Me movo de ponta a cabeça no reverso das horas dos dias. Assim como esse outro que pela porta da frente chegou sem que eu autorizasse tamanha ousadia. Suas palavras carregadas de mistério e exuberância acariciaram meu rosto cor de susto num breve instante de um possível repouso. Enternecida, extasiada, quase pude acreditar que o calor de um colo amigo me devolveria a capacidade de figurar entre as pessoas e que a vida então me readmitiria no seu escritório-vida-social e eu poderia tomar meu picolé enfiando-o inteiro na boca e em seguida tirando-o inteiro da boca e que alternando entre tirar e colocar o picolé da boca esse meu gesto pudesse ser visto como simples celebração de um gostoso acontecimento e não como um ato perversamente libidinoso. Engano meu. Olhei no espelho e vi que os papéis da demissão estão estancados na minha testa e por onde quer que eu vá o estigma da exclusão me acompanha exalando seu cheiro fétido e pintando as marcas do meus pés no chão de cor vermelha. Não tenho direito de exigir coisa alguma apenas de seguir vivendo e de preferência silenciosa e transparente para que nenhum gesto meu perfure o limite do outro e nenhuma palavra minha fira o decoro.
Porque é isso. Aconteceu um dia. Minhas palavras desencontraram o bom senso e meus gestos ultrapassaram o significado. Já não pude mais seguir. Parei no meio do caminho atravessada por uma insistente pergunta: como é possível? Mas...como é possível?