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quarta-feira, 17 de novembro de 2010

REAÇÃO TERAPÊUTICA NEGATIVA I

Juliano Garcia Pessanha
(Poema in: Ignorância do Sempre, Ateliê Editorial: 2006))

"Durante anos você buscou justificativa para tua vida berrante. O ato perpétuo chamado escrita queria encontrar um rastro no meio do experimento nefelibata cujo nome era tua vida", Eu ouvi essa voz e ela me oprimiu. ela me obrigou a vestir a enorme nudez com os farrapos do significado, me obrigou a imitar o homem-coberto, o homem-mundo, o homem-pendurado, o homem-história e eu tive de acolher um tempo que só guardava palavras horríveis. Varei madrugadas pintando auto-retratos que sumiam e redigindo biografias que se apagavam: o rosto alcançado tinha sempre o jeito de ruina hitita. Quando decidi abandonar a palavra "produção", o homem-sujeito me pôs na parede: "vou cobrir tua nudez insensata com o meu sentido". E eu lhe disse: "pois vou descobrir a loucura do teu sentido com a minha nudez".
Nesse dia começou a nossa diferença, a intriga que nos amarrou. Se ele vem até mim nas costas do poder e da invenção, eu me dirijo até ele nas mãos da insegurança e da passividade - disputamos, ambos, na mesma terra, dois lugares que se afastam e se bifurcam.
(À noite, enquanto ele cresce pensando pensamentos primitivos, eu diminuo pensando os pensamentos inefáveis.)