III
Colada à tua boca a minha desordem.
O meu vasto querer.
O incompossível se fazendo ordem.
Colada à tua boca,mas descomedida
Árdua
Construtor de ilusões examino-te sôfrega
Como se fosses morrer colado à minha boca.
Como se fosse nascer
E tu fosses o dia magnânimo
Eu te sorvo extremada à luz do amanhecer.
VIII
Se te ausentas há paredes em mim.
Friez de ruas duras
E um desvanecimento trêmulo de avencas.
Então me amas?te pões a perguntar.
E eu repito que há paredes,friez
Há molimentos, e nem por isso há chama.
DESEJO é um Todo lustroso de carícias
Uma boca sem forma,um Caracol de Fogo.
DESEJO é uma palavra com a vivez do sangue
E outra com a ferocidade de Um só Amante.
DESEJO é Outro.Voragem que me habita.
IX
E por que haverias de querer minha alma
Na tua cama?
Disse palavras líquidas,deleitosas,ásperas
Obscenas, porque era assim que gostávamos.
Mas não menti gozo prazer lascívia
Nem omiti que a alma está além,buscando
Aquele Outro.E te repito: por que haverias
De querer minha alma na tua cama?
Jubila-te da memória de coitos e de acertos.
Ou tenta-me de novo.Obriga-me.
III
Vem dos vales a voz.Do poço.
Dos penhascos.Vem funda e fria
Amolecida e terna,anêmonas que vi:
Corfu.No Mar Egeu.em Creta.
Vem revestida às vezes de aspereza
Vem com brilhos de dor e madrepérola
Mas ressoa cruel e abjeta
Se me proponho a ouvir.Vem do Nada.
Dos vínculos desfeitos.Vem dos ressentimentos.
E sibilante e lisa
Se faz paixão,serpente,e nos habita.
III
De uma fome de afagos, tigres baços
Vêm se juntar a mim na noite oca.
E eu mesma estilhaçada,prenhe de solidões
Tento voltar à luz que me foi dada
E sobreponho as mãos nas veludosas patas.
De uma fome de sonhos
Tento voltar àquelas geografias
De um Fazedor de versos e sua estrada.
Aliso os grandes dorsos
Memorizo este ser que me sou
E sobre os fulcros dentes,ali
É que passeio e deslizo a minha fome.
Então se aquietam de pura madrugada
Meus tigres de ferrugem.As garras recolhidas
Numa agonia de ser tão indivisa
Como se mesmo a morte os excluísse.
XVI
Devo viver entre os homens
Se sou mais pêlo,mais dor
Menos garra e menos carne humana?
E não tendo armadura
E tendo quase muito do cordeiro
E quase nada da mão que empunha a faca
Devo continuar a caminhada?
Devo continuar a te dizer palavras
Se a poesia apodrece
Entre as ruínas da Casa que é a tua alma?
Ai,Luz que permanece no meu corpo e cara:
Como foi que desaprendi de ser humana?
XVII
As barcas afundadas. Cintilantes
Sob o rio. E é assim o poema. Cintilante
E obscura barca ardendo sob as águas.
Palavras eu as fiz nascer
Dentro da tua garganta.
Úmidas algumas, de transparente raiz:
Um molhado de línguas e de dentes.
Outras de geometria. Finas, angulosas
Como são as tuas
Quando falam de poetas, de poesia.
As barcas afundadas. Minhas palavras.
Mas poderão arder luas de eternidade.
E doutas, de ironia as tuas
Só através da minha vida vão viver.
XVIII
Será que apreendo a morte
Perdendo-me a cada dia
No patamar sem fim do sentimento?
Ou quem sabe apreendo a vida
Escurecendo anárquica na tarde
Ou se pudesse
Tomar para o meu peito a vastidão
O caminho dos ventos
O descomedimento da cantiga.
Será que apreendo a sorte
Entrelaçando a cinza do morrer
Ao sêmen da tua vida?
XX
De grossos muros, de folhas machucadas
É que caminham as gentes pelas ruas.
De dolorido sumo e de duras frentes
É que são feitas as caras. Ai, Tempo
Entardecido de sons que não compreendo.
Olhares que se fazem bofetadas,passos
Cavados, fundos, vindos de um alto poço
De um sinistro Nada. E bocas tortuosas
Sem palavras.
E o que há de ser da minha boca de inventos
Neste entardecer. E do ouro que sai
Da garganta dos loucos, o que há de ser?