Por Diogo Liberano
(Junho de 2009)
Para que o espectador seja estimulado a uma auto-análise, quando confrontado com o ator, deve existir algo em comum a ligá-los, algo que possa ser desmanchado com um gesto, ou mantido com adoração. Portanto, o teatro deve atacar o que se chama de complexos coletivos da sociedade, o núcleo do subconsciente coletivo (...), aqueles mitos (...) que são (...) herdados (...) (1).
A citação acima chama atenção para a noção de encontro, em primeira instância. Por encontro, entendo esse link que se estabelece entre ator e espectador e que se chama, no final das contas, teatro. É a partir desse encontro, dessas mãos que se entrelaçam que se obtém o que posso entender hoje por teatro. Não é um encontro isento de qualidades. É um encontro possível. O que virá a seguir varia, é constante, é transtorno, é pulsante. Pode ser muito e pode ser pouco. Pode não ser, pode ser eternamente. Pode sair do lugar ou não ou estar num entre incapaz de se classificar. Isso tudo, enfim, é o teatro que pode ser mesmo um infinito. Mas que, para isso, precisa primeiro encontrar.
Ou seja, não tem como eu ser outra coisa se eu já excluo desde o início a possibilidade sua de relação comigo. Mais: não tem como eu ser alguma coisa se eu excluo o seu olhar, o contato contigo, pois é justamente neste lugar que se opera a minha existência. Eu dependo de você para existir. Não quer dizer que serei vassalo de ti, não quer dizer isso, eu posso te bater, te odiar, te fazer mudar, romper com você, te dominar, mas parto sempre de um princípio, o de que nos amamos – a noção de que nos encontramos lá no início.
Em outras linhas, preciso primeiro te receber. De peito aberto, de espaço aberto. Receber. Depois, sádico como acredito o ser, vou moendo o tapete e te fazendo escorregar por dentro de certas engrenagens que você talvez não queira percorrer, mas que já tendo se encontrado comigo lá nos princípios, bom – eu entendo – fica difícil você se abster.
O que eu fiz? Furei sei olho? Não, eu puxei seu tapete. Assumidamente. Deixei-te em suspensão. Partimos, então, de um tapete uno. De um mesmo chão. Mas eu tinjo ele de outra cor e você acha mesmo que o que mudou foi o chão. Eu lido com cores com formas e semblantes, com superfícies que se confundem e te tornam inoperante, ou – desejo eu – tornam-te ser capaz de operar em si a gerência dos horrores e afetos que fazem de nós – seres – sermos humanos.
Sem o encontro, não pode haver confronto. Primeiro a gente se ama, depois se mata. Primeiro união, depois desenlace. Primeiro há construção, depois sua quebra. É o processo natural, leia-se, irreversível?
Não. Talvez em se falando do teatro as coisas percam autonomia, percam poder, percam posse, ganhem autofagia. As coisas se digerem elas por elas mesmas e o dia nasce potente de outra coisa a qual sequer foi dado um nome. O nome importa? O nome entorta e nos torna vassalos de uma perfeição que só se encontra mesmo nos dicionários.
(1) GROTOWSKI, Jerzy. Em busca de um teatro pobre. P.36.