluciona a tecnologia; um conhecimento que não serve para nada, a não ser para reafirmar o nosso espanto e a nossa frágil humanidade."